Às Vezes.

Às vezes eu uso “às vezes” bastante vezes em meus textos. Às vezes por não saber qual sinônimo utilizar ou encaixar; às vezes por simplesmente gostar.

Às vezes tenho necessidade de escrever sobre mim e não esconder isso. Como em um patético diário adolescente, preciso largar a máscara de meus personagens e desnudar minha alma, a fim de me aliviar. Porque, às vezes, nem mesmo o meu tão amado orgulho consegue me sustentar.

Às vezes preciso apenas estar sozinha. Mesmo na presença de pessoas agradáveis e adoradas, preciso me afastar, nem que seja por cinco minutos, para estar sozinha e respirar. Para entrar temporariamente em meu mundo particular e relaxar. Porque, mesmo depois de todos esses anos, continuo achando o contato social bastante exaustivo e, às vezes, desesperador.

Às vezes quero ser normal.
Quero me sentir como uma garota comum (e principalmente me comportar como uma!), falar de forma menos teatral, ser menos azeda, menos sensível e crítica… Ser simplesmente normal.  Penso e sair do meu mundo intelectual, falar de algo mais banal, parar de ser tão radical para que finalmente possa ser aceita como igual. Mas essa idéia estúpida não dura muito, pois é só estar ao lado de pessoas desse tipo, de mentes tão pequenas e entediantes, que tenho certeza que é em meu mundo autista onde quero morar para sempre.
Não importa se serei excluída ou não. Pois é em minhas maluquices e macaquices onde encontro a melhor versão de mim mesma.

Às vezes, em pensamentos, consigo largar o vício da autopiedade  e me permito ser um pouquinho arrogante. Me permito pensar que aquele que me despreza ou não faz questão de me conhecer é um pobre coitado. Porque essa pessoa nunca vai conhecer outro alguém mais criativo, mais inteligente, mais dedicada, desvairada, profunda, louca, retardada e outros muitos adjetivos que não cabem  em uma folha de papel. Não vai conhecer um amor como o meu, um carinho como o meu e todo o apoio que posso oferecer em momentos de crises. Afinal, já estive muito tempo nelas. Ajudar outras pessoas a atravessá-las é mais do que um prazer pra mim.
Mas esse pensamento também dura muito, muito pouco. Porque um dia novo começa e eu volto a ser aquele ser irritante que acredita que nada tem de interessante.

Às vezes pego alguém pra admirar. Assim mesmo, do nada. Sem qualquer interesse romântico. Sem qualquer razão aparente. Apenas alguém que me inspire, independente de raça, sexo, cor da pele ou qualquer outra característica. Apenas alguém diferente nesse mundo cheio de pessoas iguais. Apenas alguém especial, com um sorriso admirável, um caminhar adorável e uma voz espetacular.
O mais engraçado disso é imaginar que elas nem imaginam. Que não fazem idéia de que há mil textos e poemas meus dedicados a elas. Que não sabem que há uma louca observando-os silenciosamente ao longe. E que toda essa observação atenciosa irá se transformar em trabalhos escritos às  3 da manhã e que logo serão divulgados para quem quiser ler. E, às vezes, fico assustada com essa minha capacidade de admirar alguém que nunca sequer trocou um par de palavras comigo.

Às vezes preciso parar, mesmo que queira continuar.
Preciso colocar um fim em um texto ou uma história que para mim poderia ser eterna. Porque minha imaginação é sem limites. E enquanto houver palavras disponíveis no mundo, há histórias. Há textos, há criatividade.
O problema é que não há alguém capaz de ler por toda a eternidade.

E, pra terminar, às vezes tenho dificuldade para terminar.
Não sei como colocar um ponto, quando ainda há muito mais o que falar. Principalmente agora, com essa nova mania de rimar.
Como tudo na minha vida, o “acabar” me faz chorar. Me faz lutar, brigar e pirraçar até cansar. Até cansar e a bandeira branca da redenção ser obrigada a alçar.
Por isso, às vezes, acho que o “fim” é uma palavra vulgar. Mas sei que ela ainda acabará por me matar.

