Resenha: Select Poems of Emily Dickinson.

“My life closed twice before its close;
It yet remains to see
If immortality unveil
A third event to me,

So huge, so hopless to conceive,
As these that twice befell.
Parting is all we know of heaven,
And all we need of hell.”

“Selected Poems of Emily Dickinson” foi o único livro que consegui ler no mês de junho (a vida anda corrida demais se concentrar parece cada vez mais difícil…) e foi uma leitura ao mesmo tempo enriquecedora e desafiadora.
A poesia de Emily Dickinson se torna ainda mais especial quando você conhece um pouco da história da poetisa e consegue enxergar perfeitamente o caráter dela em sua obra. No geral, eu não gosto de poesia muito arquitetada, como se tivesse sido feita para impressionar mais do que para tocar o leitor. Poesia para mim tem um sentido muito maior, é quase como um caminho de cura quando tudo dói aqui dentro. Poesia não tem que ser pensada, tem que ser sentida profundamente, tem que ser um espelho onde outros vão se olhar e encontrar o próprio reflexo. E é exatamente isso o que sinto quando leio a poesia de Emily, eu consigo ver um pouco de mim nela, eu consigo enxergar um pouco da minha própria vida em suas palavras, mesmo que estejamos separadas por mais de um século de distância.
Foi a primeira vez que me arrisquei em ler Emily Dickinson no idioma original em inglês e essa foi a parte mais desafiadora. Confesso que penei bastante para entender o sentido de alguns poemas em função do inglês antigo e a forma com que Emily emprega as palavras na estrutura dos versos. Creio que consegui compreender 80% dos poemas dessa coletânea, então vou considerar isso uma vitória.
Para aqueles que não conhecem a obra de Emily, recomendo que procurem saber mais sobre sua biografia, pois acho essencial para ter uma visão mais abrangente de sua obra. Para mim, ela é uma das maiores poetisas da história e a forma como descreve o mundo em versos é uma inspiração para mim como escritora.
Ressalto também a edição belíssima da Barnes&Noble que fez um trabalho de encher os olhos na produção do livro e tornou a minha experiência de leitura ainda mais bonita. Um bom livro + um belo trabalho gráfico é o sonho de qualquer leitor e essa edição é extremamente satisfatória, tanto do ponto de vista literário, quanto estético.

Título: Selected Poemas Of Emily Dickinson
Autor: Emily Dickinson
Editora: Barnes&Noble
Número de Páginas: 116

Pássaro Azul – Ebook Grátis

“Você não tem ideia de quanto tempo te esperei” – Cidade do Vento 

“Pássaro Azul” traz um copilado de contos que tratam da magia do primeiro amor, as dificuldades diárias de um relacionamento, dos laços que unem duas pessoas destinadas a se encontrarem e também sobre os sonhos que nos impulsionam a caminhar até encontrar a nossa própria Cidade do Vento. 

Clique AQUI para baixar o livro em PDF!

“O Tipo”, poema por Sarah Kay

Sarah Kay está no top 5 de poetas que mais admiro na minha. Digo com toda a certeza que o ritmo de sua poesia falada e as imagens que ela consegue evocar em nossa mente com uma simplicidade e beleza que beiram ao absurdo influenciam muito na minha própria maneira de fazer poesia.
Ela é muito conhecida pelo seu poema recitado no Ted Talks, intitulado “If I Should Have a Daughter”, mas para mim, o seu melhor poema é, de longe, o “The Type”.
Não lembro exatamente quando ouvi o poema pela primeira vez, mas lembro de sentir o seu impacto. “The Type” é o tipo de poema atemporal, daqueles que vão adquirindo um sentido mais profundo conforme você vai amadurecendo. Pode ser considerado um poema feminista, um poema de amor, de desamor ou de autoamor. Talvez seja tudo isso ao mesmo tempo. O fato é que ele entra na pele, ele abraça o seu coração e faz com que você se sinta acolhida mesmo quando todo o seu corpo parece estar em chamas. É, seguramente, um dos poemas mais bonitos que eu já li na vida.
Sarah não tem nenhum livro seu traduzido para o português, o que é uma pena. Gostaria que todos tivessem a oportunidade de sentir o conforto que é estar em contato com suas palavras. Resolvi então traduzir o “The Type”, para que mais pessoas, principalmente mulheres, possam conhecer toda a beleza que essa poetisa americana tem a dizer.
Já traduzi muitos textos, matérias de jornal e até um livro de ficção, mas poesia é minha primeira vez. Resolvi arriscar e espero que a minha tradução faça jus ao poema original. Traduzir um poema é muito complicado, uma vez que poesia é puro ritmo e imagem e, na maioria das vezes, ao passar um poema de uma língua para outra muita coisa se perde. Mas tentei fazer o melhor que pude e amei a experiência de poder traduzir este poema que significa tanto para mim.

