O Girassol

Numa manhã de primavera, um girassol abriu-se em flor pela primeira vez.
Quando os primeiros raios do sol tocaram suas pétalas, apaixonou-se. A luz atravessou suas folhas, passou pelo caule, até tocar a raiz e fez com que o pequeno girassol transbordasse de amor em cada pedaço de sua existência. Era recém-chegado à vida, mas o girassol já sabia que havia nascido, que fora criado para amar o sol e para sempre ser-lhe fiel.
Não havia outras flores ao redor. Era uma flor solitária que tinha florescido em um vasto campo verde com vista para a montanha. “Assim seria melhor”, ele pensou. Dessa forma poderia amar sozinho o sol e ser amado por ele, sem que nenhuma outra flor entrasse no caminho para competir.
Durante todo o dia o girassol sentiu-se feliz para sempre. Seria eterno enquanto o sol existisse. O sol insistia em mudar de lugar, movimentando-se da direita para a esquerda lentamente, afastando-se cada vez mais da flor apaixonada. Mas o girassol, insistente, seguia seu rastro movendo também seu centro da direita para a esquerda, sem deixar o amado sair de vista. Entretanto, apesar das tentativas, o sol parecia escapar-lhe cada vez mais, indo em direção à montanha. Então, foi desaparecendo de pouquinho em pouquinho, até deixar somente um rastro de luz amarelada que contornava a imperiosa montanha.
A brisa gelada trouxe consigo o crepúsculo. O girassol, agora doído e desesperado, não podia mais seguir o sol. Sua luz havia desaparecido por detrás da montanha e era impossível correr até o outro lado para ver onde o seu amado havia se escondido.
O girassol tentou falar, pedir para que o sol ficasse, para que não o deixasse… mas não tinha voz. Era uma planta inútil, presa à terra, alma solitária em um terreno intocado por mãos humanas. O sol era sua única esperança de vida. Se o sol não estava ali, não poderia mais existir.
A noite apareceu por completo quando toda a luz do sol foi substituída pelo brilho das estrelas. O girassol, triste e desolado, curvou-se, encarando a terra que o aprisionava. Seu corpo não era mais preenchido de luz, de calor, de nada. Era uma flor vazia, sem propósito de existência, sem ter para quem mirar o seu centro. A tristeza do girassol arrebentou-lhe, enfraqueceu-lhe as pétalas, que caíam uma por uma sobre o campo verde, que assistia ao desespero da enamorada flor sem nada poder fazer.
Durante toda a madrugada, o girassol foi definhando aos poucos, desprendendo-se de si mesmo, desprendendo-se da vida. A cruel solidão da noite o desmanchou em fragmentos com suas mãos frias e impiedosas. Olhando uma última vez para a montanha que escondeu o seu amado para sempre, o girassol deixou-se terminar pela escuridão que o devorou.
O vento veio recolher os seus restos e os levou pelos ares, carregando sua alma em direção ao desconhecido. Agora, sobre o vasto campo verde em uma madrugada de primavera, não havia mais nenhuma flor.
Quando o sol voltou a nascer na manhã seguinte, pronto para ser adorado pelo girassol apaixonado, ele não estava mais ali para recebê-lo.

Um Lembrete.

