Vamos Fazer Um Acordo.

Me leve embora desta praia.
Vamos usar um ao outro.
Você me leva embora desta praia e eu
realizo todos os seus desejos.
Vamos fazer um acordo:
Apenas diversão, nunca ir além da paixão
Apenas um fim de semana correndo pelas calçadas
Ou subindo montanhas para alcançar estrelas.

Para você, digo sim para o que for.

Veja, eu não posso deixar de amar o mar.
Já faz 300 anos, múltiplas vidas e ainda sigo aqui
Sentada na areia desta praia
Desejando ardentemente pertencer a algo
Que não fará nada além de me afogar.
Já faz 300 anos, múltiplas vidas
E ainda espero que brânquias brotem em minha pele
Para que esta ânsia chegue ao fim.
Mas milagres não acontecem.
Eu sei disso.
Porém sigo esperando
Mesmo após 300 anos e múltiplas vidas.
E já não aguento mais tanto esperar!

Você poderia me ajudar?
Poderia pegar em minha mão
Devagar, gentilmente
Sorrir aquele sorriso, me preencher com seu olhar
Contar uma piada de mau gosto em meu ouvido
E me levar para longe do mar?

Vamos fazer um acordo:
Apenas diversão, nunca ir além da paixão
Pois se eu conseguir respirar
Longe das ondas, do azul, do sal,
Nem que seja por um par de dias
Nem que seja por algumas horas
E sentir meu corpo livre da dor
Eu juro, meu garoto
Para você, digo sim para o que for.

Imagine.

Imagine se eu pudesse escrever todas as coisas que eu gostaria de escrever.
Imagine, apenas imagine, se eu pudesse dizer que sou apaixonada pelo mar, tão apaixonada, que eu evito chegar perto pois tenho medo de deixar tudo para trás, mergulhar nele e me afogar.
Imagine se eu pudesse confessar que todo o meu corpo é estranho para mim, como se meu espírito estivesse no lugar errado, como se ele devesse estar em outro corpo, e por pelo menos um momento não sentir culpa por isso.
Imagine se eu pudesse colocar em palavras como esse corpo estranho treme cada vez que encontra outro corpo estranho e que eu tremo, eu tremo, eu tremo tanto que todo esse terremoto dentro de mim me faz esquecer as palavras de minha própria língua. Imagine como seria bom se eu não fosse julgada por isso. Imagine como seria bom se eu não odiasse a mim mesma por isso.
Imagine, apenas imagine, se eu tivesse talento com as palavras e pudesse moldar todos esses sentimentos ruins em poesia como minha melhor amiga faz. Se eu fosse capaz de usar metáforas, ritmo e imagem para descrever como eu sofro todo dia desde criança por sentir que esse lugar me faz mal.
Mas não consigo.
Eu só consigo dizer que eu sofro todos os dias desde a infância por sentir que esse lugar me faz mal. Sem metáforas. Sem ritmo. Sem imagem. Assim mesmo, de forma clara e sem graça.
Imagine o quão longe eu poderia ir se realmente acreditasse que sou uma borboleta, porque eu me sinto tão próxima a elas que esqueço ser humana. Mas não posso acreditar que sou uma borboleta porque fui ensinada desde tenra idade que sou humana, de carne, osso e sem asas, e que eu devo me convencer disso. (20 anos depois e eu ainda não consigo me convencer disso).
Imagine se eu pudesse admitir todas essas coisas em público, deixando todo o podre ir embora e finalmente deixando de vomitar sentimentos em forma de bile, de sentir meu estômago doer toda a porra do dia, deixando de ter esses pesadelos que sugam toda a energia boa da minha alma e finalmente falando, cantando, gritando, finalmente, finalmente… sendo eu.
Sem vergonha. Apenas um dia na minha vida sem sentir vergonha.
Imagine se eu pudesse viver sem vergonha. Ah, é um pensamento maravilhoso! Mas, ainda assim, apenas um pensamento.
Imagine se eu pudesse escrever todas as coisas que gostaria de escrever.
E pudesse viver o mar.
E pudesse me sentir.
E pudesse me relacionar.
E pudesse ser poesia.
E borboleta.
E pudesse falar.
Sem vergonha.
Simplesmente falar.
Aqui e agora.
Imagine.
Apenas imagine.