O Tipo

Se você vier a se tornar o tipo de mulher que os homens querem olhar
Você pode deixar que eles te olhem.

Não confunda olhos com mãos.
Ou janelas. Ou espelhos.

Deixem que eles vejam o que é uma mulher.
Talvez eles nunca tenham visto uma antes.

Se você vier a se tornar o tipo de mulher que os homens querem tocar
Você pode deixar que eles te toquem.

Às vezes não é você quem eles estão tentando alcançar.
Às vezes é uma garrafa. Uma porta. Um sanduíche.

Um Pulitzer. Outra mulher.
Mas as mãos deles encontraram você primeiro.

Não confunda a si mesma com uma guardiã.
Ou uma musa. Ou uma promessa. Ou uma vítima. Ou uma merenda.

Você é uma mulher. Pele e ossos. Veias e nervos. Cabelos e suores.
Você não é feita de metáforas. Nem de perdões. Nem de desculpas.

Se você vier a se tornar o tipo de mulher que os homens querem abraçar
Você pode deixar que eles te abracem.

Todos os dias eles treinam em como deixar seus corpos esticados —
Mesmo após toda essa evolução, ainda parece pouco natural

A forma como firmam os músculos, como tensionam os braços e a coluna.
Apenas alguns homens irão querer aprender qual a sensação de se enroscarem como um


um ponto de interrogação ao seu redor e admitir que eles não têm as respostas
Que pensaram que teriam até agora;

alguns homens irão querer te abraçar como se você fosse A Resposta.
Você não é a resposta.

Você não é o problema. Você não é o poema
Ou o trocadilho ou a charada ou a piada.

Mulher. Se você vier a se tornar o tipo que os homens querem amar
Você pode deixar que eles te amem.

Ser amada não é o mesmo que amar.
Quando você ama, é como descobrir o oceano

Após passar anos brincando com poças. É perceber que você tem mãos.
É atravessar uma corda bamba quando toda a multidão já foi para casa.

Não perca seu tempo se perguntando se você é o tipo de mulher
Que os homens irão ferir. Se eles a deixarem com um alarme cantando em seu coração

Aprenda a cantar junto. É difícil deixar de amar o oceano
Mesmo quando ele a deixou arfando e coberta de sal.

Perdoe a si mesma pelas decisões que você tomou.
Aquelas que você ainda chama de erros quando as esconde no meio da noite

E saiba disso:

Saiba que você é o tipo de mulher
Que está procurando um lugar para chamar de seu.

Deixe que as estátuas sucumbam.
Você sempre foi esse lugar.

Você é uma mulher que pode construí-lo por si mesma.
Você nasceu para construir.