Queria dizer para a minha menina que tudo vai ficar bem. Que de alguma forma, ela vai sair viva e melhor de todos os desafios que aparecerem pelo caminho.
Queria dizer pra ela que esse sorriso e o brilho nesse olhar são os seus maiores tesouros. Que ela deve se agarrar a isso com todas as forças e jamais deixar que ambos se percam de seu rosto.
Queria pedir pra ela nunca esquecer da sua essência. Nunca esquecer que ela é naturalmente alegre, que ama fazer piadas e ver as pessoas rindo por algo que ela disse ou fez, que é aventureira, curiosa, exploradora, carinhosa, sincera e que todo o amor que mora dentro desse peito é tão grande que não cabe nem nesse planeta. Que o amor que vive dentro dela é tão imenso assim que é necessário mais um planeta pra que ela possa derramar-se e espalhar-se por mais espaços (mas que vai ter que se conformar em espalhar-se só por aqui mesmo porque é o que dá pra fazer por enquanto). E que mesmo quando ela se perder dessa essência – o que irá acontecer quando ela largar tudo o de mais belo pra buscar amor dentro dos olhos daqueles que não sabem nem como amar a si mesmos – que ela olhe para si, olhe para esse brilho e esse sorriso e lembre-se de quem ela é.
Porque ela sabe amar e como sabe! Ela já nasceu amando e criando, pronta para pintar com cores e risadas todo esse mundo cinza e sem graça que precisa de histórias e muitas histórias para sorrir. E ela nasceu para escrevê-las.
Que a minha criança saiba que esse corpo foi feito perfeito assim para construir. Porque ela nasceu para construir. E que ela entenda, de uma vez por todas e para sempre, que beleza é tudo o que ela é. Que beleza é tudo o que sai dela.
Ela não precisa de pedaços de ninguém para se construir. Ela já é inteira assim.
Onde quer que essa criança more dentro de mim, que ela saiba que é amada. Muito amada. E que ela pode ficar tranquila pra escrever, pintar, cantar, dançar, explorar e amar sem medo de qualquer bronca ou julgamentos.
Eu estou aqui pra ela. Agora estou aqui.
E eu vou ficar.

Junho.

É junho.
Faz hoje dez meses desde que eu ri pela primeira vez de uma de suas horríveis piadas e disse sim ao seu convite.
Minha melhor amiga fez um bolo para celebrar nosso décimo terceiro aniversário e diz que me ama, diz que me ama mais do que ama bolo, e eu compreendo o quanto a minha vida tem significado.
Lá fora o outono esqueceu que é outono e o sol se exibe como se fosse a sua estação.
Os olhos do meu cachorro brilham com os raios dourados após dias preso dentro de casa e agora ele anda por essas ruas como se todo esse chão lhe pertencesse. Levanto os olhos para ver os pássaros voando na imensidão de azul como se fosse o início da primavera. As árvores dançam a dança do vento e nesse momento em particular sinto que não há nenhuma dor capaz de me esmagar. Digo oi para os pássaros mesmo sabendo que eles não podem me ouvir, contemplo a grande imensidão de azul e agradeço.
Agradeço por estar viva, por ter toda a sorte de habitar esse corpo capaz de sentir tudo intensamente, agradeço por ter a oportunidade de viver debaixo dessa pele tão sensível, de sentir esse coração, esse coração irrequieto e impulsivo, mas que é meu e só meu para cuidar e proteger, agradeço, agradeço muito por estar aqui.
Eu amo estar aqui.
E eu vou ficar.

É junho.
E estou cansada de pensar.
Você não está mais aqui. Acho que nunca esteve de verdade.
Há tanta vida lá fora, tanta luz, tanto amor, pessoas, bichos, esplendores
Há tanto que esse imenso mundo pode ainda me oferecer, viver
Tanta coisa além das migalhas que você jogou em minha direção para conseguir lidar com sua confusão
E agora já não importa mais se você sentiu aquilo ou não
Porque, sinceramente, você nunca será capaz de responder a essa pergunta de um milhão
Nunca será capaz de responder a uma questão da qual nem você sabe a resposta.
Você nem sabe como se sente em relação a si mesmo ou em relação aos outros ou o que realmente pensa sobre o amor ou a vida e talvez esperar alguma lógica de você
seja o mesmo que esperar um navio retornar ao seu porto mesmo após ter sido engolido pelo mar… Simplesmente não vai acontecer.

É junho.
Não sei onde você está ou se já arranjou outros olhos grandes como caixas capazes de acolher toda a sua confusão, mas já não importa agora.
Porque você não está aqui, mas eu estou. Eu estou aqui de uma forma que você nunca esteve. De uma forma que nenhum homem foi capaz de estar.
Eu me sinto. Eu me pertenço finalmente após passar anos tentando construir casa nos olhos de outras pessoas, após passar toda uma vida ofertando pedaços de mim a qualquer um, esperando que algum deles tivesse a disposição de montar minhas peças e me colocar no lugar.
Eu me pertenço e não vou mais me abandonar.
Eu vou ficar.

