Quase 21.

quase 21

 A mesma cena se repetia diariamente: uma menina sentada no banco da praça.
Sem ninguém.
Sem alguém.
Sem a si própria.
Uma menina sentada, com as mãos sobre o colo e um olhar perdido no nada.
Faça chuva ou faça sol.
Todos os dias.
Na mesma hora.
No mesmo lugar.
Uma menina de cabelos bagunçados e de alma apagada.
E ninguém que parasse para ajudar.

— Olhe quem está ali outra vez! – uma velhinha cutucou a outra enquanto passavam, como todos os dias, frente àquela praça.
— Quem? – a segunda velhinha ajeitou os pequenos óculos sobre os olhos para poder enxergar melhor. – Ah! De novo ela ali?
— Não é triste? – a primeira sussurrou no ouvido da outra, sem tirar os olhos da melancólica menina sentada no banco. – Tão jovem! Ela deve ter quase 21 anos e, ainda assim, não sente qualquer apelo pela vida. Olhe nos olhos dela! É visível, é visível pra quem quiser ver. Ela se comporta como se tudo tivesse terminado quando apenas começou a viver! É tão, tão triste!
— Sim, é mesmo triste… Mas o que podemos fazer, não é verdade?
— O que ela está esperando? – a primeira velhinha ignorou a amiga e continuou analisando a pobre menina solitária. – Faz dias que está ali, imóvel, como se fosse uma estátua de pedra congelada pela vida. – observou com a voz triste e recheada de piedade.
— Quem sabe? – a segunda velhinha soltou um suspiro, pensando no assunto. – Talvez esteja esperando um ônibus que irá levá-la para longe ou alguém capaz de curar seu coração. Ou talvez esteja apenas esperando que alguém lhe estenda a mão e lhe dê atenção. Vai saber! Esses adolescentes de hoje em dia!
— Ela não é mais adolescente, Martha! Ela já tem quase 21!
— Como se isso fosse atestado de maturidade! Ora, essa! – falou com certo desprezo a segunda senhora. – Aliás, por que você está se importando tanto? Ela não é nenhum parente, nenhuma vizinha, você só a conhece por ficar sentada todo santo dia no banco desta praça!
— Pra falar a verdade, nem eu sei… – respondeu, mordendo sutilmente os lábios. – Talvez ela precise de ajuda. Talvez ela precise de alguma cura. Acha que devemos ir até lá?
— E fazer o quê?
— Não sei… Falar algo, fazer algo. Convidá-la para um café, talvez. Ou… cupcakes! Todo mundo ama cupcakes!
— Não, melhor não. Ela só deve estar querendo atenção, você sabe, a carência da idade. Afinal, que dores verdadeiras pode possuir uma garota que tem tudo na vida e apenas quase 21? Oh, não, deixemos pra lá! Deixemos pra lá e vamos embora, pois o chá das cinco está para começar!

Calando-se finalmente, a primeira velhinha apenas concordou.
Ambas abriram a sombrinha e, juntas, seguiram seu caminho, deixando, como todos, todos os dias, a menina melancólica de quase 21 anos, de alma apagada, sentada no banco da praça, sem qualquer apelo pela vida e com o olhar perdido no nada.

Fé.

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As pessoas, os poetas, os românticos, ou o que for, costumam dizer que o sentimento mais forte é o amor. Que é o que move o mundo, que é o que nos faz viver plenamente e conseguir atravessar uma noite tempestuosa. Mas, para mim, o sentimento mais forte, o que realmente move o mundo é a fé.
Porque quando acreditamos em algo, somos mais fortes. Quando acreditamos no invisível, esse mundo tão distinto aos nossos olhos medíocres, se faz presente em cada poro de nossa pele, sussurrando uma voz em nosso ouvido que devemos continuar. Que devemos acreditar. Porque, no fim, as vozes sempre têm razão.
O ser humano é um ser melhor quando acredita. Quando acredita em si mesmo, quando acredita em um mundo melhor, quando acredita que a noite uma hora irá acabar e que o sol voltará a nascer. É só aprender a olhar mais um pouquinho adiante. Afinal, as melhores coisas do mundo foram feitas na base da fé. E eu ainda sigo me perguntando por que, mesmo depois de todas as provas, de todos os fatos, nos esquecemos de acreditar naquilo que nos mantém vivos e acabamos por viver por tanto tempo apenas sobrevivendo à vida.
Eu acredito agora.
Eu estou vendo um pouco mais adiante.
Eu estou onde sempre quis estar.
Eu tenho fé.