Sobre “Mulheres Que Correm Com Os Lobos” E Um Relato Pessoal

Sempre acreditei que os livros carregam uma espécie de magia. Eles têm o poder de te transportar para outros mundos, de mudar toda a sua vida em apenas algumas centenas de páginas e também de aparecer no seu caminho na hora certa, quando você mais estava precisando ler o que ele precisava lhe dizer. Penso que nem sempre escolhemos os livros… às vezes, sem que possamos perceber, são eles que escolhem a gente.
O livro “Mulheres Que Correm Com Os Lobos”, da psicóloga e escritora Clarissa Pinkola Estés, há três anos mora na minha estante e, apesar de ter uma vontade enorme de lê-lo, sempre acabava deixando pra depois e depois e depois até que ele passou todo esse tempo lá, intocado.
Desde a virada do ano eu tenho passado por uma profunda transformação emocional. A vida me obrigou a encarar meus piores medos, meus piores traumas para que pudesse sair do meu lugar de vítima e agarrar em minhas mãos minha verdadeira identidade, a me olhar no espelho e entender a mulher que sou e principalmente a mulher que quero ser. Nesse processo de profunda dor e autodescoberta, eu achei lá em janeiro um trecho em um site desse livro que definia perfeitamente o momento pelo qual eu estava passando e entendi que já estava mais do que na hora de encarar essa beleza de quase 600 páginas.
Nunca acreditei em coincidências e vejo o mundo como uma grande conexão, onde nos ligamos a certas pessoas e a certas coisas na hora certa. Mas a minha relação com esse livro foi além de qualquer explicação possível.
Nessa minha fase de “destruir para reconstruir” eu tive esse livro como guia, como se ele tivesse mesmo falando comigo. Ficava chocada como a cada trauma revivido, a cada monstro dentro de mim que eu precisava enfrentar, eu encontrava as respostas a cada capítulo lido. Pude ver todo o meu passado, todo o meu presente e prever o meu futuro a cada página virada. Em 4 meses eu adquiri uma sabedoria e uma compreensão de mim mesma como ser humano e, acima de tudo, como mulher, que não me foi possível em meus 28 anos vividos.
A leitura foi finalizada e eu ainda sigo no processo. Ainda tem muita dor pra curar, muito trauma pra entender e trabalhar, muita coisa pra evoluir. Mas sigo muito mais consciente do que eu quero, do que eu mereço e também amando muito mais o que sou e o que minha dor é capaz de produzir através da arte, da minha arte, essa arte que negligenciei por tanto tempo, mas agora não mais.
Desejo que toda mulher tenha contato com esse livro pelo menos uma vez na vida. Mas que chegue no momento certo, na hora em que você esteja mais precisando, para que ele possa ser apreciado e compreendido como deve ser. Para que ele dialogue com seus dilemas e suas dores. Para que ele ofereça respostas quando nada mais ao seu redor fizer sentido, nem você mesma. Para que ele também seja um caminho para a sua cura.
E como saber qual é o momento certo, quando você estará pronta para desfrutar dessa magia transmutada em palavras? Apenas deixe que ele chegue até você.
Os melhores livros sabem o caminho. Eles sempre sabem.

Charlotte: Uma Biografia Poética.

“Diante das incoerências maternas, Charlotte era dócil.
Domava sua melancolia.
É assim que nos tornamos artistas?
Acostumando-nos às loucura dos outros?”

Descobri o livro “Charlotte” em mais uma daquelas minhas costumeiras andanças por livrarias da cidade. Começa sempre da mesma maneira: entro na livraria pensando “sou vou entrar para sentir o cheiro dos livros e nada mais” ou “só preciso estar perto de livros para espairecer um pouco, mas prometo que não vou comprar nada” e saio de lá com mais um (ou dois, ou três…) livros na mão. A descoberta de “Charlotte” foi um encontro parecido com o que tive com “A Condessa Cega e a Máquina de Escrever”. Apenas um livro que eu puxei de uma estante qualquer, gostei da capa, gostei da sinopse e então resolvi arriscar. E é incrível como essa minha mania de encontrar livros avulsos e desconhecidos em estantes por aí sempre se mostra bastante recompensadora.
“Charlotte’, do escritor francês David Foenkinos, é uma biografia romanceada da pintora alemã Charlotte Salomon, morta em Auschwitz ao final da Segunda Guerra Mundial. O escritor tem uma verdadeira obsessão pela história desta mulher e mistura os fatos que aconteceram à ela desde o inicio de seus dias à peregrinação pela Alemanha e França atrás dos lugares onde ela pisou e o legado que deixou. Toda sua escrita é carregada de admiração e paixão, sentimentos estes que foram expostos de maneira bem interessante através de versos e não de prosa. É a primeira vez que leio uma biografia de alguém como se estivesse lendo uma poesia e gostei bastante da experiência, apesar de sentir que muita coisa se perdeu na tradução e que, em alguns momentos, a forma com que as palavras foram organizadas não fazia muito sentido em nossa língua.
Livros que envolvem a Segunda Guerra Mundial sempre me deixam com um nó na garganta ao imaginar o que todas aquelas pessoas passaram, principalmente as mulheres. Apesar da escrita de David Foenkinos ser bem fluida, o livro em si é denso, é triste e deixa uma sensação de ressaca após o término. Contudo, é uma leitura que vale muito a pena, principalmente por apresentar a nós, brasileiros, que em geral não temos muito contato com a arte alemã, principalmente porque a biografia não fala apenas de Charlotte, mas também menciona figuras importantes como Albert Salomon, pai de Charlotte e o médico que descobriu a cura para a úlcera; Paula Salomon-Lindberg, uma famosa cantora de ópera e madrasta de Charlotte; Ludwig Bartning, artista e professor na escola alemã de Belas Artes; além de nomear famosos e intelectuais como Kurt Singer, Aby Warburg e até uma breve aparição de Hannah Arendt.
Em tempos de exaltação à tortura e retorno à barbárie, livros como a biografia Charlotte são sempre um convite à reflexão e à lembrança de tempos obscuros e carregados de derramamento de sangue que não devem, jamais, voltar a nos assombrar.
“Charlotte” é um registro em forma de poesia de tudo o que pode haver de mais belo no mundo – e também de mais cruel.
Uma leitura imprescindível em qualquer época.