É Junho.
O outono esqueceu que é outono. Lá fora, o sol se exibe como se fosse a sua estação.
Espero que você possa encontrar uma cura para o seu coração partido.
Estou tentando fazer o mesmo por aqui.
Espero que você um dia consiga ser feliz.
De verdade.
Eu sei que eu serei.
Eu construí uma casa dentro de meus olhos ela é tudo o que eu sempre quis.
Eu amo estar aqui,
Nessa casa, nessa vida, em mim.
Eu amo estar aqui.
E eu vou ficar.
Sim.

Eu vou ficar…

Uma História Sobre O Medo Em V Atos

I.

O medo tem a cara de um homem.
Não sei descrever seus traços, seus cabelos, sua voz ou seu tamanho.
É apenas um homem.
Medo.
Gênero masculino.
Medo, com seus braços largos que apertam e machucam, com suas mãos que esmagam meus ossos, com seus lábios vermelhos de escárnio, com sua boca suja de sangue.
O meu medo tem a cara de um homem.

II.

Um dia, uma amiga me explicava o que era o amor.
Como era estar apaixonada, como era bom ser tocada, apreciada, amada.
Como era bom não sentir dor.
Eu olhei para ela com curiosidade, como alguém que escuta uma língua nova, uma língua nunca antes detectada pelos ouvidos.
“Entenderei o que é o amor o dia em que eu não sentir medo.”
Disse para o vazio, enquanto ela cantava para si mesma uma canção apaixonada.

III.

Percebi que havia algo estranho quando você andou ao meu lado e eu não senti medo.
Lembro de olhar para nossos pés, lado a lado, e nossos passos pisarem na mesma cadência, na mesma direção.
Não era normal. Eu nunca antes havia deixado os pés de um homem pisarem na mesma cadência que os meus.
Percebi que havia algo estranho quando seus olhos chamaram os meus olhos e eu não senti medo. Lembro de sentir que não era a primeira vez que eles se encaravam.
Não era normal. Eu nunca antes havia encontrado pela primeira vez alguém que eu já conhecia.
Você percebeu que havia algo estranho quando se encontrou no meu olhar e sentiu medo.
Não era normal. Você nunca antes havia permitido se reconhecer dentro dos olhos de uma mulher.
Você então mudou o ritmo de seus pés, seus olhos foram chamar outros olhos, de preferência olhos que não o refletissem.
(É mais fácil assim, não é?)
O seu medo ainda tem o meu rosto.

IV.

Uma música lamentosa ressoa sua melodia no fim da noite.
Diz a letra:
“Você chegou tarde demais para mim, eu cheguei cedo demais para você.”
É isso.

V.

Sinto muita falta de não sentir medo.

Vamos Fazer Um Acordo.

Me leve embora desta praia.
Vamos usar um ao outro.
Você me leva embora desta praia e eu
realizo todos os seus desejos.
Vamos fazer um acordo:
Apenas diversão, nunca ir além da paixão
Apenas um fim de semana correndo pelas calçadas
Ou subindo montanhas para alcançar estrelas.

Para você, digo sim para o que for.

Veja, eu não posso deixar de amar o mar.
Já faz 300 anos, múltiplas vidas e ainda sigo aqui
Sentada na areia desta praia
Desejando ardentemente pertencer a algo
Que não fará nada além de me afogar.
Já faz 300 anos, múltiplas vidas
E ainda espero que brânquias brotem em minha pele
Para que esta ânsia chegue ao fim.
Mas milagres não acontecem.
Eu sei disso.
Porém sigo esperando
Mesmo após 300 anos e múltiplas vidas.
E já não aguento mais tanto esperar!

Você poderia me ajudar?
Poderia pegar em minha mão
Devagar, gentilmente
Sorrir aquele sorriso, me preencher com seu olhar
Contar uma piada de mau gosto em meu ouvido
E me levar para longe do mar?

Vamos fazer um acordo:
Apenas diversão, nunca ir além da paixão
Pois se eu conseguir respirar
Longe das ondas, do azul, do sal,
Nem que seja por um par de dias
Nem que seja por algumas horas
E sentir meu corpo livre da dor
Eu juro, meu garoto
Para você, digo sim para o que for.