Lobos.

wolf

Inspirado na música “Hunters And The Wolves”, por Delta Goodrem.

Os lobos me perseguem diariamente.
Posso ver suas presas em um sorriso malicioso e indecoroso.
Posso ver a salivação em suas bocas em um desejo irrefreável e pavoroso.
Ouço seus uivos crescentes e indecentes em meus ouvidos, impregnando meu cérebro com imagens pecaminosas.
Acreditam que sou uma presa fácil e que meu corpo seria uma deliciosa fonte de prazer.
Eu poderia deixá-los me pegarem, me usarem, me matarem com suas garras sujas e luxuriosas.
Eu poderia deixá-los fazer o que quiserem comigo e ainda pediria por mais.
Mas me contenho.
Evito, disfarço, me escondo.
Finjo que não vejo, finjo que não sinto, finjo que não ouço.
Finjo que eles não existem.
E talvez não existam mesmo.
Pelo menos não no mundo onde você existe pra mim.
Não da forma que você existe pra mim.
Mas você é apenas um cachorrinho apavorado no meio dessa enorme matilha.
És apenas o menor animalzinho que não tem coragem de se aproximar e dar a primeira mordida.
Meu corpo seria todo para você, se ao menos o quisesse.
Minha alma seria toda para você se ao menos a quisesse.
Eu poderia fazê-lo o homem mais feliz do mundo se ao menos quisesse.
Mas você não vem.
Você finge não ver, finge não notar, finge não desejar, exatamente como faço com os outros, nesta interminável cadeia alimentar.
Eu estou preparada.
Estou preparada para deixá-los me pegar, para deixá-los me devorar como um pedaço de carne descartável. Mais do que preparada, eu quero que eles o façam.
Quero que possuam meu corpo, alimentem-se de toda esta carcaça que restou de mim e acabem com esta frustração interminável que é viver sob uma pele como a minha.
Quero que tirem todo o prazer que tem para tirar e me permitam finalmente respirar.
Eles se aproximam cada vez mais e sinto que estou pronta para me entregar.
Olho para você uma última vez e tudo o que fazes é se afastar.
Você desistiu antes mesmo de começar.
Eu sou a presa fácil que todos eles estão lentamente a devorar.
Eu sou aquela mulher frustrada que nunca poderá te amar.
Acabou.
Poderia ser você.
Oh, como poderia ser você!
Exatamente como deveria ser eu…

No Próximo Verão.

