Sobre Eu, Você e o Fim.

dai

 

Minhas palavras sentem sua falta. Esquecê-lo e seguir em frente adoeceu minhas letras. Não escrevo para mais ninguém, e como conseqüência, não escrevo.
Minhas cartas de amor soam falsas porque são falsas. Não sou poeta e não posso fingir. O que escrevo é verdade, é fato, é toque, é contato. Se não está aqui, não sei sentir.
Então recorro à sua memória como última tentativa de sentir algo, uma esperança para a continuidade de minhas letras.
Mas já não sei a quem escrevo. Tudo de você que restou em mim foi um borrão ao qual não consigo dar forma. Esqueci finalmente e agora estou aqui.
Onde estou?
Perdão por arrastá-lo de volta às minhas memórias. Prometi que não mais o faria e não consegui cumprir.
Acabo de ouvir nossa música no rádio e me dei conta de que ela não é mais nossa música. Não representa mais nada. Com otimismo digo que posso ouvi-la agora como apenas uma música. Com tristeza percebo que não mais nos significa.
É verdade, segui mesmo em frente. Minhas palavras são só mais uma despedida, uma última tentativa de eternizá-lo em letras. Já me reconheço outra pessoa (pelo menos na maior parte do tempo) e com uma vida que quero em mãos para ser vivida. Não sei se posso crer que outro ocupará o espaço que você ocupou; procuro não pensar nisso. Tenho planos, sonhos, objetivos… e sorrio ao pensar que eles não mais envolvem nosso retorno. Quero chegar longe, quero respirar vida, quero fazer cada segundo valer a pena e tudo isso por mim mesma. Não sei se um reencontro seria possível, mas, com sinceridade, espero que não. Admito que choro ao dizê-lo… mas é a mais pura verdade. Não sei como reagiria ou o que sua presença faria de mim… Juro, juro que não preciso saber! Para o meu bem, para o nosso bem… Não quero saber. Melhor deixar tudo como está. Melhor… sim, melhor.
Desejo-lhe uma ótima vida, cheia de aprendizados e regada de muito, muito amor. Um dia, talvez em outro tempo fora daqui, poderemos estar juntos sem nos destruirmos. E então repararemos tudo, remontaremos as paredes do Universo que quebramos e poderemos usar a palavra amor em sua verdadeira essência. Antes disso, precisaremos trilhar longos caminhos separados. Agora entendo isso. Sei que sente o mesmo.
Receba meu amor e meus melhores desejos de longe, muito longe. Não espere por mim e eu não esperarei por você. Vivamos simplesmente! Vivamos…

Sempre sua,

Sobre Trens, Partidas e Um Café.

cafe

A vida tem sido feita de partidas, decepções e frustrações. Em cada olhar encontro um adeus, em cada toque sonho um sonho que nunca aconteceu.
Sou feita de ilusões e corações partidos por outros corações que nunca me mostraram permanência. Que nunca sequer ficaram para um café.
Estou partindo antes que me parta em pedaços outra vez. As malas já estão prontas, a passagem foi comprada… Talvez haja um mundo lá fora para mim; um mundo onde não exista uma cadeira vazia e uma fria xícara de café. Talvez exista uma imagem lá fora que não seja seus olhos refletindo a luz do sol.
Meu trem parte às 8 em ponto. Aviso para caso decida mudar de ideia, para que me busque ao pé do vagão e me diga que sou aquela com quem você quer passar o resta de sua vida.
Me busque ao pé do vagão deste trem e peça para que eu fique apenas para um encontro e um café.
A vida tem sido feita de partidas. Ultimamente, é verdade, nem de chegadas.
Você chegará?

Agora meu trem anuncia a última chamada.
Pego a minha mala, subo no primeiro degrau do vagão e procuro os seus olhos refletindo a luz do sol.
Não há o reflexo de nada.

O trem parte e tudo o que resta de mim nesta cidade é uma xícara de café fria sobre a mesa.

