Uma História Sobre Perguntas e Respostas em V Atos

I.

Meu pai costuma dizer que sempre tenho uma resposta pra tudo.
Desde muito pequena eu procuro o sentido das coisas como se minha vida dependesse disso.
Por que o céu é azul?
Por que não podemos voar?
Por que não posso viver no mar?
Qual o sentido da vida, por que estamos aqui, o que é Deus, de onde eu vim?
Se havia perguntas, eu ia atrás das respostas.
E não tinha nada e nem ninguém que pudesse parar minha mente irrequieta e meu coração apaixonado por descobertas.

II.

Na escola, os professores não sabiam responder às minhas perguntas. Eu perguntava tanto, mas tanto, mas tanto, que eles precisavam implorar para eu calar a boca a fim de seguir com a aula.
Eu calei minha boca, mas não calei minhas perguntas.
À minha maneira, fui atrás das respostas, me vendo cada vez mais longe das explicações vazias e impacientes que uma sala de aula tradicional poderia me oferecer.
À minha maneira, encontrei minhas próprias respostas.
À minha maneira, me encontrei em minhas próprias respostas.

III.

Eu preciso saber. Se eu não sei, se eu não explico, eu não respiro, eu não vivo, eu não sei mais quem sou.
Procuro minhas respostas na psicologia, na astrologia, na física quântica, na biologia, nos meus sonhos, na espiritualidade, procuro as respostas e as respostas eu sempre encontro.
Meu pai tem razão.
Eu tenho mesmo uma resposta para tudo.

IV.

Eu não consigo explicar por que quando você me chamou pela primeira vez, eu senti que não era a primeira vez.
Eu não consigo explicar por que cada vez que você sorri é como se eu estivesse vendo alguém que eu já conheci.
Eu não consigo explicar por que eu sabia que você me queria antes mesmo de você descobrir. E porque também sabia que você fugiria assim que descobrisse.
Eu não consigo explicar por que você ainda está aqui quando há tanto foi embora.
Quando eu olho para você, nada tem uma explicação, nada faz sentido.
Quando eu olho para você, eu já não sei mais quem sou.
Não há psicologia, astrologia, física quântica, biologia, sonhos ou espiritualidade que nos explique.
Eu procuro o sentido de nosso encontro como se minha vida dependesse disso.
Eu procuro e não encontro.
Não há nada.
Não há nada em lugar algum.

V.

Você é a única pergunta para qual eu não tenho uma resposta.

Uma História Sobre O Medo Em V Atos

I.

O medo tem a cara de um homem.
Não sei descrever seus traços, seus cabelos, sua voz ou seu tamanho.
É apenas um homem.
Medo.
Gênero masculino.
Medo, com seus braços largos que apertam e machucam, com suas mãos que esmagam meus ossos, com seus lábios vermelhos de escárnio, com sua boca suja de sangue.
O meu medo tem a cara de um homem.

II.

Um dia, uma amiga me explicava o que era o amor.
Como era estar apaixonada, como era bom ser tocada, apreciada, amada.
Como era bom não sentir dor.
Eu olhei para ela com curiosidade, como alguém que escuta uma língua nova, uma língua nunca antes detectada pelos ouvidos.
“Entenderei o que é o amor o dia em que eu não sentir medo.”
Disse para o vazio, enquanto ela cantava para si mesma uma canção apaixonada.

III.

Percebi que havia algo estranho quando você andou ao meu lado e eu não senti medo.
Lembro de olhar para nossos pés, lado a lado, e nossos passos pisarem na mesma cadência, na mesma direção.
Não era normal. Eu nunca antes havia deixado os pés de um homem pisarem na mesma cadência que os meus.
Percebi que havia algo estranho quando seus olhos chamaram os meus olhos e eu não senti medo. Lembro de sentir que não era a primeira vez que eles se encaravam.
Não era normal. Eu nunca antes havia encontrado pela primeira vez alguém que eu já conhecia.
Você percebeu que havia algo estranho quando se encontrou no meu olhar e sentiu medo.
Não era normal. Você nunca antes havia permitido se reconhecer dentro dos olhos de uma mulher.
Você então mudou o ritmo de seus pés, seus olhos foram chamar outros olhos, de preferência olhos que não o refletissem.
(É mais fácil assim, não é?)
O seu medo ainda tem o meu rosto.