cliff

É a história mais antiga do mundo.
Mais antiga que a primeira folha da Bíblia escrita.
Mais antiga que a idéia de Odisseu e Penélope na cabeça de Homero.
Mais antiga que a criação da religião entre os homens.
Ela sempre começa da mesma forma:
Um entardecer melancólico.
Um navio afastando-se da terra firme sobre as águas salgadas.
E uma mulher no topo de um penhasco vendo um pedaço – ou quase toda – sua alma desvanecer lentamente, até sumir no horizonte.
É a história mais antiga do mundo.
Mães esperando por seus filhos, jovens esperando por seus noivos, esposas esperando por seus maridos, irmãs esperando por seus irmãos…
Mulheres que jamais voltarão a ser as mesmas.
Mulheres que tiveram suas almas modificadas da pior forma. Não só nesta vida, mas nas futuras também.
É irônico perceber como os mesmos deuses que criaram uma raça tão apegada como a raça humana, são os mesmos deuses que comandam este Universo sob uma lei de desapego da qual nunca irei entender.
E esse paradoxo cruel me faz querer morrer.
É a história mais antiga do mundo.
É a mais antiga porque a guerra nasceu com o homem.
É a mais antiga porque o amor nasceu também.
Então, seja por ódio ou seja por amor, o homem, o marido, o amante, tem sempre motivos para partir.
A mesma cena se repete com o passar dos séculos, através de todas as nações.
Promessas são feitas, lágrimas são derramadas e corações são destruídos.
Desde que o mundo é mundo, nós, mulheres, somos conhecidas pela fragilidade, enquanto os homens são definidos pela força bruta.
Mas eles não sabem… Oh, não! Eles não fazem ideia!
Eles não entendem a energia sobre-humana que toda essa interminável espera nos consome.
Como dói, como desespera, como mata acordar com o espírito inundado de esperanças e ter de ir dormir com o corpo destroçado por mais um dia que parece ter sido completamente em vão.
E eu juro que ainda não aprendi a lidar com um sentimento dessa dimensão.
Essa é mesmo a história mais antiga do mundo.
Um entardecer melancólico.
Um navio afastando-se da terra firme sobre águas salgadas.
E uma mulher no topo de um penhasco vendo um pedaço – ou quase toda – sua alma desvanecer lentamente, até sumir no horizonte.
Essa história irá sempre começar da mesma forma.
E, ironicamente, é sempre assim que ela terminará também

Queria Que Você Estivesse Aqui.

ffewrwrt

A vida está boa.
Não… A vida está ótima!
Os planetas estão se alinhando
Meu coração está finalmente se ajeitando
Mas, ao invés disso, eu queria que você estivesse aqui.
Me sinto tranqüila. Me sinto alegre.
Estou dançando pelo quarto, cantando minha canção favorita com todo o ar de meu pulmão.
Mas, ao invés disso, eu queria que você estivesse aqui.
Seu olhar.
Seus olhos e o formato deles.
Seu caminhar.
Eu realmente queria que você estivesse aqui.
O Universo sorri para mim.
Eu aprendi a viver, aprendi a tocar e até aprendi a abraçar sem me apavorar.
Mas eu ainda não aprendi a desapegar.
De nada. E muito menos de você.
Eu queria que você estivesse aqui.
Sua voz.
O jeito como colocas distraidamente a mão no bolso da calça ao conversar com alguém.
Você trabalhando no notebook concentrado, enquanto eu estaria à espreita, escondida atrás da porta entreaberta, apenas para te observar. E isso tudo em nosso lar.
Exatamente como em meu sonho.
Eu queria que você estivesse aqui.

Estou sorrindo. Estou pulando na chuva.
Estou desenhando desajeitadamente formas que não fazem o menor sentido.
Estou voando com borboletas.
Estou rindo com vaga-lumes e me divertindo mais do que de costume.
Mas, ao invés disso, eu queria que você estivesse aqui.
Tudo o que me resta são os sonhos onde, ao fechar os olhos, eu consigo ver com precisão cada traço do seu rosto. Eles são o que me mantém viva.
O fantasma de você em meu pensamento é o que me ajuda a atravessar o dia. Mas, às vezes, nem isso é o bastante e me sinto sufocada.
Pois tudo o que tenho é esse pensamento, essa lembrança. Essa sombra que aos poucos se desvanece.
Tudo o que possuo é esse toque fugaz que ainda queima minha pele, mesmo que este toque não tenha sido material. Mas não importa. Porque real eu tenho certeza que foi.
Isso já aconteceu antes. Já aconteceu antes e é por esse mesmo motivo que sinto tanto medo. A rejeição foi enorme e a dor tomou proporções além do esperado. E sinto que estou cometendo os mesmos erros outra vez ao te querer assim tão loucamente.
Mas isso não me importa muito agora.
Porque, acima de todas essas coisas, eu queria muito que você estivesse aqui.