Sobre Um Pedido, Um Toque E Um Chaveiro.

touch

 

Eu o sinto andando atrás de mim.
Seus passos, seu cheiro, o jeito como seu chaveiro faz barulho pendurado na mochila.
Eu afasto minha mão do corpo, esperando que você a pegue.
Por favor, pegue-a.
Leve-me contigo por qualquer estrada.
Leve-me contigo mesmo que isto não leve a nada.
Só não a deixe pendurada.
Só não a deixe como uma peça do corpo desgarrada.
Já tenho espaços vazios suficientes. Não preciso de mais um.
Pegue-a nem que seja por pena, nem que seja apenas para levá-la até a esquina enquanto a minha palma beija a sua palma, enquanto nossas matérias se misturam.
Você pode salvar a minha vida com apenas um toque.
Já sentiu como se toda a sua vida dependesse de uma única coisa?
Eu já.
A todo tempo.
Minha mão permanece pendurada ao lado do meu corpo. Seus passos se aproximam cada vez mais.
Por favor.
Por favor.
Por favor.
Prometo não cobrar nada.
Prometo não cobrar sequer a pétala de uma flor.
Só me faça existir entrelaçando seus dedos bem aqui.
Seus passos chegam, mas seu toque não. Você passa por mim e então através de mim.
Vejo suas costas, sinto o seu cheiro e ouço o barulho de seu chaveiro pendurado na mochila.
Minha mão ainda está afastada do corpo, esperando que a você a pegue.

Sobre Segundas e Sextas.

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Now you only bring me black roses
And they crumble in the dust when they’re held
Now you only bring me black roses
Under your spell

Você me pede por palavras, mas eu não tenho nada a dizer. Tento enterrar suas ações em um caixão três metros abaixo da terra, mas você sempre chega com uma pá e joga tudo pra cima outra vez. Me encontro suja e cega, sem saber como tirar tanto peso sobre mim.
Você diz que me ama, que me ama, que me ama demais. Mas quando as luzes se apagam e a plateia se vai, só o que você faz, só o que você faz, só o que você faz é me deixar para trás.
Você diz que é o meu tudo, mas sob o seu feitiço sempre me encontro vazia, com nada. Por sua causa vivi toda uma vida frustrada e desperdiçada.
Você sempre diz que o mundo está contra você, mas eu sempre estive ao seu lado, erguendo-o, carregando-o sobre minhas costas, empurrando-o para frente. Mas você só sabe dar meia voltar e retornar, retornar e retornar para aquele mesmo bar. A bebida já destruiu seus olhos, aniquilou seu coração e transformou o seu sangue em uma espuma amarelada. “É para os momentos tristes”, você diz em uma segunda. “É para os momentos felizes”, você diz numa sexta. Em seu humor bipolar, só existem os extremos, só existem as segundas e as sextas. E toda a minha vida ao seu lado é resumida em segundas e sextas.
Por muito tempo me senti culpada por cada palavra dita, por cada chamada não atendida. Em uma frase bonita ou em uma rara e única ação bem sucedida, eu me cortava por dentro e me perguntava se todas as memórias, se todas as histórias presentes em minha cabeça que aparecem cada vez que o meu olhar cruza com o seu não eram invenções de uma criança abandonada, que tenta preencher com bonecos e rabiscos os vazios deixados pelos passos de outras pessoas. Sempre fui boa em contar histórias e diariamente me pergunto se não fiz de suas ações uma ficção que justificasse as lacunas dentro de mim. Mas então você liga, briga, religa e desliga toda a esperança de uma ficção. Você é mesmo real e toda a minha ilusão se esvai.
(Why’d you only call me when you’re high?)
Você me chama de astuta, de manipuladora cruel. Mas porque sou eu quem me sinto com cordas de nylon sobre meus braços, em minhas pernas, dentro de minha mente, cada vez que as lágrimas em seus olhos se fazem presente? Por que você insiste que sua dor é assim tão permanente?
Eu o perdoei até nas vezes em que eu fui obrigada a pedir perdão pelos seus erros. Você nunca foi fã de espelhos e nunca, nunca, nunca conseguiu ver o reflexo das pedras que deixa para trás. Mais um dia passa, mais um dia eu tento, ponho a mesa, jogo as cartas, tento fazê-lo discernir o bem do mal, o rei de ouro do rei de paus, mas você cisma em dizer que é tudo igual e joga a mesa para cima, deixando sobre mim uma bagunça abissal.
Agora a porta está fechada, a janela está cerrada e você continua apontando o dedo, dizendo que por sua dor sou culpada. Já se passaram duas décadas e continuamos decaindo, medindo nossas ações através de frias réguas, e nem por dois dias sequer dura nossa trégua.
Você diz que é a personificação da paciência, mas quando o lembro de todos os momentos de violência, seu olhar desaba sobre mim com desdém e seus lábios respondem um “você mereceu.” Eu mereci? Mereci o quê? Mereci por quê? Por sempre tentar salvar você?
Tudo o que eu sempre quis foi apenas um pedido de desculpas, um reconhecimento sincero e duradouro de suas falhas. Sua voz me pediu por palavras, mas quem precisa dizê-las é você. Será que um dia irá acontecer?
O mundo gira, os dias passam e de repente o telefone toca, toca, e toca sem parar. Seu nome aparece, mordo os lábios, olho a data no calendário e nem penso em atender.
É sexta feira.