A Casa Dos Gritos.

scream

Parem de gritar. Parem agora.
Vão embora e jamais sequer pensem voltar em outra hora.
Vocês não veem?
Vocês não sentem?
Nessa casa cheia de gritos, há uma garota debaixo da cama.
Nessa casa cheia de gritos, todos os cômodos já foram entupidos de drama.
Parem os gritos.
Apenas parem.
A mente da menina não aguenta mais.
As pequenas mãozinhas não conseguem bloquear a passagem dos sons estridentes e sem sentido que atropelam as frestas da porta, prontos para agarrá-la.
Prontos para fincarem suas unhas em uma sanidade há muito abalada.
Será que não vocês não veem?
Será que vocês não sentem?
Os anos passam, o mundo muda, mas os ecos de uma família quebrada vão terminar por deixá-la surda.
Será que não veem?
Não, eu sei que não.
Tenho certeza que não.
Porque vocês não enxergam.
Não possuem olhos, não possuem ouvidos, não possuem sentimentos.
Porque vocês só sabem gritar, gritar e gritar.
Vocês só sabem gritar até conseguirem o pulmão estourar.
Vocês só sabem gritar até a voz falhar.
E a pior parte de tudo é que ela nunca falha!
A garota debaixo da cama não agüenta mais.
Isso não é vida!
Porque em uma casa de gritos simplesmente não há saída.
Será que um dia vão conseguir ver?
Como esta garota irá crescer?
Como ela conseguirá viver sem enlouquecer?
Ela não poderá, certo?
Porque ela já enlouqueceu.
Porque qualquer lugar onde as vozes se manifestam em um tom mais elevado já é motivo para se sentir em um inferno na Terra.
Ela não poderá, certo?
Porque uma multidão  gritante já lhe é apavorante.
E todo esse pavor é motivo para mais gritos. Gritos internos, gritos com ecos, que ressoam contra paredes escuras e vazias de um organismo doente.
Será que nunca conseguirão ver?
Será que nunca conseguirão entender?
A garota tapando os ouvidos debaixo da cama quer finalmente viver.
Pois nessa casa gritos ela não quer mais perecer.
Por isso, parem de gritar. Parem agora.
Parem de gritar e vão embora!
E jamais, sequer, pensem em voltar outra hora.

Sobre Amores e Estações.

