Junho.

É junho.
Faz hoje dez meses desde que eu ri pela primeira vez de uma de suas horríveis piadas e disse sim ao seu convite.
Minha melhor amiga fez um bolo para celebrar nosso décimo terceiro aniversário e diz que me ama, diz que me ama mais do que ama bolo, e eu compreendo o quanto a minha vida tem significado.
Lá fora o outono esqueceu que é outono e o sol se exibe como se fosse a sua estação.
Os olhos do meu cachorro brilham com os raios dourados após dias preso dentro de casa e agora ele anda por essas ruas como se todo esse chão lhe pertencesse. Levanto os olhos para ver os pássaros voando na imensidão de azul como se fosse o início da primavera. As árvores dançam a dança do vento e nesse momento em particular sinto que não há nenhuma dor capaz de me esmagar. Digo oi para os pássaros mesmo sabendo que eles não podem me ouvir, contemplo a grande imensidão de azul e agradeço.
Agradeço por estar viva, por ter toda a sorte de habitar esse corpo capaz de sentir tudo intensamente, agradeço por ter a oportunidade de viver debaixo dessa pele tão sensível, de sentir esse coração, esse coração irrequieto e impulsivo, mas que é meu e só meu para cuidar e proteger, agradeço, agradeço muito por estar aqui.
Eu amo estar aqui.
E eu vou ficar.

É junho.
E estou cansada de pensar.
Você não está mais aqui. Acho que nunca esteve de verdade.
Há tanta vida lá fora, tanta luz, tanto amor, pessoas, bichos, esplendores
Há tanto que esse imenso mundo pode ainda me oferecer, viver
Tanta coisa além das migalhas que você jogou em minha direção para conseguir lidar com sua confusão
E agora já não importa mais se você sentiu aquilo ou não
Porque, sinceramente, você nunca será capaz de responder a essa pergunta de um milhão
Nunca será capaz de responder a uma questão da qual nem você sabe a resposta.
Você nem sabe como se sente em relação a si mesmo ou em relação aos outros ou o que realmente pensa sobre o amor ou a vida e talvez esperar alguma lógica de você
seja o mesmo que esperar um navio retornar ao seu porto mesmo após ter sido engolido pelo mar… Simplesmente não vai acontecer.

É junho.
Não sei onde você está ou se já arranjou outros olhos grandes como caixas capazes de acolher toda a sua confusão, mas já não importa agora.
Porque você não está aqui, mas eu estou. Eu estou aqui de uma forma que você nunca esteve. De uma forma que nenhum homem foi capaz de estar.
Eu me sinto. Eu me pertenço finalmente após passar anos tentando construir casa nos olhos de outras pessoas, após passar toda uma vida ofertando pedaços de mim a qualquer um, esperando que algum deles tivesse a disposição de montar minhas peças e me colocar no lugar.
Eu me pertenço e não vou mais me abandonar.
Eu vou ficar.

É Junho.
O outono esqueceu que é outono. Lá fora, o sol se exibe como se fosse a sua estação.
Espero que você possa encontrar uma cura para o seu coração partido.
Estou tentando fazer o mesmo por aqui.
Espero que você um dia consiga ser feliz.
De verdade.
Eu sei que eu serei.
Eu construí uma casa dentro de meus olhos ela é tudo o que eu sempre quis.
Eu amo estar aqui,
Nessa casa, nessa vida, em mim.
Eu amo estar aqui.
E eu vou ficar.
Sim.

Eu vou ficar…

Uma História Sobre Fantasmas em III Atos.

I.