Sobre Mortes, Sonhos e Realidades.

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Eu me lembro de tudo.
Lembro dos furinhos microscópicos de sua camisa pólo branca.
Lembro do seu cheiro que emanava dos furinhos microscópicos de sua camisa pólo branca.
Lembro de sua pele morena.
Lembro de seus braços envolvendo meu corpo nesta cama, afastando toda a dor existencial dentro de mim.
Lembro da sensação de abrigo que sentia na larga extensão deles, como se o mundo lá fora jamais pudesse me atingir.
Você estava ali.
Você era real… Mas não era!
Meu cérebro está brincando comigo?
Você partiu, você se foi!
Não há mais a pele morena, não há mais o abrigo!
Não há mais seu corpo, mas ainda há você!
Não há?
Tem de haver!
Estico meus braços na direção do vento, esperando sentir seu cheiro ou tocar seu rosto através do ar.
Mas acordada é em vão.
Você nunca está.
Nossa imagem vai desaparecendo como a luz fraca de uma vela prestes a se extinguir.
Sua memória é como o fogo: vai apagando, morrendo, até não mais existir.
Mas é só fechar os olhos à noite e você está ali.
Diga, como pode não mais existir?
Você está comigo, eu sinto, eu sei.
Mas eu acordo… Então não sei!
E passo o dia com uma interminável sensação de vazio, com a revolta por acordar e seu corpo desaparecer.
Meu cérebro está mesmo brincando comigo?
Porque ao despertar de seu sonho, eu não sei mais o que fazer.

Sobre Álbuns, Algos e Superações.