Título: Charlotte
Autor: David Foenkinos
Editora: Bertrand Brasil
Número de Páginas: 238

Vidas Secas E A Questão Da Identidade

Como todo livro clássico, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, pode ser lido por diferentes aspectos. É possível abordar a seca nordestina e o sofrimento dos retirantes, a relação do homem com os animais ao seu redor, a inteligência de Sinhá Vitória, que mesmo não tendo estudo sabia contar e mantinha a estrutura da família, entre tantos outros temas. Eu abordarei Vidas Secas pela perspectiva da identidade – ou a falta dela – de Fabiano, o protagonista do livro.
Fabiano é nordestino, analfabeto, homem do campo. “Um bruto”, como costuma referir a si próprio inúmeras vezes. Ele e a família – a mulher, dois filhos e a cachorra Baleia – são retirantes, obrigados a se deslocarem a pé por terras e terras para fugirem da seca. Depois de muita luta na estrada, a família de Fabiano se abriga em uma parte abandonada de uma fazenda. Alguns dias depois, o dono aparece e, após uma conversa, acaba contratando Fabiano como vaqueiro.

Na página 18 podemos observar o seguinte trecho: “Ele não era um homem. (…) Encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra”.

Na página 36: “Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos… Nunca viu uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares.”

Na página 55: “Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca.”

Os três trechos apontam a falta de identidade de Fabiano. Por não saber ler, nem escrever, não sabia se expressar. Seu vocabulário era limitado, falava através de murmúrios, onomatopeias, o que o reduzia quase a um animal. Se um homem não pode ser identificar como homem, então o que é? Qual o seu papel no mundo? Para onde poderá ir, o que poderá alcançar?
No caso de Fabiano era mais fácil saber-se uno com os bichos, já que, assim como ele, também murmuravam, existiam através de ruídos e eram jogados para lá e para cá dependendo da condição do ambiente. Os homens brancos, como seu patrão, não se assemelhavam a ele: tinham terras, sabiam mandar, sabiam ler e contar, tinham estudo, eram gente. Apesar da biologia, eles não eram iguais e o nunca o seriam perante a sociedade.
É perturbador refletir que uma pessoa de carne e osso, que pensa, que – mal ou bem – fala e vive se sinta mais parecido com uma cabra do que com um ser humano. E é mais perturbador ainda saber que, como Fabiano, existem milhões por aí, principalmente em nosso país, em nossa esquina, que se sentem e vivem da mesma forma.

Um outro trecho, na página 76, diz: “Como ele era manipulado por não saber nada. E como ele temia saber e ser obrigado a sair de sua situação de bicho.”

