Instapost 003 – Em Branco

Foto autoral ©

Costumo dizer que o pior pavor do escritor é uma página em branco. Por mais que a gente já tenha uma determinada ideia na cabeça, as cenas, os personagens, tudo planejado, quando abrimos um caderno ou algum documento no computador, bate aquele medo de não saber qual a melhor maneira de começar. E às vezes esse medo é tão grande que, mesmo sabendo o que é preciso escrever, a gente fecha tudo e decide que talvez seja melhor começar no dia seguinte, quando as circunstâncias estiverem mais propícias ou estivermos mais inspirados. Só que o dia seguinte vem, a página em branco segue ali, o medo bate de novo e o ciclo se repete. Quando percebemos, passou uma semana e a página segue lá, lisinha, intocada, sem nenhuma história gravada nela, sem nenhum roteiro básico sequer. O quanto acabamos perdendo por medo de perder, não é verdade?
Olhando para uma página em branco essa semana, foi inevitável fazer uma comparação com a vida “real”. Para mim, nossas vidas são como livros onde todos os dias escrevemos a nossa história e essa história será o legado que deixaremos por aqui quando chegar o momento de partirmos. Só que às vezes – mais vezes do que gostaríamos – o caderno número X de nossa trajetória se acaba e então precisamos pegar um novo e recomeçar tudo desde o início. Na maioria das vezes essa não é uma escolha nossa, a gente não queria que aquele caderno acabasse, tudo estava tão perfeito, tão completo, tão bem escrito! Mas a última folha sempre vem e somos obrigados pela vida a começar uma nova história, em um novo caderno, mesmo que não tenhamos ideia de como iniciar a primeira frase. Para os ansiosos como eu, isso é um verdadeiro inferno, olhar para um caderno cheio de folhas em branco, sem saber como preencher aquilo tudo, temendo aonde aquela nova ideia vai dar, como vai ser, e se eu odiar tudo e querer queimar o caderno já na metade, e se eu amar tanto que vou ter que enfrentar o fim algum dia, e se ficar ruim demais e me causar vergonha, e se ficar bom demais e eu precisar deixar ir de novo, e se e se e se?
No meio de tantos questionamentos, em pânico, todos os dias eu fecho o caderno da minha própria vida, achando que é melhor começar de novo no dia seguinte, quando eu estiver menos ansiosa, quando o ambiente estiver mais propício, quando estiver com menos medo, quando tudo estiver perfeito para começar. Só que o ambiente nunca está propício e eu nunca estou menos ansiosa, o que acaba virando um círculo vicioso de frustração e ansiedade, enquanto a página em branco da vida segue lá parada, esperando um ato de coragem para finalmente começar a ser escrita. Foi então que pensei: “Talvez seja só começar. Não precisa ser perfeito, não precisa ser a frase ideal, não precisa me dar orgulho no primeiro parágrafo, só precisa ser alguma coisa. Qualquer coisa. Para uma história começar, é preciso de uma primeira linha. Para a vida andar, é preciso um primeiro passo.”
As melhores histórias que eu criei, aquelas que eu tenho o maior orgulho, comecei sem ter ideia de onde estava indo. Ou talvez fizesse sim alguma ideia, mas com o passar do tempo, tudo acabou mudando e terminou melhor do que eu poderia imaginar. A Need, por exemplo, quando eu criei ela lá em 2000 e bolinha, era pra ser só uma novela de 60 páginas. E acabou virando um romance de mais de 600 páginas, um romance que quando eu tinha 18 anos eu jamais pensei ser capaz de escrever. Eu só comecei a escrever e pronto. E acabou sendo uma das melhores coisas que eu já fiz na vida.
Como sempre, escrevo esses pensamentos aqui para mim, para me lembrar de que às vezes as coisas são mais simples do que minha mente ansiosa e paranóica me faz crer, mas compartilho esses pensamentos doidos também pois, quem sabe, assim como eu, alguém esteja apenas precisando dar um primeiro passo para começar uma nova história.
A folha em branco é muito, muito assustadora, mas sem uma primeira frase, nenhuma história começa. Sem o primeiro passo, nenhuma trajetória recomeça. Então, comecemos.
Quem sabe esta nova história não será a melhor história que escreveremos em nossas vidas?

“O Amor”, Por Khalil Gibran

o amor

Este belíssimo texto foi retirado do livro “O Profeta”, do escritor libanês Khalil Gibran. É um texto que considero um dos pontos altos do livro e nos traz uma grande oportunidade para fazer refletir o que é aquilo que entendemos como o amor.

“Todas essas coisas o amor fará por vós a fim de que vos torneis sabedores dos segredos de vossos corações, e que, imbuídos desse saber, vos transformeis num fragmento do coração da Vida.

Mas se, por receio, desejais buscar somente a paz e o gozo do amor,
E melhor cobrir vossa nudez, e abandonai a eira do amor,
Para que possais entrar no mundo sem estações, onde podereis rir, mas não todo o vosso riso, e chorar, mas não todo o vosso pranto.
O amor dá de si apenas, e anda recebe senão de si próprio.
O amor não possui nem quer ser possuído;
Pois o amor ao amor se basta.

Quando amardes, não deveríeis dizer: ‘Deus está em meu coração’, mas sim: ‘Eu estou no coração de Deus’.
E não pensai que serieis capazes de determinar seu curso, pois o amor, se considerar-vos dignos, direcionar-vos-á.

O amor não tem outro desejo senão o de atingir sua plenitude.
Mas se amardes e necessitardes ter desejos, que sejam estes:
O de vos tornardes a corrente de um riacho a entoar o seu canto para a noite;
O de conhecerdes a dor de tanta ternura;
O de serdes feridos por vossa própria compreensão do amor;
E sangrardes de bom grado e alegremente;
O de despertardes ao alvorecer com o coração alado e agradecerdes por mais um dia de amor;
O de retornardes à casa ao anoitecer, plenos de gratidão;
E então adormecerdes com uma oração para o bem-amado em vossos corações e uma cantiga de louvor em vossos lábios.”