photo

Achei a caixa com fotografias, objetos e todas as coisas que fizeram parte da nossa história. Pensei instantaneamente em jogar tudo fora, queimar, livrar-me de qualquer resquício de um passado ilusório.
Não consegui.
Não naquele momento, não ali.
E ao invés de atirar tudo no lixo, o nosso velho álbum de fotos eu abri.
Imagens jogaram-se contra o meu rosto. Todos os sorrisos, todas as gargalhadas, as guerrinhas de almofadas às 3 da madrugada… Tudo compactado, apertado em um álbum de retratos.
Quando você se foi, eu desesperei. Perdi todo o controle e fui aquele tipo de mulher que sempre critiquei. Quem me vê hoje tão centrada, tão sana, tão risonha e agitada, mal pode imaginar que quase morri por um amor ferido. Que quase morri por um amor suicida.
É difícil de lembrar, difícil de aceitar, mas a verdade é que eu enlouqueci.
Olhando para trás, vendo um filme de sua partida em minha mente, eu não posso denominar de outra forma: foi loucura pura e obsessiva. Não sei se é possível pessoas normais ficarem momentaneamente loucas, esquizofrênicas, mas acho que foi exatamente o que aconteceu comigo. Ninguém nunca vai entender o que fui naquela época. Nem eu mesma algum dia vou entender o que fui, quem me tornei, quem ou o quê incorporei há cinco anos.
Não sei se há justificativas. Amor se mede, loucura se explica?
Seria um passado de perdas e derrotas constantes?
Seria essa sensação de desamparo que me acompanha injustamente desde o dia em que nasci?
Não sei, não sei explicar, não sei definir.
Eu fui apenas algo que você deixou para trás e por algum motivo eu acreditei nisso. Acreditei que eu era assim: só ‘algo’, uma coisa, um objeto que é largado, pois é matéria bruta, descartável. Não fui mulher, não fui filha, não fui gente; fui apenas algo, enquanto você era tudo. E esse foi meu desespero.
Não sei, não sei mesmo. Aqui me encontro, julgando minhas injustificáveis atitudes, criando um paradoxo ao explicar nessas linhas o fato do meu descontrole não ter explicação.
Eu apenas fui algo.
Sem nome, sem lugar, sem definição.
Apenas fui.
E, graças a Deus, não sou mais.

Continuo passando as folhas do álbum, vendo fotos, vendo momentos que foram congelados em variados centímetros de altura e largura. Momentos que significaram uma vida e cabem numa moldura retangular. Fomos gravados no tempo, sem permissão de apagar o que já foi vivido.
Você existiu e eu também. E durante alguns anos deixamos rastros, provas de que existimos juntos.
A felicidade já retornou ao meu ser. Já sou gente outra vez, com vontades, desejos, sonhos… Voltei a ser filha, a ser mulher, a ser amante. Sou alguém diferente, alguém que existe como gente, de matéria viva e pulsante.
Alguém que consegue existir com facilidade fora de sua presença.
Talvez esse tenha sido meu problema: tentei inserir-me em seu corpo por osmose e quis fazer parte de seu organismo para sempre. Mas aos seus olhos eu era apenas uma virose; algo que causa apenas um incômodo e passa.
Enquanto continuava a insistir, você queria apenas fugir dali. Vislumbrei o fim e fechei os olhos; recusei-me a partir.  Achava que podia morar dentro de você.
Mas é impossível, é inadmissível.
A física é mais exata que o amor; dois corpos não ocupam o mesmo espaço e é isso… Acabou!

A última folha do álbum desliza pelos dedos e um suspiro escapa dos meus lábios enquanto a contra-capa é fechada.
Sorrio.
Nada é melhor do que a sensação de algo superado.
Nada é melhor do que se ver inteira, após tanto tempo despedaçada. De sentir o controle de volta à suas mãos, de volta ao coração.
Não jogo o álbum fora. Ele precisa ficar. Precisa ficar e me lembrar, em todos os momentos de queda, de loucura, de esquizofrenia, que eu sempre posso superar.
O que era meu ponto fraco, agora virou meu poder. Se agora aqui estou, nada mais pode me deter.
O mundo girou e a loucura me largou.
Trocamos de lugar e isso é quase impossível de acreditar.
Sou forte, sou única, sou gente.
Sou filha, sou mulher, sou amante.
E você é apenas algo dentro de um álbum de fotos em minha estante.

Sobre Máscaras e Vulnerabilidades.