Há alguém para mim.
No final desta interminável rua, há alguém me esperando. Há alguém me amando.
E o mais estranho é que também não me importo nem um pouco com isso.
Eu trocaria todas essas coisas, trocaria todas essas pessoas por você.
Porque eu realmente queria que você estivesse aqui.
Mas eu estou cansada.
Oh, como estou cansada!
Toda essa espera, todos esses joguinhos intermináveis, sua presença sempre tão ausente e o sorriso que nunca poderei vislumbrar.
A garota à beira da praia não existe mais.
Desesperei de tanto esperar.
Queria que fosse diferente, daria tudo para que fosse diferente, mas eu não posso mais.
Eu realmente queria que você estivesse aqui.
Mas já é hora de aceitar que você nunca estará.

Hoje.

hoje

Para Nayara Marques.

Hoje acabou.
Depois de tantas idas e vindas, de tantas rotas perdidas e becos sem saída, finalmente encontrei o caminho de volta pra casa; de volta pra mim.
Hoje abro a porta da frente e deixo para trás o masoquismo. Deixo para trás o profundo abismo onde me deixaste abandonada, largada, amargurada, gritando aos quatro ventos por ajuda e apenas conseguindo ouvir o eco da minha própria voz.
Hoje paro e deixo de lado a obsessão, a solidão vazia e profunda que sinto diariamente pela frustração por tentar fazer-te amar-me. De tentar fazer-te enxergar-me, adorar-me e aceitar-me. Mas todo esse vício por sua atenção sempre ausente apenas resultou em um amor ignorado e um orgulho altamente ferido.
Mas hoje não.
Hoje não e nunca mais.
Porque aprendi a me olhar no espelho e perceber que mereço mais, muito mais.
Que existe sim alguém neste mundo capaz de me amar com minhas inseguranças, loucuras, paranóias e que até mesmo esteja disposto a lutar contra os meus fantasmas comigo. Que me ame pela minha alma, pelo que eu sou por inteiro e pelo posso vir a ser.
Por isso, hoje, deixo ir embora as esperanças de que poderias ser esta pessoa. Que se te ensinasse a lidar comigo, você iria querer realmente aprender. Mas não adianta. Porque é tudo apenas uma inútil agridoce ilusão. Afinal, tudo o que tenho de você não passa de uma piedade vulgar que com certeza não me levará a nenhum lugar.
Porém, dói… Ai, como dói!
Largar o vício e desgarrar da idéia do “pode ser” provoca uma dor insuportável. Me dói a alma, me invade o vazio, tremo de frio…
Ainda nem cruzei a porta e o pensamento de uma vida sem a sua presença, ainda que superficial, já se torna indescritivelmente dolorosa.
Ainda nem cruzei a porta e já sinto a ausência de seus olhos castanhos, de sua voz melodiosa cantando ao pé do meu ouvido, de seus beijos em lugares proibidos e de todos os momentos fugazes vividos.
Porém, dentre todas as coisas deste mundo, nada me fará mais falta do que seu sublime sorriso. Você sabe muito bem que ele é a minha perdição. Não importa o que faças, não importa o que aconteça, é só abrir os lábios sutilmente, desse jeitinho que você faz, que já tens todo o meu perdão.
Mas hoje não.
Hoje aprendi a amar o reflexo da garota em frente ao espelho e sigo em frente.
Deixo para trás toda uma vida sobre a areia movediça e desisto de vez deste amor parasita.
Então é isso.
Alço minha mão em um adeus definitivo e deixo as lágrimas rolarem pelo meu rosto.  Porque minha vida está prestes a mudar e ela está esperando ansiosamente por mim. Há um novo mundo a ser explorado e, para que isso suceda, preciso deixar o velho, onde você ainda vive, para trás.
Eu apenas posso lamentar sua falta de interesse e seu descaso eminente, pois se você fosse um pouco mais inteligente, veria que sou muito, muito mais do que apenas uma mulher carente.
Entretanto, hoje vejo que assim foi melhor. Percebo que se tivéssemos a oportunidade de construir uma relação, nossos mundos acabariam em completa destruição.
Por isso, já não há mais razão.
Então… Ah! Hoje eu respiro e sigo em frente! Coloco um pé após o outro e vou em busca da vida que sempre quis.
E consigo mesmo acreditar que finalmente posso ser feliz.