Acordo num sobressalto, após um pesadelo.
Meu corpo ainda treme de medo e o coração disparado no peito dificulta qualquer tentativa de respiração tranqüila. Estico o braço para o lado direito da cama, em busca de seu corpo, de seu abraço, de proteção, mas não há nada. Não há nada além do lençol amassado e o vazio deixado pela sombra de sua carne.
Ponho-me de pé e passo a mão pelo rosto. Escuto o barulho da louça vindo da cozinha e mordo os lábios, sem saber como começar. Sem saber como iniciar este dia tão distinto, tão cinza, tão sombrio. Apenas mais um dentre os muitos dias acinzentados que temos vivido.
Olho no espelho. A maquiagem borrada – que havia esquecido de retirar – denuncia todo o martírio de uma noite gelada e silenciosa. Pergunto-me o que estou fazendo. Pergunto-me por que ainda sigo aqui, com os pés descalços e os sonhos destroçados. Quando olho para você, tento vislumbrar qualquer resquício de esperança, qualquer fragmento de um amor que agora parece uma lembrança longínqua. Talvez eu veja essa luz ou talvez eu apenas a imagine. Porque ainda me custa acreditar que tudo está por acabar.
Você nega. Você diz que estou louca. Você me dá todos os adjetivos do mundo e beija minha cabeça de forma condescendente antes de ir para o trabalho. Promete que nada vai mudar, que somos os de antes e que sempre seremos. Tudo o que consigo fazer é esticar meus lábios com muita dificuldade em um sorriso amargo e tomar um café bem forte, enquanto meus olhos acompanham-te deixar esta casa.
Sinto-te cada vez mais longe. Sinto-te escorregando por entre meus dedos, como grãos de areia que escorrem por minha pele até tocar o chão. Por mais que tente agarrá-los, tudo o que sobra em minha mão são grãos de terra, que parecem não significar mais nada.
Os dias passam. O calor do verão se esvai com a chegada do outono.
As folhas secas se jogam sutilmente das árvores e meus olhos acompanham cada detalhe da natureza enquanto tento arranjar alguma forma de voltar ao passado. De voltar ao primeiro olhar trocado, à primeira sensação de borboletas no estômago e o arrepio gostoso que sobe e desce freneticamente pela espinha. De retornar ao primeiro beijo, às primeiras palavras românticas e das pioneiras promessas que cruzaram seus lábios em forma de algodão doce.
Mas não há como. A porta da máquina do tempo está trancafiada, me obrigando a viver no presente. Me obrigando a olhar o fantasma do que você já foi um dia e me forçando a aceitar isso.
A pior parte de tudo é que não consigo ir embora. Não consigo atravessar a porta, deixar seus olhos cor de mel para trás, junto com todos os sonhos, todas as palavras, todas as promessas. Não consigo pegar a mala e largar o seu sorriso, a sua gargalhada gostosa e a voz que por tantas vezes sussurrou em meus ouvidos que viveríamos para sempre.
Não posso. Não consigo. Sou fraca, incapaz, inútil… Não consigo.
Meu corpo sempre dá um jeito de pedir desesperadamente pelo seu. Mesmo estando tão perto, mesmo com toda a parede de gelo entre nós, eu ainda me sinto como uma adolescente, boba, apaixonada e admirada pelo homem que você é. Afinal, não é isso do que se trata o amor? Um pouco de admiração, uma carga de paixão e muita, muita frustração? Muita, muita rejeição? Não sei o que os poetas pensam, o que querem dizer com os textos melados e sem sentido, mas, para mim, é como parece. Porque quanto mais você me ignora, quanto mais você me despreza e finge não se importar, eu sinto vontade de continuar aqui, esperando o dia em que você voltará a me amar. Esperando, sempre esperando, o dia que retornaremos aos cenários épicos dos nossos melhores momentos juntos. É doentio, é insuportável, é repugnante essa necessidade de te ter aqui, de vê-lo sempre perto de mim, mesmo que não sinta mais o mesmo por mim. É ridículo, deplorável, deprimente, mas, infelizmente, não há nada que eu possa fazer.
O inverno entra pela porta mascarado de uma corrente de ar frio.
Você está trabalhando sobre a mesa da cozinha, enquanto eu sigo com minha caneca de café forte sobre os lábios, admirando cada gesto seu. Me dou conta de que apenas um “bom dia” saiu de sua boca hoje e o como isso dói. De como o silêncio se torna enlouquecedor em meus ouvidos porque vem de você.
Há outro me esperando. Há outro me amando, me querendo, me aceitando.
Mas que outro? Quem, como? Porque não há. Não em mim. Não no meu mundo. Porque dentro de mim, fora de mim, ao redor de mim só há você. Só há você e apenas você. Apenas você e sua frieza, sua indiferença, mas ainda assim você. Eu não sei o que fazer, como proceder, mas ainda assim você.
Minha cabeça continua gritando que estamos morrendo.
Mas meu coração lembra que, após toda morte, há renascimento.
E que de cada renascimento vem um vida completamente nova para se viver.
Coloco a caneca sobre a pia de mármore e seguro de repente seu rosto entre minhas mãos. Meus lábios capturam os seus em um gesto rápido, porém profundo. Passo a língua sobre minha boca após sentir o seu gosto e respiro fundo ao sentir o sabor das memórias que construímos juntos. Porém seu rosto continua impassível, como se não tivesse sido afetado. Você apenas abre um sorriso misterioso, que sou incapaz de decifrar, e continua fazendo seu trabalho.
Estamos tão perto e me dói, me dói tanto.
Estamos tão longe e me dói, me dói tanto…
Abro os olhos e posso avistar uma flor desabrochar sobre o vaso em minha janela, anunciando o início da primavera.
Não olho para trás, com medo de ver mais uma vez o seu corpo ausente e apenas um lençol amassado e vazio. Permaneço no mesmo lugar, exausta, morta por dentro, gelada por inteiro.
Não consigo imaginar minha vida sem sua agridoce companhia, sem um dia ao seu lado, mas não há mais jeito. Talvez consertar o que está quebrado seja uma perda de tempo, quando é mais fácil e melhor trocar por outro. Talvez persistir em um amor cinzento seja o mesmo que persistir em um erro, que só cometemos porque não admitimos ao próprio orgulho de que ele estava certo. De que perdemos e que, mais uma vez, nos perdemos.
Por causa do amor. Sempre por causa do amor.
Respiro fundo e decido que já está na hora de partir. Que já está na hora de levantar e partir.
Mas não consigo. Não por fraqueza, não por incompetência, não por covardia… Não; não dessa vez.
Pois, agora, o que me puxa na direção contrária é um cálido braço que faz meu corpo chocar-se de leve contra o dele, fazendo-me arregalar os olhos.
“Não vá”, sussurra em meus ouvidos, como se tivesse lendo meus pensamentos. “Não levante. Tive um pesadelo. Fique aqui. Preciso de você.”
“E se eu realmente precisar ir?”, respondi com a voz trêmula e os olhos inundados de lágrimas cristalizadas.
“O que seria de um dia meu sem você?”, ele responde com a voz suave, delicada como veludo. “É primavera. Fique aqui. Atravessamos o vazio outono e sobrevivemos ao gelado inverno. É primavera. Não há porque ir. Fique aqui”.
Eu fico.
Não respondo com palavras, apenas o abraço.
Eu fico.
Não dou explicação para o meu choro, ele sabe.
Eu fico.
Não digo que ainda o amo, ele sente.
Eu fico.
O amor cinzento pode tornar a ser azul celeste. Pode sim. Sei disso.
Eu fico.
Consertar algo é sempre melhor que trocar.
Eu fico.
Afinal, o que seria de um dia meu sem ele?
Afinal, o que seria de um dia dele sem mim?
E o que seria do mundo sem nós dois juntos?
Eu sempre fico. Sempre.
E esta história recomeça com o amor levantando-se após a longa e árdua batalha dizendo, com todas as letras, para o derrotado orgulho: “Você perdeu. Porque eu… Ah! Eu finalmente me encontrei”.