masca

Eu não te reconheço mais.
Olhando para trás, olhando seis anos atrás, era diferente. Pode parecer óbvio, pois todas as pessoas mudam. Mas acho que o problema é quando elas mudam em direção opostas. Quando mudam em direção opostas enquanto estão juntas.
Eu olho para você e não é você.
Não é seu nome, não é sua aparência, não é seu sorriso.
Não é você.
Não é a gente.
Seus fantasmas acabaram te deformando. Eu sempre estive aqui para ajudá-lo a combatê-los, mas você sempre preferiu fazê-lo sozinho. Eu disse que sempre estaria aqui, eu permaneci, mas você nunca me procurou.
Um dia eu prometi que nunca iria embora e que você sempre poderia contar comigo. E isso é verdade.
Ainda.
Estamos juntos, mas estamos separados. Você pode continuar contando comigo para qualquer coisa (apesar de nunca tê-lo feito), mas eu não posso mais continuar esperando algo em troca.
Nenhum coração aguenta, nenhum amor aguenta, nenhum relacionamento aguenta. A promessa está aqui, eu estou aqui, você pode sempre vir quando quiser, sempre te receberei de braços abertos. Mas não significa que irei fazer a mesma coisa. Não significa que irei pedir-te ajuda, que pedirei para que me ajude a lutar com meus fantasmas também. Não que eu não acredite que você me deixaria só, que você me deixaria largada deliberadamente para enfrentar tudo o que temo. O problema é que você é você demais para ser, nem que seja um breve momento, um pouquinho eu. E você me deixou isolada por tanto tempo que, no fim das contas, acabei aprendendo que posso fazer isso sozinha. Que posso viver sozinha.
O seu corpo está aqui, a matéria está presente, mas nunca o que eu mais precisei de você, o que eu realmente quis de você: Seus sentimentos. Seus medos. Suas angústias.
Sentir é tão assustador assim para você que precisa isolar todas as pessoas que te amam a fim de manter uma imagem de pessoa forte para si mesmo? É tão ruim assim admitir que uma lágrima possa cair de vez em quando?
Ser forte é reconhecer as fraquezas quando a situação pede. E pelo que eu tenho visto até agora, durante todos esses anos, apenas encontro alguém mais frágil e carente do que qualquer outra pessoa.
E me dói. Me dói muito.
Eu olho em sua direção, olho toda essa sua máscara, toda essa sua pseudo-força e me dói. Porque eu sei que é mentira. Porque eu sei que essa mentira existe desde antes de eu cruzar seu caminho e machuca ver alguém que amo tanto vivendo uma vida de fachada. Uma vida de sorrisos ao dia e lágrimas à noite.
Acha que se esconde de mim ao mentir, ao virar a cara, ao ir embora. Você pode fazê-lo se quiser. Já aprendi que é impossível segurar alguém ao meu lado se essa pessoa não quer estar segura, não importa o que eu diga, não importa o que eu faça.
Você pode ir se quiser e, eu prometo, vou ficar bem. Eu sempre fico no final. Você pode ir embora ou simplesmente continuar fingindo o que quer que você esteja fingindo, mas eu vejo através de você.
Mesmo longe, mesmo com a distância que você provocou, eu vejo.
Mesmo quando você está sorrindo, eu vejo quando você não está.
Mesmo quando você diz estar feliz, eu vejo quando você não está.
Mesmo quando você está aqui, eu vejo quando você não está.
Eu não sei quantas pessoas você consegue enganar ao seu redor, mas não pense que sou uma delas.
A sua dor me faz sofrer. Porque é extremamente ruim perceber o quanto você vem se matando diariamente ao acreditar que realmente pode aguentar tudo sozinho.
Você me subestima.
Acha que pode me ignorar e me deixar sempre que sentir vontade, porque sempre estarei aqui quando você voltar.
São seis anos.
São seis anos em que você vem fazendo isso.
São seis anos em que eu venho fazendo isso.
Eu quis dizer cada palavra quando expressei todo o meu amor e tudo o que eu seria capaz de fazer.
Eu quero estar aqui até o fim. Mas eu não sou à prova de balas. Muito pelo contrário.
Eu sou quase uma esponja, eu absorvo tudo.
Eu absorvo tudo, até você.
Você com suas dores, seus fantasmas, suas questões insolúveis, o vazio negro dentro de si.
E tenho muito, muito medo do que será de nós dois quando eu finalmente explodir.
Porque você sempre me manda esquecer.
Qualquer questão, qualquer resolução, qualquer emoção… Você me manda esquecer.
Somos adultos.
É só esquecer.
Não é só isso que você tem a dizer?
É só esquecer.
E, no fim de tudo, é muito triste perceber que não há mais nada que eu possa fazer.

