Esta semana terminei de ler um livro de poesias de uma escritora italiana chamada Martina Vivian. Nunca tinha ouvido falar nela e nem pretendia ler nada nesse idioma por agora, mas, como sempre digo que são as melhores leituras, apenas “aconteceu”.
Encontrei o livro por puro acidente em um sebo de rua, naquelas promoções maravilhosas de “leve 3 por 10”. Ele estava embaixo de um outro livro aleatório e, quando o vi, fiquei surpresa de encontrar uma coletânea de poesias em italiano, o que não é muito comum por aqui. E fiquei ainda mais surpresa quando percebi que ele estava em perfeito estado, como novo, como se nunca tivesse sido lido. Como estou praticando o idioma, pensei “por que não?”. E acabei levando o livro pra casa.
As poesias de Martina Vivian são muito pessoais, como se tivessem saído de seu diário particular. Acredito que ela tenha escrito após uma forte decepção amorosa – o que, vamos combinar, acaba gerando as melhores obras – e colocou no papel todo o seu processo de luto sobre o fim da relação e o caminho para a superação. Gostei, gostei muito. E fiquei satisfeita ao perceber que estou bem familiarizada com a língua, pois acho que entendi 90% do livro.
Ler Martina Vivian me faz pensar como nossas palavras podem viajar pelo mundo sem que tenhamos ideia. Acredito que, neste momento, a moça italiana nem imagina que tem alguém no Brasil fazendo uma análise do livro dela, alguém que se identificou com muito dos poemas e que ficou pensando como queria conversar com ela sobre a vida, pois sua visão de mundo parece um pouco com a minha. Mesmo escrevendo há tanto tempo e ter tido a sorte de ser lida por muita gente na época do Orkut, ainda fico fascinada como histórias podem atravessar fronteiras e mudar a vida de pessoas que nem conhecemos. Como estamos conectados mesmo sem ter ideia de quem somos, como diria Delta Goodrem.
Escolher o caminho da escrita, da literatura e da poesia, envolve muita coragem e determinação, pois não é fácil atrair a atenção das pessoas nesse mundo que gera milhões de conteúdos todos os dias, não é fácil ter que abrir mão de uma vida mais tradicional, por assim dizer, para se dedicar a esse tipo de trabalho onde você fala sozinho a maior parte do tempo. Não sei se o livro de Martina fez algum sucesso na Itália, pois não encontrei maiores informações sobre ele ou sobre a autora, e não sei se ela ficou ou não frustrada por seu livro não ter tido um alcance maior. De qualquer forma, de uma maneira que eu jamais vou saber ao certo, o seu livro cruzou o Atlântico, foi parar num sebo de rua, chegou até mim e me tocou profundamente. Como não ver beleza nisso? Como não achar que, no fim, por mais que pensemos que estamos falando sozinhos, tem sempre alguém em algum canto do mundo ouvindo com atenção tudo o que temos para dizer?
E é por isso que sigo fazendo o que faço: a poesia e a literatura têm uma força que foge à nossa compreensão… e acho isso tudo bonito demais! Acho que me arrependeria para sempre se escolhesse outro caminho para mim e decidisse não fazer parte disso.
Enquanto sigo meu trabalho de formiguinha, enquanto sigo gritando em um mundo onde todo mundo parece conseguir gritar mais forte que eu, só posso desejar que um dia minhas palavras também atravessem fronteiras e façam alguma diferença na vida de alguém, assim como as palavras de Martina fizeram na minha.
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Resenha: Select Poems of Emily Dickinson.
“My life closed twice before its close;
It yet remains to see
If immortality unveil
A third event to me,
So huge, so hopless to conceive,
As these that twice befell.
Parting is all we know of heaven,
And all we need of hell.”
“Selected Poems of Emily Dickinson” foi o único livro que consegui ler no mês de junho (a vida anda corrida demais se concentrar parece cada vez mais difícil…) e foi uma leitura ao mesmo tempo enriquecedora e desafiadora.