Sobre Eu, Você e o Fim.

dai

 

Minhas palavras sentem sua falta. Esquecê-lo e seguir em frente adoeceu minhas letras. Não escrevo para mais ninguém, e como conseqüência, não escrevo.
Minhas cartas de amor soam falsas porque são falsas. Não sou poeta e não posso fingir. O que escrevo é verdade, é fato, é toque, é contato. Se não está aqui, não sei sentir.
Então recorro à sua memória como última tentativa de sentir algo, uma esperança para a continuidade de minhas letras.
Mas já não sei a quem escrevo. Tudo de você que restou em mim foi um borrão ao qual não consigo dar forma. Esqueci finalmente e agora estou aqui.
Onde estou?
Perdão por arrastá-lo de volta às minhas memórias. Prometi que não mais o faria e não consegui cumprir.
Acabo de ouvir nossa música no rádio e me dei conta de que ela não é mais nossa música. Não representa mais nada. Com otimismo digo que posso ouvi-la agora como apenas uma música. Com tristeza percebo que não mais nos significa.
É verdade, segui mesmo em frente. Minhas palavras são só mais uma despedida, uma última tentativa de eternizá-lo em letras. Já me reconheço outra pessoa (pelo menos na maior parte do tempo) e com uma vida que quero em mãos para ser vivida. Não sei se posso crer que outro ocupará o espaço que você ocupou; procuro não pensar nisso. Tenho planos, sonhos, objetivos… e sorrio ao pensar que eles não mais envolvem nosso retorno. Quero chegar longe, quero respirar vida, quero fazer cada segundo valer a pena e tudo isso por mim mesma. Não sei se um reencontro seria possível, mas, com sinceridade, espero que não. Admito que choro ao dizê-lo… mas é a mais pura verdade. Não sei como reagiria ou o que sua presença faria de mim… Juro, juro que não preciso saber! Para o meu bem, para o nosso bem… Não quero saber. Melhor deixar tudo como está. Melhor… sim, melhor.
Desejo-lhe uma ótima vida, cheia de aprendizados e regada de muito, muito amor. Um dia, talvez em outro tempo fora daqui, poderemos estar juntos sem nos destruirmos. E então repararemos tudo, remontaremos as paredes do Universo que quebramos e poderemos usar a palavra amor em sua verdadeira essência. Antes disso, precisaremos trilhar longos caminhos separados. Agora entendo isso. Sei que sente o mesmo.
Receba meu amor e meus melhores desejos de longe, muito longe. Não espere por mim e eu não esperarei por você. Vivamos simplesmente! Vivamos…

Sempre sua,

“O Amor”, Por Khalil Gibran

o amor

Este belíssimo texto foi retirado do livro “O Profeta”, do escritor libanês Khalil Gibran. É um texto que considero um dos pontos altos do livro e nos traz uma grande oportunidade para fazer refletir o que é aquilo que entendemos como o amor.

“Todas essas coisas o amor fará por vós a fim de que vos torneis sabedores dos segredos de vossos corações, e que, imbuídos desse saber, vos transformeis num fragmento do coração da Vida.

Mas se, por receio, desejais buscar somente a paz e o gozo do amor,
E melhor cobrir vossa nudez, e abandonai a eira do amor,
Para que possais entrar no mundo sem estações, onde podereis rir, mas não todo o vosso riso, e chorar, mas não todo o vosso pranto.
O amor dá de si apenas, e anda recebe senão de si próprio.
O amor não possui nem quer ser possuído;
Pois o amor ao amor se basta.

Quando amardes, não deveríeis dizer: ‘Deus está em meu coração’, mas sim: ‘Eu estou no coração de Deus’.
E não pensai que serieis capazes de determinar seu curso, pois o amor, se considerar-vos dignos, direcionar-vos-á.