Fabiano não sabia de nada desde que nascera. Seu conhecimento era de terras, de vida dura, do sertão. Não conhecia-se nem como gente e o reconhecer-se bicho já fazia tanto parte de sua personalidade – talvez a única identidade que possuía – que ele temia sair dessa condição. Se por acaso viesse a aprender a ler, escrever e ganhar algum saber, ele seria obrigado a perder essa identidade de animal e adquiriria uma identidade de homem. E então, o que seria dele? Pode ser apavorante para uma pessoa que não tem nada imaginar-se num mundo onde se tem tudo.
“Se aprendesse qualquer coisa…”, relata o narrador na página 22, “necessitaria aprender mais, e nunca ficaria satisfeito.” Como em Fabiano, o saber causa medo a muita gente. Não é difícil ouvir dizer por aí que ler muito pode enlouquecer as pessoas, que livros manipulam a cabeça dos jovens e alguns mais radicais colocam até o diabo na questão. Mas Graciliano mostra que é justamente o contrário: quanto mais se lê, quanto mais se sabe, mais um homem pode fazer cargo da própria vida. Quanto mais se aprende, mais um homem, pode evitar ser manipulado, mais um homem pode expressar suas ideias, sentir-se dono de seu próprio ser e ser livre para pensar e criticar tudo ao seu redor. Não à toa a primeira atitude de governos totalitários é queimar livros que ofereçam “perigo” ao poder instituído. Porque não há arma mais forte e mais poderosa que o saber. E junto com o saber vem a crítica, a luta por um mundo melhor e uma humanidade mais justa. Entretanto, o saber crítico dá trabalho e como dá! É necessário muita leitura, direcionamento por parte de professores preparados, força de vontade para sair de sua bolha, de sua zona de conforto e olhar o mundo como algo que vai muito além de você e do seu quadrado. Muitas pessoas não querem – ou não foram ensinadas – ir além de sua ignorância.
Ninguém nunca disse a Fabiano que ele poderia ser homem. Que ele tinha direito a ser homem, não biologicamente falando, mas sociologicamente. Por isso, ele nunca se sentiu e nem sabia que era possível se sentir como homem.
Um personagem que se mostra diferente devido a seu saber e costuma aparecer freqüentemente no livro, apesar de ser apenas na fala e na lembrança de Fabiano, é o Tomás da bolandeira, um homem do sertão como ele. Porém, segundo o protagonista, Tomás da bolandeira “falava bem, estragava os olhos em cima de jornais e livros” e Fabiano sentia uma certa inveja de como o velho se expressava com eloqüência. Ele tentava imitar o respeitado senhor versado em livros, mas nunca dava certo, sempre se atrapalhava com as palavras, pois “um sujeito como ele não havia nascido para falar certo.” (pág. 22) Como não conseguia ir além de um par de palavras ditas, Fabiano encolhia-se como bicho e retornava à toca da ignorância. Para ele, não poderia haver nada além disso.
Graças à sua rudeza, Fabiano era constantemente enganado pelas pessoas ao seu redor, principalmente pelo patrão, que lhe pagava menos do que o merecido, o que foi descoberto por sua astuta esposa, Sinhá Vitória. Quando Fabiano foi questioná-lo, este usou de seu poder para lhe dizer que procurasse trabalho em outro lugar, tendo a perfeita ciência de que o maior medo daqueles que têm pouco é terminar sem nada. Diante da ameaça, o protagonista encolhe-se outra vez e pede desculpas, alegando que sua esposa deve ter feito algum cálculo errado. Fabiano sai do encontro ainda empregado, porém, ainda mais ciente de sua inexistência como homem.
Graciliano Ramos é considerado um dos maiores autores da literatura brasileira e Vidas Secas exemplifica bem o porquê disso. O livro é carregado de denúncias sobre a injustiça das classes sócias, do abuso de poder, e da miséria física e psicológica que sofre a maior parte da população brasileira. Lançado 1938, o autor escreve sobre um Brasil que ainda conhecemos em 2018. O que mudou de lá pra cá? Quantos milhões de Fabianos, que não tem nem o direito de saber assinar o nome, existem por aí? Quantos mais continuarão a existir nos anos que se seguirem?
Parafraseando o narrador, o povo brasileiro trabalha como um negro e nunca arranja a carta de alforria. E há muitos donos de escravos – sejam eles de barro nas calças ou de terno e gravata – que querem que tudo continue assim.

Livro: Vidas Secas
Autor: Graciliano Ramos
Editora: Record
Número de Páginas: 155

3 Poemas Do Livro “Retrato Do Artista Quando Coisa”, de Manoel De Barros.

 

6.

Aprendo com abelhas do que com aeroplanos.
É um olhar para baixo que eu nasci tendo.
É  um olhar para o ser menor, para o
insignificante que eu me criei tendo.
O ser que na sociedade é chutado como uma
barata – cresce de importância para o meu
olho.
Ainda não entendi por que herdei esse olhar
para baixo.
Sempre imagino que venha de ancestralidades
machucadas.
Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão –
Antes que das coisas celestiais.
Pessoas pertencidas de abandono me comovem:
tanto quando as soberbas coisas ínfimas.

9.

Quando o mundo abandonar o meu olho.
Quando o meu olho furado de belezas for
Esquecido pelo mundo.
Que hei de fazer?
Quando o silêncio que grita de meu olho não
For mais escutado.
Que hei de fazer?
Que hei de fazer se de repente a manhã voltar?
Que hei de fazer?
– Dormir, talvez chorar.