Sobre Palavras, Músicas e Despedidas.

piano

Os olhos cor de mel encontram os meus numa sala vazia e sombria.
O silêncio nos consome, o medo nos corrompe e palavras nos constrangem.
O que há mais a ser dito?
Depois de todos esses anos, depois de todos esses danos, o que há mais a ser dito?
Não há nada. Não há uma única sílaba, uma única letra, uma única saída.
O ponto final em nossa história já foi posto.
Se fui eu quem colocou, se foi você quem colocou, se foram os dois, exatamente ao mesmo tempo… Isso não importa.
Nossa história acabou.
Mas quem será o primeiro a cruzar a porta?
Quisera fazer-te uma canção de despedida, escrever-te uma letra de amor perdido, mas nem isso.
As palavras nos abandonaram de vez.
O que faremos? Como sobreviveremos?
Se não podemos usá-las, então toquemos.
Toquemos uma doce melodia qualquer. Seja de Mozart, Beethoven ou Chopin.
Toquemos, ainda que seja simples, fugaz, feita em um quarto escuro às duas da manhã.
Toquemos e evitemos o constrangimento.
Evitemos o desejo errôneo de insistir em estarmos um com o outro.
Dois artistas jamais poderão tocar juntos se não estiverem afinados. Se não estiverem na mesma freqüência, no mesmo tom. Do contrário, a música não acontece, as melodias não se cruzam e tudo o que resta são duas pessoas frustradas, que fizeram de tudo para conseguirem absolutamente nada.
Não é melhor evitarmos?
Oh, não é melhor deixarmos?
Devolvam-me meu piano e me deixem respirar. Por favor, vá para o seu quarto, toque sua música, enquanto eu ficarei aqui, sozinha, largada, deixada, tentando fazer a mesma coisa com a minha alma quase apagada.
O desejo gritante e agonizante de sua companhia nunca foi o bastante para mantê-la.
Talvez você tenha desejado a minha também ou talvez apenas tenha fingido por educação.
O fato é que nenhuma canção foi composta por esta dupla fracassada, por mais que nossas mentes criativas tenham adorado o processo de criação.
Devolvam-me meu piano e me deixem tocar. Deixem-me sentir os dedos flutuarem pelas teclas brancas e negras outra vez. Deixem-me sentir ser levada pela música, por aquele toque sutil que nenhum outro instrumento é capaz de executar.
Façam com que minha alma voe para longe, para tomar um descanso, deixando corpo pesado e cansado descansar de uma vez por todas.
Deixem-me viver de música.
Devolvam-me meu piano e deixem-me viver de música.
Eu não quero mais palavras; cansei delas.
Cansei de toda a sua repetição constante, das linhas ambíguas que dizem tudo e nada ao mesmo tempo. Cansei das inúmeras rimas, do barulho seco e vazio que produzem quando são criadas.
Quero o tom úmido do dó, ré, mi e o toque sutil e anestesiante do fa, sol, la, si.
Quero viver de música.
Da música que não mente, que não engana, que não esconde.
Que não mata, que não decepciona, como as palavras fazem com maestria.
Quero viver de música e me perder em toda sua melodia.
Pois já cansei de ser a garota estúpida que ainda escreve sobre contos de fadas e acredita em magia.

Os olhos cor de mel encontram novamente os meus numa sala vazia e sombria.
O silêncio ainda nos consome, o medo ainda nos corrompe e palavras ainda nos constrangem.
Nossas almas já sabem, já entendem que nossa história já está morta.
E no fim de tudo, eu sou a primeira a cruzar a porta.

Sobre Amores e Estações.