Inspirado da música “Que Sería?”, de Francisca Valenzuela.

Uma Dorzinha.

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Uma dorzinha
Aqui dentro
Que vai subindo
Até meu pensamento

Uma dorzinha
Anormal
Que só irá sarar
Com o sorriso de alguém especial

Uma dorzinha
Irritante
Que só piora
A cada instante

Uma dorzinha
De saudade
Que ninguém jamais
Pode saber de verdade

Uma dorzinha
Que não tem pausa
E que apenas está aqui
Por sua causa

Uma dorzinha
Que está se tornando um verdadeiro problema
Mas que acabou se transformando
Em um pequenino poema.

Há Um Garoto Que Conheço.

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Há um garoto que conheço.
Ali vem ele, indo e vindo à minha frente.
Aqui vem ele, indo e vindo em minha mente.
Num dia ele usa preto; noutro, usa branco.
Num dia ele usa branco; noutro, usa preto.
No começo era apenas uma vez.
E agora já são três.
Há um garoto que conheço.
Mas eu não conheço de verdade.
Nunca pude vislumbrar seus lábios abertos em um sorriso.
Nunca pude observar sua alma através de seus olhos.
Porque está sempre de cara fechada, expressando extrema seriedade e uma pitada de arrogância em seu caminhar.
Ou, quem sabe, apenas uma timidez enclausurada e mascarada por um orgulho vulgar.
Se ele não sorrir, se nunca sorrir… Não vou saber de verdade.
Há um garoto que conheço.
Mas não conheço nada. Nada de nada.
Não sei onde trabalha, que idade tem, qual é o tom de sua voz ou se fala decentemente o português.
Não faço idéia de quais sãos seus sonhos, se ele sequer tem sonhos ou se está perdido na entediante e medíocre realidade que a maioria dos humanos se vêem presos.
Não sei se tem irmãos, se tem amigos, namorada ou até inimigos.
Há um garoto que conheço… Mas não conheço nem seu nome.
Seria simples como Guilherme, Ricardo e Felipe?
Ou composto como João Marcos, Bruno Paulo e Marcelo Henrique?
Não faço ideia para qual time vibra ou se é de Sagitário, Aquário ou Libra.
Não sei, não. Não sei de nada.
Porque ele está sempre assim: passando rápido demais, de forma imperceptível se eu não presto atenção, três vezes ao dia, usando ou preto ou branco.
Há um garoto que conheço…
Apenas um garoto eu conheço…Que realmente gostaria de conhecer.