11.

A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou – eu não
aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre
portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,
que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Extra:

Sabedoria pode ser que seja ser mais
estudado em gente do que em livros.

3 Poemas De Mia Couto, Do Livro “Poemas Escolhidos”

Rede

 

Mia Couto é conhecido por fazer poesia em prosa em seus livros de ficção. Ganhador de grandes prêmios, inclusive o Prêmio Camões, o mais importante em língua portuguesa, o autor de “Terra Sonâmbula”, traz neste livro poemas selecionados, que sintetizam sua obra poética até o momento.
Aqui estão meus três poemas favoritos do livro:

Doença

O médico serenou Juca Poeira.
Que ele já não padecia da doença
Que ali o trouxera em tempos.

E o doutor disse o nome
Da falecida enfermidade:
“Arritimia paroxística supraventricular”

Juca escutou, em silêncio,
Com pesar de quem recebe condenação.

As mãos cruzadas no colo
Diziam da resignada aceitação.

Por fim, venceu o pudor
E pediu ao médico
Que lhe devolvesse a doença.

Que ele jamais tivera
Nada tão belo em toda a sua vida.

Sementes

Olhos,
vale tê-los,
se, de quando em quando,
somos cegos
e o que vemos
não é o que olhamos
mas o que o olhar semeia no mais denso escuro.

Vida
vale vivê-la
se, de quando em quando,
morremos
e o que vivemos
não é o que a vida nos dá
nem o que dela colhemos
mas o que semeamos em pleno deserto.

A espera

Aguardo-te
como o barro espera a mão.

Com a mesma saudade
que a semente sente do chão.

O tempo perde a fonte
e a manhã
nasce tão exausta
que a luz chega apenas pela noite.

O relógio tomba
E o ponteiro se crava
No centro do meu peito

Fui morto pelo tempo
No dia em que te esperei.

 

 

Sejamos Todos Feministas – O Livro Que Toda Pessoa Deveria Ler

hibisco-roxo

“A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura.”

“Sejamos Todos Feministas”, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, é um ensaio derivado de uma palestra que a escritora ofereceu em uma conferência Ted em dezembro de 2012. Chimamanda foi aplaudida de pé e a palestra fez tanto sucesso que a autora reescreveu alguns trechos e lançou uma nova versão em livro.
No ensaio, a autora aborda o tema da desigualdade de gêneros e nos mostra alguns exemplos que ela, amigas e conhecidas (com as quais todas as mulheres seguramente vão se identificar!) sofreram por causa do machismo que povoa quase todas as culturas desde o início dos tempos. Chimamanda também conta casos de amigos homens que, apesar de serem boas pessoas, também mantinham atitudes e pensamentos machistas e excludentes, devido a uma educação que ensina, tanto aos meninos quanto às meninas, que os homens devem escolher e mandar e as mulheres apenas obedecer. Esse tipo de educação não pode mais ser perpetuada nos dias de hoje.
“Precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente”, diz a autora em um dos trechos do livro. Não podemos querer que o conceito de uma sociedade mude se continuamos a educar as nossas crianças da mesma forma com que nossos pais nos criaram. Se ninguém diz a uma menina que ela não deve se sentir inferior por causa de seu gênero ou se ninguém explica a um menino que uma garota tem os mesmos direitos e poderes que ele, não podemos esperar que eles se tornem adultos bem resolvidos e realizados.
“Sejamos Todos Feministas” é uma introdução do que é realmente o pensamento feminista. É um livro que pode e deve ser livro por qualquer pessoa, de qualquer idade, quer você se sinta homem ou se sinta mulher, quer você seja quem seja. O livro possui apenas 63 páginas de linguagem fácil e clara, seus olhos não irão ficar cansados e seu cérebro irá agradecer por poder absorver grandiosas informações.
O livro é apenas um ensaio pequeno e por isso não entra em questões mais profundas, que devemos procurar futuramente para nos inteirarmos mais sobre o assunto. Mas é uma enriquecedora introdução, principalmente para aqueles que ainda possuem ideias tão tortas e desinformadas sobre o que é o feminismo.
O feminismo não é o contrário do machismo, não é pregar uma troca de papéis onde as mulheres devem mandar e controlar o mundo enquanto os homens apenas precisam obedecer. Feminismo é libertar-se da ideia de que somos um gênero mais fraco, menor e incapaz de fazer e realizar as mesmas coisas. É ouvir o outro lado, é se interessar e admirar as diferenças entre os sexos e respeitar-nos acima de tudo como iguais. Somos todos seres humanos e queremos um mundo melhor para nossos descendentes. Comecemos por dar o exemplo.
O livro físico não custa mais do que quinze reais e a cópia digital grátis pode ser encontrada na Amazon.
Leia o livro, absorva as palavras, reflita e então permita que este pequeno livro chegue às mãos do maior número de pessoas possível. Espalhar palavras e ideias que abram a cabeça das pessoas é nosso dever como individuo em uma sociedade. Se queremos mesmo um mundo melhor, façamos por onde.
Parafraseando Mário Quintana, livros são capazes de mudar pessoas e pessoas são capazes de mudar o mundo. Acredito que “Sejamos Todos Feministas” seja um destes livros.