Acordo num sobressalto, após um pesadelo.
Meu corpo ainda treme de medo e o coração disparado no peito dificulta qualquer tentativa de respiração tranqüila. Estico o braço para o lado direito da cama, em busca de seu corpo, de seu abraço, de proteção, mas não há nada. Não há nada além do lençol amassado e o vazio deixado pela sombra de sua carne.
Ponho-me de pé e passo a mão pelo rosto. Escuto o barulho da louça vindo da cozinha e mordo os lábios, sem saber como começar. Sem saber como iniciar este dia tão distinto, tão cinza, tão sombrio. Apenas mais um dentre os muitos dias acinzentados que temos vivido.
Olho no espelho. A maquiagem borrada – que havia esquecido de retirar – denuncia todo o martírio de uma noite gelada e silenciosa. Pergunto-me o que estou fazendo. Pergunto-me por que ainda sigo aqui, com os pés descalços e os sonhos destroçados. Quando olho para você, tento vislumbrar qualquer resquício de esperança, qualquer fragmento de um amor que agora parece uma lembrança longínqua. Talvez eu veja essa luz ou talvez eu apenas a imagine. Porque ainda me custa acreditar que tudo está por acabar.
Você nega. Você diz que estou louca. Você me dá todos os adjetivos do mundo e beija minha cabeça de forma condescendente antes de ir para o trabalho. Promete que nada vai mudar, que somos os de antes e que sempre seremos. Tudo o que consigo fazer é esticar meus lábios com muita dificuldade em um sorriso amargo e tomar um café bem forte, enquanto meus olhos acompanham-te deixar esta casa.
Sinto-te cada vez mais longe. Sinto-te escorregando por entre meus dedos, como grãos de areia que escorrem por minha pele até tocar o chão. Por mais que tente agarrá-los, tudo o que sobra em minha mão são grãos de terra, que parecem não significar mais nada.
Os dias passam. O calor do verão se esvai com a chegada do outono.
As folhas secas se jogam sutilmente das árvores e meus olhos acompanham cada detalhe da natureza enquanto tento arranjar alguma forma de voltar ao passado. De voltar ao primeiro olhar trocado, à primeira sensação de borboletas no estômago e o arrepio gostoso que sobe e desce freneticamente pela espinha. De retornar ao primeiro beijo, às primeiras palavras românticas e das pioneiras promessas que cruzaram seus lábios em forma de algodão doce.
Mas não há como. A porta da máquina do tempo está trancafiada, me obrigando a viver no presente. Me obrigando a olhar o fantasma do que você já foi um dia e me forçando a aceitar isso.
A pior parte de tudo é que não consigo ir embora. Não consigo atravessar a porta, deixar seus olhos cor de mel para trás, junto com todos os sonhos, todas as palavras, todas as promessas. Não consigo pegar a mala e largar o seu sorriso, a sua gargalhada gostosa e a voz que por tantas vezes sussurrou em meus ouvidos que viveríamos para sempre.
Não posso. Não consigo. Sou fraca, incapaz, inútil… Não consigo.
Meu corpo sempre dá um jeito de pedir desesperadamente pelo seu. Mesmo estando tão perto, mesmo com toda a parede de gelo entre nós, eu ainda me sinto como uma adolescente, boba, apaixonada e admirada pelo homem que você é. Afinal, não é isso do que se trata o amor? Um pouco de admiração, uma carga de paixão e muita, muita frustração? Muita, muita rejeição? Não sei o que os poetas pensam, o que querem dizer com os textos melados e sem sentido, mas, para mim, é como parece. Porque quanto mais você me ignora, quanto mais você me despreza e finge não se importar, eu sinto vontade de continuar aqui, esperando o dia em que você voltará a me amar. Esperando, sempre esperando, o dia que retornaremos aos cenários épicos dos nossos melhores momentos juntos. É doentio, é insuportável, é repugnante essa necessidade de te ter aqui, de vê-lo sempre perto de mim, mesmo que não sinta mais o mesmo por mim. É ridículo, deplorável, deprimente, mas, infelizmente, não há nada que eu possa fazer.