Graças a você não tenho mais medo de fantasmas.
Quando era criança, fantasmas apareciam em meus sonhos e continuavam ao meu lado mesmo depois de acordada.
Costumava chamar minha mãe no meio da noite em busca de proteção, mas ela dizia para que eu fechasse os olhos e esperasse os fantasmas desaparecerem.
Mas eles nunca desapareciam.
Eles continuavam vindo e vindo até o dia em que decidi não dormir mais à noite.
Fantasmas têm medo da luz. E eu só encontrava a paz quando o sol despontava no horizonte.
As pessoas me julgaram dizendo que eu estava arruinando meu corpo. Mal sabiam elas que apenas estava tentando salvar minha mente.

II.

No primeiro dia em que nos conhecemos, você me pediu que caminhasse em sua direção e eu me vi incapaz de dizer não. Subi uma montanha até você, sem imaginar que aceitar a este pedido custaria toda a minha alma.
Eu subi uma montanha e, quando cheguei ao topo, decidi construir uma casa dentro de seus olhos. Eles me eram familiares e eu não entendia por quê.
(Até hoje não entendo o porquê)
Você me deu boas vindas e eu me senti bem-vinda.
Eu construí uma casa dentro de seus olhos e por um mísero segundo pensei que havia encontrado o lar que sempre procurei.
Mas não demorou para que eu começasse a ver, começasse a ver fantasmas em seus olhos, dentro da casa que eu construí com tanto cuidado.
Foi então que percebi que não era a única que lutava contra fantasmas.
Decidi que poderia salvar você, porque eu, apenas eu sabia muito bem como lutar contra fantasmas ou escapar deles. Eu o avisei, eu abri meus braços e meu coração para que o menino que chora dentro do seu peito pudesse encontrar a saída e construir uma casa dentro de meus olhos.
Dentro de mim você estaria seguro. Tinha certeza disso.
Busquei seu olhar, abri a porta para que escapássemos juntos, entrelacei meus dedos com os seus, mas você não se moveu.
Você não queria achar a saída.
Ao contrário de mim, você nunca teve problemas para dormir.
Ao contrário de mim, o menino que você um dia foi (para mim, o menino que você ainda é) fez amizade com seus fantasmas e prometeu nunca deixá-los.
(Você de fato é um homem fiel)
Foi preciso me partir em mil pedaços para entender que você não queria uma saída, que não precisava de salvação.
Que você não precisava e nem mesmo queria uma casa dentro de meus olhos.
Foi então que percebi que fugi de fantasmas a vida inteira para acabar me apaixonando por um.

III.

No último dia em que nos vimos, você fechou seus olhos para mim. Você fechou para sempre a porta da casa que eu construí com tanto cuidado e negou que um dia tivesse me dado as boas-vindas.
Negou que um dia eu pude viver dentro de seus olhos.
Negou tudo.
Eu tenho dormido à noite desde então.
Graças a você não tenho mais medo de fantasmas.
Não tenho mais medo de nada.
Eu ainda vejo fantasmas em sonhos, ainda os sinto quando acordo. Mas eles não me assustam.
Porque desde o último dia em que nos vimos, nada me assusta mais do que a ideia de ter para sempre o seu fantasma dentro de mim.

Por Trás Da Porta.

port

Por trás da porta está minha casa
Minha casa cheia de palavras.
Sou formada por contos, romances
Biografias, ensaios, poesias
E todas, todas essas coisas que
Em alguma biblioteca caberia.
Nasci sendo palavra, mas palavra não posso ser.
Me dizem
“Pequena criança
O mundo não é como você vê!”

Será?

Já enfrentei dragões, percorri longas estradas
Já fui príncipe, já fui princesa
E até vilã de mim mesma.
Já vi muita coisa e muita coisa quis desver.
Já me neguei, me nego
É verdade, ainda me nego
Por causa daqueles que amei.

Por trás da porta está minha casa
Minha casa cheia de palavras.
Não vou mais arrumar os móveis
Esconder as falhas ou para debaixo do tapete varrer
Tudo o que me forma, tudo o que eu preciso ser.
É na bagunça que se faz a escrita.
Não quero mais me esconder.

Eu nasci sendo palavra
E de letras quero morrer.