Meus 7 Livros Preferidos De 2016!

livros

 

Li um pouco mais de 50 livros em 2016 e posso dizer que fiz ótimas leituras. Conheci autores novos, passei a amar mais ainda autores conhecidos e fui apresentada à novos conhecimentos e ideias que enriqueceram minha vida e mudaram minha maneira de pensar.
Escolhi sete livros que foram muito especiais para mim neste ano para ilustrar este penúltimo poste do Sonhos de Letras de 2016.
Eles são:

1) O Zen e a Arte da Escrita – Ray Bradbury

Neste livro o escritor americano apresenta ótimas dicas e hábitos a escritores iniciantes (aliás, foi por causa deste livro que comecei o projeto #52contos que, vergonhosamente, ainda não terminei, apesar de já ter passado o período de um ano… mas sigamos em frente, em 2017 eu termino!). Mais do que uma lista do que um jovem escritor deve ou não fazer, “O Zen E A Arte Da Escrita” é uma injeção de ânimo para os que estão a ponto de desistir de entrar para o mundo literário. Bradbury nos mostra que até os maiores escritores tem seus defeitos, que ninguém nasce sendo um ótimo escritor (bem, talvez Victor Hugo seja uma exceção, mas enfim…) e que só atingiremos excelência se praticarmos nosso ofício todos os dias e que, para isso, temos que enfrentar nossos piores rascunhos.
É livro indispensável a todos que querem realmente seguirem a profissão pelo amor à escrita.

2) Poemas Místicos – Rumi

Rumi foi um poeta sufista, nascido no século XIII na região que hoje é conhecida como o Afeganistão.
Fui atrás do livro pois já tinha lido alguns poemas de Rumi pela internet e porque também queria conhecer mais uma religião que sempre me pareceu fascinante.
“Poemas Místicos” acalmou minha mente, me apresentou novas maneiras de olhar a vida e meu semelhante, e me apresentou a uma religião que tem a arte como base fundamental para se chegar a Deus. Ao final deste livro eu só tinha um sorriso no rosto e uma paz inexplicável dentro de mim.
É um livro mágico, com certeza.

3) A Mulher Calada – Janet Malcolm

Em “A Mulher Calada”, Janet Malcolm faz muito mais do que uma das milhares de biografias da poetisa americana Sylvia Plath. Ela não só conta a vida de Sylvia e de seu casamento conturbado com Ted Hughes, como também escreve sobre o relacionamento que manteve com a família Hughes durante o processo de preparação para a biografia de Sylvia. Janet tem uma escrita envolvente, que faz o leitor pensar que está lendo um romance e não uma biografia. Ela nos deixa loucos para saber o final, por mais que todos que conhecem minimamente Sylvia Plath estejam cientes do final de sua triste história.
O que mais gostei neste livro foi o fato da autora nos apresentar um Ted Hughes e uma Sylvia Plath humanos. Sylvia e Ted trocavam papéis de vítima e algoz numa relação doentia para ambos, o que desmistifica a imagem que fazem de Sylvia como o pobre cordeiro comido pelo leão. No fim, uma relacionamento pertence apenas a duas pessoas e apenas elas sabem o que passou e como se sentiram. Não cabe ao mundo santificar Sylvia e demonizar Ted. Não cabe a nenhum de nós sentenciar outros por algo que apenas podemos imaginar.
Livro indicadíssimo a todos os juízes de plantão que pensam saber mais sobre a vida de terceiros do que eles mesmos.