Um Comportado Soldado.

soldado

Sou o maioral.
O garoto prodígio.
O menino especial.
E o homem com sangue patrício.
Não possuo sentimentos, não me interessa mais o conhecimento e de qualquer relação mais profunda me isento.
Uso termos pejorativos, acho tudo enjoativo e nunca me sinto entretido.
Nada me fere, nada me abala.
Nada me confunde, nada me atrapalha.
Sou um comportado soldado.
Bato continência à sociedade e obedeço determinado ao padronizado comportamento social.
Sigo meu capitão com a farda impecável e possuo uma autoconfiança invejável.
Sou descolado, nunca ignorado e sempre passo longe dos mal amados.
Consigo falar de absolutamente nada usando mil palavras e sempre danço conforme a música tocada.
Eu sei de tudo.
Eu sei de todos.
Eu sei de mim.
Será mesmo?
Vamos tentar de novo.
Vamos começar outra vez.

Sou o maioral.
O garoto prodígio.
O menino especial.
E o homem com sangue patrício.
Sou sentimental, às vezes passional e sinto diariamente um vazio abissal que não consigo preencher com qualquer coisa normal.
Tudo me fere, tudo me abala.
Tudo me confunde, tudo me atrapalha.
Finjo-me de um comportado soldado porque não suporto mais ser desprezado, destruído, excluído, e sou obcecado com o reflexo que vejo no espelho.
Porque não enxergo, não entendo, não compreendo o motivo de não ter sido o escolhido.
Não aceito, não posso, não consigo entender porque ela o encontrou, porque ela se entregou, porque ela o amou.
Porque ela me deixou, porque ela me olvidou e me largou aqui neste mar vazio assombroso, espantoso, revolto e desolador.
Sou um soldado comportado, padronizado, obedeço a um capitão porque estou perdido em solidão, ironicamente, em uma vasta multidão de pessoas que não conseguem me preencher.
Estou desesperado.
Quero atenção, quero compaixão, mas não sei como expressar toda essa confusão.
Estou revoltado, paralisado, amargurado com todo o desprezo, com tão pouco caso.
Mas ninguém pode ver, oh não!
Ninguém pode ouvir, ninguém pode saber, oh não!
Homem não chora, homem não se enamora ou molha a cama quando uma mulher vai embora.
Por isso, levanto a cabeça, dia após dia, e me escondo.
Escondo-me de meus sentimentos; enterrei-os em algum lugar dentro de mim e desejo nunca mais encará-los nesta vida.
Misturo-me à multidão para que o barulho dessas vozes banais e superficiais bloqueim o eco do grito desesperado de minha alma.
Comporto-me como eles para esquecer de mim.
E consigo até acreditar que sou medíocre assim.
Eu sei de tudo.
Eu sei de todos.
Mas não sei de mim.
Ainda não aprendi a encarar a imagem refletida no espelho e nem sei como fazê-lo.
Ainda não aprendi a olhar alguém diretamente nos olhos, pois temos que esse alguém consiga ver o que não quero ver; o que me recuso a enxergar.
Que possam notar que possuo toda essa fragilidade tão vulgar estampada em meu olhar.
Mas ninguém pode ver, oh não!
Ninguém pode ouvir, ninguém pode saber, oh não!
Porque eu sei de tudo.
Porque eu sei de todos.
E acredito que sei de mim.

Eu sou o maioral.
O garoto prodígio.
O menino especial.
E o soldado com um orgulho imortal.

Às Vezes.

Às vezes eu uso “às vezes” bastante vezes em meus textos. Às vezes por não saber qual sinônimo utilizar ou encaixar; às vezes por simplesmente gostar.