O amor não tem outro desejo senão o de atingir sua plenitude.
Mas se amardes e necessitardes ter desejos, que sejam estes:
O de vos tornardes a corrente de um riacho a entoar o seu canto para a noite;
O de conhecerdes a dor de tanta ternura;
O de serdes feridos por vossa própria compreensão do amor;
E sangrardes de bom grado e alegremente;
O de despertardes ao alvorecer com o coração alado e agradecerdes por mais um dia de amor;
O de retornardes à casa ao anoitecer, plenos de gratidão;
E então adormecerdes com uma oração para o bem-amado em vossos corações e uma cantiga de louvor em vossos lábios.”

3 Poemas De Florbela Espanca, Do Livro “O Livro D’ele”

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Doce Certeza

Por essa vida fora hás de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d’oiro fulgindo em muita boca!

Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d’oiro e risos de mulher,
Muito beijo d’amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer!..

Hás de tecer uns sonhos delicados…
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos !

Mas nunca encontrarás p’ la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d’amor que são meus versos

Aonde?

Ando a chamar por ti, demente, alucinada,
Aonde estás, amor? Aonde… aonde… aonde?…
O eco ao pé de mim segreda… desgraçada…
E só a voz do eco, irônica, responde!

Estendo os braços meus! Chamo por ti ainda!
O vento, aos meus ouvidos, soluça a murmurar;
Parece a tua voz, a tua voz tão linda

Cantando como um rio banhado de luar!
Eu grito a minha dor, a minha dor intensa!
Esta saudade enorme, esta saudade imensa!
E Só a voz do eco à minha voz responde…

Em gritos, a chorar, soluço o nome teu
E grito ao mar, à terra, ao puro azul do céu:
Aonde estás, amor? Aonde… aonde… aonde?…

Versos
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz. cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma.

Versos!… Sei lá! Um verso é teu olhar,
Um verso é teu sorriso e os de Dante
Eram o seu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…

Versos! Versos! Sei lá o que são versos..
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!…

 

11 – Futebol: Amor Que Não Se Explica.