4) Cartas A Um Jovem Poeta – Rainer Maria Rilke

Comecei esse livro pensando que era sobre dicas de escrita e poesia à um jovem poeta, como diz claramente o titulo do livro. As cartas de Rainer Maria Rilke são de fato o que o titulo propõe, mas vão muito, muito além disso! Posso seguramente dizer que este livro foi um dos responsáveis por mudar minha visão de mundo neste ano e que sou uma pessoa melhor porque o li.
“Cartas A Um Jovem Poeta” é um chamado para a vida, um abraço para jovens corações perdidos que ainda não sabem pra onde estão indo e uma força para que levantemos da cama e sigamos em frente, mesmo sem destino, mesmo ainda sem sonhos ou perspectivas.
Leitura mais do que necessária a todos os jovens que ainda não se encontraram no mundo.

5) O Caçador de Histórias – Eduardo Galeano

Eduardo Galeano sempre entrará para qualquer lista de livros favoritos de minha vida.
Em “O Caçador de Histórias”, livro lançado postumamente, Galeano nos mostra porque é mesmo um caçador de histórias. Ele possui um dom que raramente se encontra nos dias de hoje, que é simplesmente ouvir. Galeano conta em seus livros histórias de povos, lendas, mitos e sobre pessoas que não entraram para os livros de História, mas que tiveram uma vida admirável e inspiradora . Este último livro encerra o ciclo desta admirável pessoa que nos abriu portas a tantos conhecimentos e nos aproximou de culturas longínquas. Quando a última página é virada, encontramos o silêncio e o vazio que a ideia da falta de Galeano neste mundo nos provoca. Só nos resta buscar suas palavras em livros passados e ainda bem que existem muitos deles para serem lidos.
Destaque também para a introdução emocionante de Eric Nepomuceno, tradutor e amigo de longa data do escritor uruguaio.

6) O Povo Brasileiro – Darcy Ribeiro

Quando encontrei este livro perdido na casa de minha avó, jamais imaginei que viria a se tornar um dos livros mais importantes de minha vida. O resgatei de uma bolsa que iria para doação porque queria algo para ler no ônibus e já nas primeiras páginas fui envolvida pelas palavras deste grande brasileiro que fez tanto por nosso país.
“O Povo Brasileiro” é indicadíssimo para todos aqueles que não gostam ou não morrem de amores pelo Brasil. Após uma pesquisa que durou mais de vinte anos, Darcy nos apresenta a visão do índio, do negro e dos povos que aqui se criaram após a colonização portuguesa, uma visão que com certeza você não viu na escola.  Misturando dados históricos com uma escrita apaixonada, o autor nos arrasta pela História do Brasil para fazer entender como chegamos até aqui, no meio de tanta riqueza para poucos e tanta pobreza para muitos. E apesar de todo o sofrimento e injustiça que sofremos desde que os portugueses aqui pisaram reclamando esta terra como sua, ainda conseguimos criar uma nação maravilhosa, apesar de bastante imperfeita.
Passei a enxergar nossa história e nossa gente com muito mais amor após este livro e se antes sonhava com uma vida em outro país, agora não sonho mais. Esta terra é muito especial e há muito trabalho ainda a ser feito por aqui. Sejamos todos Darcy Ribeiro e lutemos pela melhor parte de nosso Brasil.

7) A Condessa Cega e a Máquina de Escrever – Carey Wallace

Ainda não consigo superar este livro. Não sei quantos meses fazem desde que terminei de lê-lo e que fiz a resenha, mas a verdade é que ainda me pego pensando em Carolina e Turri e segurando minha vontade de reler tudo.
Uma condessa cega e um rapaz completamente inteligente e maluco, quem poderia imaginar? Numa época em que só se veem os mesmos tipos de histórias de amor sendo lançadas a um ritmo frenético e enjoativo, a história de Carey Wallace veio para mim como um suspiro. Sentia muita falta de ler uma história de amor que tivesse significado, que fosse bem tratada, e que não parecesse uma receita de bolo para chegar ao número 1 de qualquer lista de Best-Sellers.
É verdade, o final é um pouco decepcionante (dependendo de como você interpreta o livro!) e talvez Carolina e Turri merecessem algo melhor, mas se é o caminho que importa e não o final, então o livro é perfeito.
Talvez o meu livro preferido de 2016…