Não Foi Melhor Assim?

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Nós brigamos silenciosamente.
Eu vi seu sorriso se transformar em uma máscara dura e fria, com os olhos castanhos e penetrantes em minha direção.
Não foram necessárias palavras brutas ou sequer gritos estridentes. Não foram necessários xingamentos, ofensas ou dedos apontados.
Pra quê?
Por quê?
Conosco, não.
Oh, não… Nunca foi necessário!
Bastou o silêncio.
Apenas aquela irritante ausência de sons e palavras que sempre foram constantes em nossa relação.
Bastou o silêncio e o eco tenebroso de uma discussão feita com o olhar.
Você se irritou com meu jeito insistente, exagerado e compulsivo, enquanto eu achei um absurdo seu pouco caso, sua eminente falta de interesse e o blasé que sempre imperou em seu tom de voz.
Pra quê brigar?
Por que discutir?
Não é melhor assim?
Não é melhor?
Você sempre aí e eu sempre aqui.
Você desaparecendo do nada e eu permanecendo no nada.
Você realmente não se importando, enquanto eu finjo que nunca me importei.
Você se misturando em seu mar de pessoas inúteis e medíocres quanto eu sigo feliz em minha solidão intelectual.
Não foi melhor assim?
Não foi melhor?
Sem palavras desperdiçadas, sem letras que formem frases ridículas e desnecessárias.
Sem lágrimas enervantes que molham um rosto maquiado ou que destruam um poderoso e precioso orgulho.
Sem a necessidade deplorável de dizer um adeus pungente que só iria gastar nossas melhores energias.
Não foi melhor assim?
Não foi melhor?
Afinal, você sempre amou o silêncio.
Enquanto eu… Eu apenas sigo tentando a conviver com ele.

Caixinha de Cristal.

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Se eu pudesse, te guardaria em uma caixinha de cristal.
Te deixaria lá dentro, com todas as coisas que precisas e me limitaria a olhar-te por quanto tempo fosse necessário. Te cuidaria, te vigiaria, te amaria. E você estaria sempre aqui.
Você nem precisava saber. Podia ser uma enorme caixinha de cristal, onde você continuaria vivendo sua vida como sempre fez. Como sempre fez antes de me conhecer. E meu trabalho seria apenas vigiar-te e cuidar-te.
Se você estivesse prestes a tropeçar em alguma pedra, imediatamente a tiraria do caminho, para que você pudesse continuar andando livremente e sem perigos.
Se estivesse distraído o bastante para não ver um carro se aproximando, eu pararia o tempo dentro da caixinha de cristal. O carro pararia e você poderia continuar andando livremente e sem perigos.
Se estivesse enamorado de uma mulher que lhe partiu o coração, eu imediatamente a arrancaria da caixinha de cristal e a mandaria para uma caixa de papelão quente e suja. E se as lágrimas começassem a rolar pelo seu rosto, costuraria seu coração durante a noite, em seu profundo sono, e você acordaria sentindo-se renovado, como se nenhuma dor jamais houvesse atingido o pequeno e frágil músculo do lado esquerdo do peito. Você sabe, eu sou uma boa costureira. E você poderia continuar andando livremente e sem perigos. Eu poderia fazer isso sim. Poderia fazer isso e muitas outras coisas. Se ao menos pudesse ter você por perto. Se ao menos pudesse ter você aqui, dentro de uma caixinha de cristal para sempre.
Porque o efêmero nunca me satisfez. O fugaz nunca me alimentou. E a inconstância sempre foi meu desespero.
Em uma caixinha de cristal você poderia ser livre perto de mim. Nós não precisaríamos tomar caminhos diferentes. Você não precisaria ir para a esquerda, enquanto eu sigo a direita. Você não precisaria ir subindo enquanto minha vida desceria cada vez mais por estar longe de sua presença. Você não precisaria pisar no branco, enquanto eu estaria me afogando no negro.
Em uma caixinha de cristal você estaria aqui. Sempre aqui.
Porque eu sinto. Eu sinto, eu posso ver. O dia em que teremos de seguir caminhos contrários está chegando. O dia em que teremos de alçar nossas mãos em um melancólico adeus e seguirmos direções opostas está cada vez mais próximo.
Eu já estou recuperada. Já estou bem, já estou perfeita. Já tenho (quase) tudo o que eu preciso.
O que você irá fazer comigo? Como irá me manter, sem qualquer outra desculpa que possa ser usada?
Me colocará em uma caixinha de cristal também? Não… eu acho que não. Ou melhor… eu tenho certeza que não.
Por isso, fique em silêncio e viva em minha caixinha de cristal.
Porque talvez um dia eu crie coragem suficiente e entre nessa caixinha.
Porque talvez um dia eu resolva passar pela mesma rua que você, na mesma hora, no mesmo bairro.
Porque talvez um dia eu esteja pronta para olhar-te nos olhos e dizer todos os sentimentos que estão vivendo em cada célula do meu corpo. E que esses sentimentos são todos para você.
Porque talvez um dia, em uma hora qualquer, em um evento inesperado, nós possamos nos reunir outra vez, nos encontrar outra vez e nos amarmos pela primeira vez.
E então viveríamos, finalmente, felizes para sempre, em minha preciosa caixinha de cristal.