Às vezes tenho necessidade de escrever sobre mim e não esconder isso. Como em um patético diário adolescente, preciso largar a máscara de meus personagens e desnudar minha alma, a fim de me aliviar. Porque, às vezes, nem mesmo o meu tão amado orgulho consegue me sustentar.

Às vezes preciso apenas estar sozinha. Mesmo na presença de pessoas agradáveis e adoradas, preciso me afastar, nem que seja por cinco minutos, para estar sozinha e respirar. Para entrar temporariamente em meu mundo particular e relaxar. Porque, mesmo depois de todos esses anos, continuo achando o contato social bastante exaustivo e, às vezes, desesperador.

Às vezes quero ser normal.
Quero me sentir como uma garota comum (e principalmente me comportar como uma!), falar de forma menos teatral, ser menos azeda, menos sensível e crítica… Ser simplesmente normal.  Penso e sair do meu mundo intelectual, falar de algo mais banal, parar de ser tão radical para que finalmente possa ser aceita como igual. Mas essa idéia estúpida não dura muito, pois é só estar ao lado de pessoas desse tipo, de mentes tão pequenas e entediantes, que tenho certeza que é em meu mundo autista onde quero morar para sempre.
Não importa se serei excluída ou não. Pois é em minhas maluquices e macaquices onde encontro a melhor versão de mim mesma.

Às vezes, em pensamentos, consigo largar o vício da autopiedade  e me permito ser um pouquinho arrogante. Me permito pensar que aquele que me despreza ou não faz questão de me conhecer é um pobre coitado. Porque essa pessoa nunca vai conhecer outro alguém mais criativo, mais inteligente, mais dedicada, desvairada, profunda, louca, retardada e outros muitos adjetivos que não cabem  em uma folha de papel. Não vai conhecer um amor como o meu, um carinho como o meu e todo o apoio que posso oferecer em momentos de crises. Afinal, já estive muito tempo nelas. Ajudar outras pessoas a atravessá-las é mais do que um prazer pra mim.
Mas esse pensamento também dura muito, muito pouco. Porque um dia novo começa e eu volto a ser aquele ser irritante que acredita que nada tem de interessante.

Às vezes pego alguém pra admirar. Assim mesmo, do nada. Sem qualquer interesse romântico. Sem qualquer razão aparente. Apenas alguém que me inspire, independente de raça, sexo, cor da pele ou qualquer outra característica. Apenas alguém diferente nesse mundo cheio de pessoas iguais. Apenas alguém especial, com um sorriso admirável, um caminhar adorável e uma voz espetacular.
O mais engraçado disso é imaginar que elas nem imaginam. Que não fazem idéia de que há mil textos e poemas meus dedicados a elas. Que não sabem que há uma louca observando-os silenciosamente ao longe. E que toda essa observação atenciosa irá se transformar em trabalhos escritos às  3 da manhã e que logo serão divulgados para quem quiser ler. E, às vezes, fico assustada com essa minha capacidade de admirar alguém que nunca sequer trocou um par de palavras comigo.

Às vezes preciso parar, mesmo que queira continuar.
Preciso colocar um fim em um texto ou uma história que para mim poderia ser eterna. Porque minha imaginação é sem limites. E enquanto houver palavras disponíveis no mundo, há histórias. Há textos, há criatividade.
O problema é que não há alguém capaz de ler por toda a eternidade.

E, pra terminar, às vezes tenho dificuldade para terminar.
Não sei como colocar um ponto, quando ainda há muito mais o que falar. Principalmente agora, com essa nova mania de rimar.
Como tudo na minha vida, o “acabar” me faz chorar. Me faz lutar, brigar e pirraçar até cansar. Até cansar e a bandeira branca da redenção ser obrigada a alçar.
Por isso, às vezes, acho que o “fim” é uma palavra vulgar. Mas sei que ela ainda acabará por me matar.