O inverno entra pela porta mascarado de uma corrente de ar frio.
Você está trabalhando sobre a mesa da cozinha, enquanto eu sigo com minha caneca de café forte sobre os lábios, admirando cada gesto seu. Me dou conta de que apenas um “bom dia” saiu de sua boca hoje e o como isso dói. De como o silêncio se torna enlouquecedor em meus ouvidos porque vem de você.
Há outro me esperando. Há outro me amando, me querendo, me aceitando.
Mas que outro? Quem, como? Porque não há. Não em mim. Não no meu mundo. Porque dentro de mim, fora de mim, ao redor de mim só há você. Só há você e apenas você. Apenas você e sua frieza, sua indiferença, mas ainda assim você. Eu não sei o que fazer, como proceder, mas ainda assim você.
Minha cabeça continua gritando que estamos morrendo.
Mas meu coração lembra que, após toda morte, há renascimento.
E que de cada renascimento vem um vida completamente nova para se viver.
Coloco a caneca sobre a pia de mármore e seguro de repente seu rosto entre minhas mãos. Meus lábios capturam os seus em um gesto rápido, porém profundo. Passo a língua sobre minha boca após sentir o seu gosto e respiro fundo ao sentir o sabor das memórias que construímos juntos. Porém seu rosto continua impassível, como se não tivesse sido afetado. Você apenas abre um sorriso misterioso, que sou incapaz de decifrar, e continua fazendo seu trabalho.
Estamos tão perto e me dói, me dói tanto.
Estamos tão longe e me dói, me dói tanto…
Abro os olhos e posso avistar uma flor desabrochar sobre o vaso em minha janela, anunciando o início da primavera.
Não olho para trás, com medo de ver mais uma vez o seu corpo ausente e apenas um lençol amassado e vazio. Permaneço no mesmo lugar, exausta, morta por dentro, gelada por inteiro.
Não consigo imaginar minha vida sem sua agridoce companhia, sem um dia ao seu lado, mas não há mais jeito. Talvez consertar o que está quebrado seja uma perda de tempo, quando é mais fácil e melhor trocar por outro. Talvez persistir em um amor cinzento seja o mesmo que persistir em um erro, que só cometemos porque não admitimos ao próprio orgulho de que ele estava certo. De que perdemos e que, mais uma vez, nos perdemos.
Por causa do amor. Sempre por causa do amor.
Respiro fundo e decido que já está na hora de partir. Que já está na hora de levantar e partir.
Mas não consigo. Não por fraqueza, não por incompetência, não por covardia… Não; não dessa vez.
Pois, agora, o que me puxa na direção contrária é um cálido braço que faz meu corpo chocar-se de leve contra o dele, fazendo-me arregalar os olhos.
“Não vá”, sussurra em meus ouvidos, como se tivesse lendo meus pensamentos. “Não levante. Tive um pesadelo. Fique aqui. Preciso de você.”
“E se eu realmente precisar ir?”, respondi com a voz trêmula e os olhos inundados de lágrimas cristalizadas.
“O que seria de um dia meu sem você?”, ele responde com a voz suave, delicada como veludo. “É primavera. Fique aqui. Atravessamos o vazio outono e sobrevivemos ao gelado inverno. É primavera. Não há porque ir. Fique aqui”.
Eu fico.
Não respondo com palavras, apenas o abraço.
Eu fico.
Não dou explicação para o meu choro, ele sabe.
Eu fico.
Não digo que ainda o amo, ele sente.
Eu fico.
O amor cinzento pode tornar a ser azul celeste. Pode sim. Sei disso.
Eu fico.
Consertar algo é sempre melhor que trocar.
Eu fico.
Afinal, o que seria de um dia meu sem ele?
Afinal, o que seria de um dia dele sem mim?
E o que seria do mundo sem nós dois juntos?
Eu sempre fico. Sempre.
E esta história recomeça com o amor levantando-se após a longa e árdua batalha dizendo, com todas as letras, para o derrotado orgulho: “Você perdeu. Porque eu… Ah! Eu finalmente me encontrei”.

Inspirado da música “Que Sería?”, de Francisca Valenzuela.