Saúde Mental Em Tempos de (Mais) Crise

Muito se tem ouvido nos últimos dias sobre os cuidados que devemos ter com a chegada do novo corona vírus em nosso país. Os jornais na tv e a internet nos passam informações a todo momento sobre como se cuidar, como lavar as mãos corretamente, os diversos apelos para que as pessoas não saiam de casa e novidades em tempo real chegam a todo tempo. O cuidado com a saúde e todas as questões materiais é primordial, entretanto, o cuidado com o nosso emocional também é. E, infelizmente, vejo poucas pessoas e veículos abordarem esse tema tão importante que é a saúde mental em tempos de (mais) crise.
A quarentena vem sendo tratada como algo simples de se fazer e apenas “chato”, não poder trabalhar, não poder sair de casa, não poder encontrar os amigos e ter todas as atividades de lazer com as quais estamos acostumados. Listas de filmes, documentários, livros, séries e novelas rolam aos montes por aí como dicas super válidas para ajudar a atravessar esses dias imprevisíveis que estamos vivendo. Entretanto, pouco se fala sobre pessoas que lutam todos os dias contra a depressão, síndrome do pânico, bipolaridade, alcoolismo, violência e abuso dentro de casa, além de muitos outros transtornos que requerem uma atenção mais do que especial.
Se toda essa situação de pandemia e quarentena está sendo terrível pra você que não precisa lidar com essas questões, imagina pra quem literalmente precisa estar em contato com outras pessoas e estar fora de casa pra sobreviver aos demônios da própria cabeça. Pessoas que precisam do trabalho, dos amigos, de uma vida regulada para não se perderem de vez.
Ficar em casa deveria ser sinônimo de segurança, mas para muita gente não é. Muito pelo contrário. Não é novidade pra ninguém o tanto de família que vive refém de todas essas questões citadas anteriormente e muitos deles sem tratamento. Agora imaginem todo mundo preso no mesmo lugar por tempo indeterminado e vendo todos os dias na tv o mundo fora de controle. É a receita ideal para um desastre também emocional.
Todos estamos abalados com o que está acontecendo, mas tem gente à beira do abismo e que só precisa de uma palavra de carinho. Que precisa de mais amor, de mais atenção, de mais cuidado. Saúde mental é tão importante quanto a saúde física. Jamais subestimem a importância da saúde mental, principalmente nesses tempos. Por isso, eu imploro para que vocês que conhecem pessoas que estão nessa situação que cuidem muito, que mesmo que de longe, por mensagem ou ligação, ofereçam uma palavra amiga, um conforto para seus amigos e parentes que vocês sabem que vivem esse tipo de situação. Às vezes um carinho é suficiente para salvar uma vida. Apoiar o setembro amarelo e militar na internet sobre a importância dos cuidados com a saúde mental é algo muito simples de se fazer. Não seja simples, faça mais, faça o que você puder. A hora de mostrar o quanto você se importa de verdade com seu meio social é agora.
Precisamos nos distrair e tentar atravessar este momento da melhor forma possível, mas não se esqueçam do mais importante: desinfetem tudo com frequência, não saiam de casa, alimentem-se bastante e liguem, façam uma chamada de vídeo, enviem uma mensagem para aquele amigo ou parente que está passando por alguma dificuldade emocional mais grave para dizer que a vida dele importa, que ele é amado e que não está sozinho.
Em tempos de crise e pânico, é cuidando um dos outros e amando uns aos outros que vamos conseguir sobreviver.
Talvez seja uma ótima oportunidade pro ser humano parar de sentir vergonha de demonstrar sentimentos e dizer um “eu te amo”. Vamos tirar boas lições deste momento e sermos os melhores que pudermos ser. Sua demonstração de afeto pode salvar mais uma vida. Não se esqueçam disso.
Fiquem bem!

Imagine.

Imagine se eu pudesse escrever todas as coisas que eu gostaria de escrever.
Imagine, apenas imagine, se eu pudesse dizer que sou apaixonada pelo mar, tão apaixonada, que eu evito chegar perto pois tenho medo de deixar tudo para trás, mergulhar nele e me afogar.
Imagine se eu pudesse confessar que todo o meu corpo é estranho para mim, como se meu espírito estivesse no lugar errado, como se ele devesse estar em outro corpo, e por pelo menos um momento não sentir culpa por isso.
Imagine se eu pudesse colocar em palavras como esse corpo estranho treme cada vez que encontra outro corpo estranho e que eu tremo, eu tremo, eu tremo tanto que todo esse terremoto dentro de mim me faz esquecer as palavras de minha própria língua. Imagine como seria bom se eu não fosse julgada por isso. Imagine como seria bom se eu não odiasse a mim mesma por isso.
Imagine, apenas imagine, se eu tivesse talento com as palavras e pudesse moldar todos esses sentimentos ruins em poesia como minha melhor amiga faz. Se eu fosse capaz de usar metáforas, ritmo e imagem para descrever como eu sofro todo dia desde criança por sentir que esse lugar me faz mal.
Mas não consigo.
Eu só consigo dizer que eu sofro todos os dias desde a infância por sentir que esse lugar me faz mal. Sem metáforas. Sem ritmo. Sem imagem. Assim mesmo, de forma clara e sem graça.
Imagine o quão longe eu poderia ir se realmente acreditasse que sou uma borboleta, porque eu me sinto tão próxima a elas que esqueço ser humana. Mas não posso acreditar que sou uma borboleta porque fui ensinada desde tenra idade que sou humana, de carne, osso e sem asas, e que eu devo me convencer disso. (20 anos depois e eu ainda não consigo me convencer disso).
Imagine se eu pudesse admitir todas essas coisas em público, deixando todo o podre ir embora e finalmente deixando de vomitar sentimentos em forma de bile, de sentir meu estômago doer toda a porra do dia, deixando de ter esses pesadelos que sugam toda a energia boa da minha alma e finalmente falando, cantando, gritando, finalmente, finalmente… sendo eu.
Sem vergonha. Apenas um dia na minha vida sem sentir vergonha.
Imagine se eu pudesse viver sem vergonha. Ah, é um pensamento maravilhoso! Mas, ainda assim, apenas um pensamento.
Imagine se eu pudesse escrever todas as coisas que gostaria de escrever.
E pudesse viver o mar.
E pudesse me sentir.
E pudesse me relacionar.
E pudesse ser poesia.
E borboleta.
E pudesse falar.
Sem vergonha.
Simplesmente falar.
Aqui e agora.
Imagine.
Apenas imagine.