Sobre “Mulheres Que Correm Com Os Lobos” E Um Relato Pessoal

Sempre acreditei que os livros carregam uma espécie de magia. Eles têm o poder de te transportar para outros mundos, de mudar toda a sua vida em apenas algumas centenas de páginas e também de aparecer no seu caminho na hora certa, quando você mais estava precisando ler o que ele precisava lhe dizer. Penso que nem sempre escolhemos os livros… às vezes, sem que possamos perceber, são eles que escolhem a gente.
O livro “Mulheres Que Correm Com Os Lobos”, da psicóloga e escritora Clarissa Pinkola Estés, há três anos mora na minha estante e, apesar de ter uma vontade enorme de lê-lo, sempre acabava deixando pra depois e depois e depois até que ele passou todo esse tempo lá, intocado.
Desde a virada do ano eu tenho passado por uma profunda transformação emocional. A vida me obrigou a encarar meus piores medos, meus piores traumas para que pudesse sair do meu lugar de vítima e agarrar em minhas mãos minha verdadeira identidade, a me olhar no espelho e entender a mulher que sou e principalmente a mulher que quero ser. Nesse processo de profunda dor e autodescoberta, eu achei lá em janeiro um trecho em um site desse livro que definia perfeitamente o momento pelo qual eu estava passando e entendi que já estava mais do que na hora de encarar essa beleza de quase 600 páginas.
Nunca acreditei em coincidências e vejo o mundo como uma grande conexão, onde nos ligamos a certas pessoas e a certas coisas na hora certa. Mas a minha relação com esse livro foi além de qualquer explicação possível.
Nessa minha fase de “destruir para reconstruir” eu tive esse livro como guia, como se ele tivesse mesmo falando comigo. Ficava chocada como a cada trauma revivido, a cada monstro dentro de mim que eu precisava enfrentar, eu encontrava as respostas a cada capítulo lido. Pude ver todo o meu passado, todo o meu presente e prever o meu futuro a cada página virada. Em 4 meses eu adquiri uma sabedoria e uma compreensão de mim mesma como ser humano e, acima de tudo, como mulher, que não me foi possível em meus 28 anos vividos.
A leitura foi finalizada e eu ainda sigo no processo. Ainda tem muita dor pra curar, muito trauma pra entender e trabalhar, muita coisa pra evoluir. Mas sigo muito mais consciente do que eu quero, do que eu mereço e também amando muito mais o que sou e o que minha dor é capaz de produzir através da arte, da minha arte, essa arte que negligenciei por tanto tempo, mas agora não mais.
Desejo que toda mulher tenha contato com esse livro pelo menos uma vez na vida. Mas que chegue no momento certo, na hora em que você esteja mais precisando, para que ele possa ser apreciado e compreendido como deve ser. Para que ele dialogue com seus dilemas e suas dores. Para que ele ofereça respostas quando nada mais ao seu redor fizer sentido, nem você mesma. Para que ele também seja um caminho para a sua cura.
E como saber qual é o momento certo, quando você estará pronta para desfrutar dessa magia transmutada em palavras? Apenas deixe que ele chegue até você.
Os melhores livros sabem o caminho. Eles sempre sabem.

Uma História Sobre O Medo Em V Atos

I.

O medo tem a cara de um homem.
Não sei descrever seus traços, seus cabelos, sua voz ou seu tamanho.
É apenas um homem.
Medo.
Gênero masculino.
Medo, com seus braços largos que apertam e machucam, com suas mãos que esmagam meus ossos, com seus lábios vermelhos de escárnio, com sua boca suja de sangue.
O meu medo tem a cara de um homem.

II.

Um dia, uma amiga me explicava o que era o amor.
Como era estar apaixonada, como era bom ser tocada, apreciada, amada.
Como era bom não sentir dor.
Eu olhei para ela com curiosidade, como alguém que escuta uma língua nova, uma língua nunca antes detectada pelos ouvidos.
“Entenderei o que é o amor o dia em que eu não sentir medo.”
Disse para o vazio, enquanto ela cantava para si mesma uma canção apaixonada.

III.

Percebi que havia algo estranho quando você andou ao meu lado e eu não senti medo.
Lembro de olhar para nossos pés, lado a lado, e nossos passos pisarem na mesma cadência, na mesma direção.
Não era normal. Eu nunca antes havia deixado os pés de um homem pisarem na mesma cadência que os meus.
Percebi que havia algo estranho quando seus olhos chamaram os meus olhos e eu não senti medo. Lembro de sentir que não era a primeira vez que eles se encaravam.
Não era normal. Eu nunca antes havia encontrado pela primeira vez alguém que eu já conhecia.
Você percebeu que havia algo estranho quando se encontrou no meu olhar e sentiu medo.
Não era normal. Você nunca antes havia permitido se reconhecer dentro dos olhos de uma mulher.
Você então mudou o ritmo de seus pés, seus olhos foram chamar outros olhos, de preferência olhos que não o refletissem.
(É mais fácil assim, não é?)
O seu medo ainda tem o meu rosto.

IV.

Uma música lamentosa ressoa sua melodia no fim da noite.
Diz a letra:
“Você chegou tarde demais para mim, eu cheguei cedo demais para você.”
É isso.

V.

Sinto muita falta de não sentir medo.