amor que não se explica

A primeira Copa do Mundo que acompanhei foi a da França, em 1998. Eu tinha apenas 6 anos de idade. Lembro das ruas sendo enfeitadas e o nervosismo de meus pais nos primeiros jogos, ainda sem muito entender o significado de tudo aquilo. Fiquei chateada com a derrota do Brasil porque meus pais ficaram e tomei nojo da França porque meus pais tomaram.
A segunda Copa do Mundo que acompanhei foi a de 2002, sediada na Coreia do Sul e no Japão. Não lembro de nenhuma partida em especial da época, a não ser a final contra a seleção – até então pra mim desconhecida – da Alemanha. Tudo o que eu sabia sobre a Alemanha era que eles tinham um goleiro que era chamado de “muito feito” por quase todas as pessoas ao meu redor, como se feiura ou beleza realmente fizessem alguma diferença em uma partida de futebol. Eu tinha 10 anos de idade e começava a flertar com este esporte que andava me chamando muita atenção nos campeonatos brasileiros que meu avô via na televisão a todo momento. Fiquei feliz com a vitória do Brasil porque todos ao meu redor ficaram. Novamente, eu não entendia a importância de tudo aquilo.
A terceira Copa do Mundo que acompanhei foi a de 2006. Eu tinha 14 anos de idade. E um pouco antes dessa Copa, conheci alguém que iria mudar tudo, de diversas formas, na minha vida.
Flávia era uma garota cheia de personalidade e que não se importava com que os outros achavam dela. Dentre as 1001 coisas que a destacavam entre as pessoas, ela me disse um dia, em uma de nossas inúmeras conversas sobre futebol, que torcia pela Alemanha. “Como alguém pode torcer por alguma seleção de outro país?”, pensei naquele momento. Mesmo verbalizando a pergunta, ela não me deu qualquer resposta que fizesse sentido, mas mandou que eu visse uma partida da Alemanha e prestasse atenção num tal de Michael Ballack. Além de ser o melhor jogador do time, ele era o mais bonito também (palavras dela!). Fiz o que minha amiga me pediu e vi um jogo da Alemanha antes que começasse a tão esperada Copa daquele ano. Prestei muita atenção no tal Michael Ballack, mas meus olhos também acharam um tal de Lukas Podolski, e foi amor à primeira vista. A Alemanha tinha um jeito diferente de jogar, uma força, um empenho diferente, um estilo singular que nunca antes tinha visto em qualquer outra seleção. Poucos dias antes de começar a Copa que, coincidentemente – ou não – seria na Alemanha, falei para Flávia o quanto tinha gostado daquele time e que iria torcer para eles, caso o Brasil fosse eliminado.
Acho que não preciso relembrar o quão apático o Brasil estava em quase todos os jogos. O descaso em campo e o churrasco realizado na casa do Ronaldinho Gaúcho após de, mais uma vez, a seleção ter sido eliminada pela França, me fizeram pegar birra pela Seleção Brasileira. Como prometido, após a queda vergonhosa do Brasil, passei a torcer pela Alemanha. Infelizmente a seleção foi eliminada na semi-final pela Itália e eu só me lembro do choro da torcida na arquibancada e as lágrimas rolando pelo rosto do Ballack em campo. Naquele dia, aconteceu comigo algo que nunca antes havia acontecido em uma Copa do Mundo: eu havia sentido algo, não porque minha família e amigos sentiram, mas porque eu havia sentido. Desde aquele dia, eu passei a ver todos os jogos da Alemanha que consegui, mesmo que isso significasse negligenciar qualquer dever que me impedisse de sentar frente à televisão. Minha amiga singular e cheia de personalidade veio a falecer um ano e meio depois. Mas deixou comigo esse amor e essa torcida que eu não consigo explicar com palavras. Minha birra para com o Brasil passou (mais ou menos), mas meus sentimentos por essa seleção estrangeira, não.
Muitos hoje me fazem a mesma pergunta (com direito à nariz enrugado e olhares tortos) que eu fiz para minha amiga anos atrás: “Como você pode torcer por uma seleção de outro país que não o seu?”. E, assim como ela, eu não tenho qualquer resposta plausível para dar.
Futebol é mesmo um bando de homem correndo atrás de uma bola, se você quiser enxergar através da razão. Assim como Tênis são duas pessoas batendo bolinha por um tempo interminável sobre uma pequena rede, assim como Basquete é bater uma bola grande no chão até arremessá-la numa cesta. Mas o esporte é puro sentimento, é puro coração, ele salva vidas. Quem possui uma visão mais limitada acerca de esportes, seja ele qual for, nunca vai entender qual é a emoção de torcer para alguém em especial ou para um time. Como a alegria daquela pessoa, daquelas pessoas, de alguma forma mágica, se torna a sua, não importa em que parte do mundo você esteja.
O futebol não é o esporte mais popular do mundo à toa. À princípio pode parecer estranho e sem sentido, mas a partir do momento em que você começa a entendê-lo e se identifica com um grupo, com um time, é impossível não se deleitar (e sofrer também!) com este jogo tão sensacional e arrebatador. E não tem, não tem mesmo explicação. Por mais que um intelectual faça todo um estudo crítico e minucioso acerca do esporte, ele nunca vai conseguir capturar tudo o que este representa. Se fosse algo lógico, assim como 2+2 dá 4, não existiriam pais Flamenguistas com um filho Vascaíno ou pais com filhos Atleticanos e Cruzeirenses. Todos estes foram criados na mesma casa, com as mesmas regras, com a mesma educação e, assim como tudo na vida, têm opções diferentes, têm sensações diferentes. Talvez essa seja a resposta que mais chegue perto da pergunta “Como você pode torcer para uma seleção de outro país que não o seu?”, porém ainda não abarca todo o sentimento que eu e, acredito que muitas pessoas, possuem dentro de si.
Amor, sob qualquer forma, realmente não se explica. Por isso, nesta Copa do Mundo, torça para quem quiser, para a seleção que faça você realmente sentir alguma coisa por você mesmo, um sentimento do qual nunca conseguirá explicar exatamente o que é e de como surgiu. Essa é toda a magia do futebol, essa é a graça da coisa.
Que todos possamos torcer para nossas seleções do coração, sem julgarmos, criticarmos ou brigarmos com o outro, só por termos opiniões e sentimentos diferentes. Esse é o verdadeiro espírito e finalidade do esporte.
E que vença o melhor!