Meu Erro.

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Meu erro foi ter começado.
Meu erro foi ter olhado fundo em seus olhos cor de mel pela primeira vez e ter desejado me perder para sempre neles. Porque agora não sei mais como encontrar o caminho de volta.
Foi ter notado e ter me apaixonado por seu sorriso encantador. Porque agora não sei mais viver sem ele.
Meu erro foi ter acreditado.
Foi ter criado um mundo ilusório com base na ideia de nós dois. Foi ter arquitetado mil e um planos que poderíamos executar juntos. Porque agora não sei mais como viver na dura e fria realidade. A realidade onde sua presença se faz tão ausente. A realidade onde sua falta me mata lentamente.
Meu erro foi ter esperado.
Esperado que um dia nossos caminhos pudessem voltar a se cruzar. Foi ter esperado esbarrar com você em uma rua qualquer, em uma estrada qualquer. Porque agora não posso mais andar em paz. Não posso mais caminhar sem que meu coração dê um salto  no peito ao ver alguém semelhante a você. Não posso mais caminhar sem sentir a frustração gélida no estômago por não ter te encontrado após tanto procurar.
Meu erro foi ter deixado.
Foi ter deixado você penetrar em minha pele como uma leve brisa de outono.
Foi ter deixado seu perfume impregnar minhas narinas e enlouquecer meu cérebro como o doce cheiro de uma flor primaveril.
Foi ter deixado seus braços cálidos protegerem-me de um congelado inverno.
Foi ter deixado seus lábios iniciarem um fugaz romance de verão.
Meu erro foi ter te encontrado, ter te achado pela primeira vez no lugar mais inesperado. Foi ter acreditado que sua alma faria o encaixe perfeito com a minha. Foi ter acreditado que poderíamos formar um todo. Mas me deixastes como a metade vazia de um nada.
Meu erro foi ter calado.
Foi nunca ter confessado com todas as letras que eras meu amado.
Foi ter guardado dentro da caixa de meu orgulho o grande amor que sentia por você.
Meu erro foi ter me apaixonado. E ter temido isso.
Porque agora estou aqui sozinha, aborrecida, abandonada, largada num mar de palavras que já não fazem mais sentido. Num oceano de saudades inquietantes que me fazem querer gritar até o último suspiro.
Meu erro… Ah, meu erro!
Meu erro foi sempre, sempre ter começado.
Porque se eu tivesse tido a coragem de dar-te as costas naquela estrelada noite de verão, se tivesse suportado o desejo eminente de beijar diariamente seus olhos cor de mel… Ah, tudo seria diferente! Seria muito, muito diferente.
Meu erro foi, sim, ter começado.
Do contrário… Do contrário, todo este sofrimento poderia ser evitado.