A Casa Dos Gritos.

scream

Parem de gritar. Parem agora.
Vão embora e jamais sequer pensem voltar em outra hora.
Vocês não veem?
Vocês não sentem?
Nessa casa cheia de gritos, há uma garota debaixo da cama.
Nessa casa cheia de gritos, todos os cômodos já foram entupidos de drama.
Parem os gritos.
Apenas parem.
A mente da menina não aguenta mais.
As pequenas mãozinhas não conseguem bloquear a passagem dos sons estridentes e sem sentido que atropelam as frestas da porta, prontos para agarrá-la.
Prontos para fincarem suas unhas em uma sanidade há muito abalada.
Será que não vocês não veem?
Será que vocês não sentem?
Os anos passam, o mundo muda, mas os ecos de uma família quebrada vão terminar por deixá-la surda.
Será que não veem?
Não, eu sei que não.
Tenho certeza que não.
Porque vocês não enxergam.
Não possuem olhos, não possuem ouvidos, não possuem sentimentos.
Porque vocês só sabem gritar, gritar e gritar.
Vocês só sabem gritar até conseguirem o pulmão estourar.
Vocês só sabem gritar até a voz falhar.
E a pior parte de tudo é que ela nunca falha!
A garota debaixo da cama não agüenta mais.
Isso não é vida!
Porque em uma casa de gritos simplesmente não há saída.
Será que um dia vão conseguir ver?
Como esta garota irá crescer?
Como ela conseguirá viver sem enlouquecer?
Ela não poderá, certo?
Porque ela já enlouqueceu.
Porque qualquer lugar onde as vozes se manifestam em um tom mais elevado já é motivo para se sentir em um inferno na Terra.
Ela não poderá, certo?
Porque uma multidão  gritante já lhe é apavorante.
E todo esse pavor é motivo para mais gritos. Gritos internos, gritos com ecos, que ressoam contra paredes escuras e vazias de um organismo doente.
Será que nunca conseguirão ver?
Será que nunca conseguirão entender?
A garota tapando os ouvidos debaixo da cama quer finalmente viver.
Pois nessa casa gritos ela não quer mais perecer.
Por isso, parem de gritar. Parem agora.
Parem de gritar e vão embora!
E jamais, sequer, pensem em voltar outra hora.

Há Um Garoto Que Conheço.

boy I know

Há um garoto que conheço.
Ali vem ele, indo e vindo à minha frente.
Aqui vem ele, indo e vindo em minha mente.
Num dia ele usa preto; noutro, usa branco.
Num dia ele usa branco; noutro, usa preto.
No começo era apenas uma vez.
E agora já são três.
Há um garoto que conheço.
Mas eu não conheço de verdade.
Nunca pude vislumbrar seus lábios abertos em um sorriso.
Nunca pude observar sua alma através de seus olhos.
Porque está sempre de cara fechada, expressando extrema seriedade e uma pitada de arrogância em seu caminhar.
Ou, quem sabe, apenas uma timidez enclausurada e mascarada por um orgulho vulgar.
Se ele não sorrir, se nunca sorrir… Não vou saber de verdade.
Há um garoto que conheço.
Mas não conheço nada. Nada de nada.
Não sei onde trabalha, que idade tem, qual é o tom de sua voz ou se fala decentemente o português.
Não faço idéia de quais sãos seus sonhos, se ele sequer tem sonhos ou se está perdido na entediante e medíocre realidade que a maioria dos humanos se vêem presos.
Não sei se tem irmãos, se tem amigos, namorada ou até inimigos.
Há um garoto que conheço… Mas não conheço nem seu nome.
Seria simples como Guilherme, Ricardo e Felipe?
Ou composto como João Marcos, Bruno Paulo e Marcelo Henrique?
Não faço ideia para qual time vibra ou se é de Sagitário, Aquário ou Libra.
Não sei, não. Não sei de nada.
Porque ele está sempre assim: passando rápido demais, de forma imperceptível se eu não presto atenção, três vezes ao dia, usando ou preto ou branco.
Há um garoto que conheço…
Apenas um garoto eu conheço…Que realmente gostaria de conhecer.