IV.

Uma música lamentosa ressoa sua melodia no fim da noite.
Diz a letra:
“Você chegou tarde demais para mim, eu cheguei cedo demais para você.”
É isso.

V.

Sinto muita falta de não sentir medo.

Uma História Sobre Fantasmas em III Atos.

I.

Graças a você não tenho mais medo de fantasmas.
Quando era criança, fantasmas apareciam em meus sonhos e continuavam ao meu lado mesmo depois de acordada.
Costumava chamar minha mãe no meio da noite em busca de proteção, mas ela dizia para que eu fechasse os olhos e esperasse os fantasmas desaparecerem.
Mas eles nunca desapareciam.
Eles continuavam vindo e vindo até o dia em que decidi não dormir mais à noite.
Fantasmas têm medo da luz. E eu só encontrava a paz quando o sol despontava no horizonte.
As pessoas me julgaram dizendo que eu estava arruinando meu corpo. Mal sabiam elas que apenas estava tentando salvar minha mente.

II.

No primeiro dia em que nos conhecemos, você me pediu que caminhasse em sua direção e eu me vi incapaz de dizer não. Subi uma montanha até você, sem imaginar que aceitar a este pedido custaria toda a minha alma.
Eu subi uma montanha e, quando cheguei ao topo, decidi construir uma casa dentro de seus olhos. Eles me eram familiares e eu não entendia por quê.
(Até hoje não entendo o porquê)
Você me deu boas vindas e eu me senti bem-vinda.
Eu construí uma casa dentro de seus olhos e por um mísero segundo pensei que havia encontrado o lar que sempre procurei.
Mas não demorou para que eu começasse a ver, começasse a ver fantasmas em seus olhos, dentro da casa que eu construí com tanto cuidado.
Foi então que percebi que não era a única que lutava contra fantasmas.
Decidi que poderia salvar você, porque eu, apenas eu sabia muito bem como lutar contra fantasmas ou escapar deles. Eu o avisei, eu abri meus braços e meu coração para que o menino que chora dentro do seu peito pudesse encontrar a saída e construir uma casa dentro de meus olhos.
Dentro de mim você estaria seguro. Tinha certeza disso.
Busquei seu olhar, abri a porta para que escapássemos juntos, entrelacei meus dedos com os seus, mas você não se moveu.
Você não queria achar a saída.
Ao contrário de mim, você nunca teve problemas para dormir.
Ao contrário de mim, o menino que você um dia foi (para mim, o menino que você ainda é) fez amizade com seus fantasmas e prometeu nunca deixá-los.
(Você de fato é um homem fiel)
Foi preciso me partir em mil pedaços para entender que você não queria uma saída, que não precisava de salvação.
Que você não precisava e nem mesmo queria uma casa dentro de meus olhos.
Foi então que percebi que fugi de fantasmas a vida inteira para acabar me apaixonando por um.

III.

No último dia em que nos vimos, você fechou seus olhos para mim. Você fechou para sempre a porta da casa que eu construí com tanto cuidado e negou que um dia tivesse me dado as boas-vindas.
Negou que um dia eu pude viver dentro de seus olhos.
Negou tudo.
Eu tenho dormido à noite desde então.
Graças a você não tenho mais medo de fantasmas.
Não tenho mais medo de nada.
Eu ainda vejo fantasmas em sonhos, ainda os sinto quando acordo. Mas eles não me assustam.
Porque desde o último dia em que nos vimos, nada me assusta mais do que a ideia de ter para sempre o seu fantasma dentro de mim.