Rosa e Eucalipto, parte 2.

parte 2

Meus olhos correm pela multidão à sua procura.
Caço seu par de olhos castanhos, seu sorriso sublime, sua presença adorável.
Procuro, caço, perscruto, mas você não está lá.
Olho o relógio pela milésima vez, observando que você está atrasado. Muito atrasado.
Meu coração palpita no peito em uma ansiedade irritante que não consigo arrancar daqui.
Ele bate, bate, bate; e cada batida é uma letra do seu nome que está tatuado bem dentro de mim.
Ele está gritando por você.
Será que não está ouvindo? Onde quer que esteja, não o está ouvindo? Não está me ouvindo?
Ele grita alto (com uma grande ajuda dos pulmões), esperando que você finalmente o escute e venha mais depressa.
Oh, como se atreve?
Como se atreve a apontar-me o dedo e dizer, com todas as letras, que não te amo?
Como se atreve me olhar nos olhos e duvidar do sabor mais doce que já provei nesta vida?
Estamos apenas algumas horas apartados e a falta do seu sorriso já começa a me enlouquecer.  Apenas horas, espaços medíocres de sessenta minutos, que parecem sessenta anos.
Minhas pernas tremem, batem contra o chão, contando os microssegundos que ainda restam para eu poder visualizar seu rosto outra vez.
Por que demoras tanto?
É algum tipo de castigo? É uma punição por ainda dividir meu coração?
O que você está fazendo comigo?
Não seja como o outro.
Não me faça entrar em desespero. Não comece a provocar espasmos espinhentos por todo o meu corpo que me fazem sangrar absurdamente.
Você é a única cura para o meu vício mortal e impiedoso.
Você é sanidade para a minha loucura, a luz para a minha enorme escuridão.
E, cima de tudo e de todas as coisas, você é aquela explosiva vontade de viver, quando desejo mais do que nunca desaparecer deste mundo.
Oh, como se atreve?
Como se atreve a dizer que não te amo o bastante?
Ainda estou aqui, esperando, roendo o último que sobrou de minhas unhas e com um coração latente que continua a berrar seu nome sem cessar.
As pessoas falam comigo, puxam assuntos banais e tudo o que eu consigo fazer é presenteá-las com um sorriso amarelo e sem graça.
Eu não quero estar com elas.
Não quero conversar com elas, não quero ouvi-las ou ter de fingir uma tranqüilidade que estou longe de sentir.
Eu quero estar com você.
Viver você, respirar você, amar você.
Eu quero estar por cima de você, por baixo de você, dentro de você.
Eu quero você e todo o seu amor que corre por entre minhas veias, deixando o rastro hipnotizante de  Rosa com Eucalipto.
E a sensação de frescor e doçura arrebata-me por inteiro quando vejo sua silhueta ao longe. Você é apenas mais um ponto na multidão, quase como um fantasma do próprio corpo, mas é o bastante.
Oh, Deus, como é o bastante!
Seu andar, seu jeito, todo você.
Suas mãos, seu olhar, seu sorriso, todo você.
Seu cabelo perfeito, a cor de sua pele, todo você.
Oh, como se atreve?
Como se atreve a duvidar de toda essa carga que me atinge com tão só vê-lo?
Se isso não é amor, o que é, então?
Explique-me, diga-me… O que é?
Se eu tivesse de escolher uma cor para este sentimento, escolheria o azul.
Isso mesmo…  azul.
Porque o que sinto nada se assemelha ao rosa melado dos amores juvenis ou ao vermelho sangue da paixão carnal dos adultos.
É azul. Azul celeste, como o céu claro que vive sobre nossas cabeças.
É azul perfeito como a cor dos oceanos. É azul reluzente como uma flor exótica, raramente encontrada em lugares simplórios.
É o azul da morada dos anjos. A mesma morada onde possui uma piscina de rosas por toda a água límpida. Uma piscina de rosas e com cheiro de eucalipto.
Azul da morada para onde iremos após partirmos deste mundo. Juntos.
O fantasma de você se transforma em sua forma de carne e osso conforme vai se aproximando.
Olho para as minhas mãos e percebo que estou tremendo. Fecho os dedos, respiro fundo, tento manter o controle, mas é impossível. Meu corpo inteiro está reagindo ante à presença eminente do seu. Meus dedos tremem tanto que mal consigo pegar a alça da minha bolsa e colocá-la sobre o ombro.
Já estou de pé; já estou com os braços ansiosos para abraçar sua figura como se não houvesse amanhã.
Seu sorriso cai como uma cachoeira sobre meu corpo, como gotas cristalizadas de chuva após um longo período de sol escaldante.
Oh, como se atreve?
Como se atreve dizer que não é amor?

— Desculpe o atraso. – você diz baixinho, com sua voz carinhosa e arrependida, antes de beijar meus lábios, pondo um fim em toda esta agonia.
— Não tem problema. – repliquei ao mesmo tempo que passei o braço esquerdo ao redor de sua cintura. – O que importa é que está aqui agora. Desde que sempre esteja, desde que sempre chegue… Não tem problema.
— Vamos para casa? – perguntou enquanto começávamos a caminhar por toda a multidão de pessoas como se estivéssemos completamente sozinhos.
— Será que não vê? Será que não entende? – encarei seus olhos confusos antes de terminar a sentença e sorri. – Eu já estou em casa.

Nós temos tanto o que falar…

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Nós temos tanto o que falar e falamos sobre o tempo.
Poderíamos estar falando do quanto sentiu minha falta e eu estaria declarando meu amor por sua camisa xadrez vermelha, que tanto adoro. Já disse o quanto você fica bem nela? Imagino que sim.
Nós temos tanto o que falar e falamos sobre o tempo.
Talvez seja apenas para quebrar o gelo, para fugirmos deste silêncio constrangedor que caiu sobre nossas cabeças desde que nossos olhos se cruzaram. Ou talvez seja apenas porque não há mais nada para se falar.
Será?
Eu e você?
Como?
Como foi acontecer?
Sempre tivemos as melhores conversas. Sempre soubemos achar um assunto para nossas vozes se cruzassem até transformarem-se em um som único e singular.  E quando não havia um assunto… Ah! Nós inventávamos! Qualquer motivo era motivo o bastante para falarmos e falarmos sem parar.
Mas aqui estamos nós.
Cara a cara, olho no olho.
Aqui estamos nós e comentamos sobre o sol. Comentamos o calor atípico de uma tarde de inverno e você conta coisas banais, sobre a alta temperatura e mais.
Nós temos tanto o que falar… Oh! Como temos! Mas ao invés disso, falamos sobre o tempo.
Eu quero perguntar se você está bem. Quero perguntar sobre sua família, sobre sua vida, sobre seus sentimentos.
Quero perguntar sobre sua carreira, sobre seus estudos, sobre seus sonhos.
Tenho muitas, muitas perguntas.
Sou curiosa, você sabe.
Quero saber, quero saber de tudo.
Principalmente quando envolve você.
Mas nós ainda seguimos falando sobre o tempo.
Você comenta que seu picolé derreteu em poucos segundos, lambuzando-lhe as mãos, e eu apenas sorrio ao imaginar a cena.
Enquanto isso, enquanto os minutos passam e os ponteiros do relógio giram, as perguntas seguem entaladas em minha garganta, mas não consigo colocá-las para fora.
Você está apaixonado por um outro alguém?
Você me esqueceu?
Será que poderíamos tentar mais uma vez?
Mas a conversa sobre o tempo continua e eu vou perdendo a coragem pouco a pouco.
As palavras vão morrendo, a coragem desvanecendo e tudo o que eu consigo fazer é continuar sorrindo e assentindo sobre um picolé derretido.
Nós temos tanto o que falar e falamos sobre o tempo.
Eu ainda estou apaixonada por você.
Você ainda está apaixonado por mim?
Nós temos tanto o que falar… Tanto, tanto o que falar…
Mas tudo o que fazemos é falar sobre o tempo.