A poesia de Emily Dickinson se torna ainda mais especial quando você conhece um pouco da história da poetisa e consegue enxergar perfeitamente o caráter dela em sua obra. No geral, eu não gosto de poesia muito arquitetada, como se tivesse sido feita para impressionar mais do que para tocar o leitor. Poesia para mim tem um sentido muito maior, é quase como um caminho de cura quando tudo dói aqui dentro. Poesia não tem que ser pensada, tem que ser sentida profundamente, tem que ser um espelho onde outros vão se olhar e encontrar o próprio reflexo. E é exatamente isso o que sinto quando leio a poesia de Emily, eu consigo ver um pouco de mim nela, eu consigo enxergar um pouco da minha própria vida em suas palavras, mesmo que estejamos separadas por mais de um século de distância.
Foi a primeira vez que me arrisquei em ler Emily Dickinson no idioma original em inglês e essa foi a parte mais desafiadora. Confesso que penei bastante para entender o sentido de alguns poemas em função do inglês antigo e a forma com que Emily emprega as palavras na estrutura dos versos. Creio que consegui compreender 80% dos poemas dessa coletânea, então vou considerar isso uma vitória.
Para aqueles que não conhecem a obra de Emily, recomendo que procurem saber mais sobre sua biografia, pois acho essencial para ter uma visão mais abrangente de sua obra. Para mim, ela é uma das maiores poetisas da história e a forma como descreve o mundo em versos é uma inspiração para mim como escritora.
Ressalto também a edição belíssima da Barnes&Noble que fez um trabalho de encher os olhos na produção do livro e tornou a minha experiência de leitura ainda mais bonita. Um bom livro + um belo trabalho gráfico é o sonho de qualquer leitor e essa edição é extremamente satisfatória, tanto do ponto de vista literário, quanto estético.
Título: Selected Poemas Of Emily Dickinson
Autor: Emily Dickinson
Editora: Barnes&Noble
Número de Páginas: 116
Sobre “Mulheres Que Correm Com Os Lobos” E Um Relato Pessoal
Sempre acreditei que os livros carregam uma espécie de magia. Eles têm o poder de te transportar para outros mundos, de mudar toda a sua vida em apenas algumas centenas de páginas e também de aparecer no seu caminho na hora certa, quando você mais estava precisando ler o que ele precisava lhe dizer. Penso que nem sempre escolhemos os livros… às vezes, sem que possamos perceber, são eles que escolhem a gente.
O livro “Mulheres Que Correm Com Os Lobos”, da psicóloga e escritora Clarissa Pinkola Estés, há três anos mora na minha estante e, apesar de ter uma vontade enorme de lê-lo, sempre acabava deixando pra depois e depois e depois até que ele passou todo esse tempo lá, intocado.
Desde a virada do ano eu tenho passado por uma profunda transformação emocional. A vida me obrigou a encarar meus piores medos, meus piores traumas para que pudesse sair do meu lugar de vítima e agarrar em minhas mãos minha verdadeira identidade, a me olhar no espelho e entender a mulher que sou e principalmente a mulher que quero ser. Nesse processo de profunda dor e autodescoberta, eu achei lá em janeiro um trecho em um site desse livro que definia perfeitamente o momento pelo qual eu estava passando e entendi que já estava mais do que na hora de encarar essa beleza de quase 600 páginas.
Nunca acreditei em coincidências e vejo o mundo como uma grande conexão, onde nos ligamos a certas pessoas e a certas coisas na hora certa. Mas a minha relação com esse livro foi além de qualquer explicação possível.
Nessa minha fase de “destruir para reconstruir” eu tive esse livro como guia, como se ele tivesse mesmo falando comigo. Ficava chocada como a cada trauma revivido, a cada monstro dentro de mim que eu precisava enfrentar, eu encontrava as respostas a cada capítulo lido. Pude ver todo o meu passado, todo o meu presente e prever o meu futuro a cada página virada. Em 4 meses eu adquiri uma sabedoria e uma compreensão de mim mesma como ser humano e, acima de tudo, como mulher, que não me foi possível em meus 28 anos vividos.
A leitura foi finalizada e eu ainda sigo no processo. Ainda tem muita dor pra curar, muito trauma pra entender e trabalhar, muita coisa pra evoluir. Mas sigo muito mais consciente do que eu quero, do que eu mereço e também amando muito mais o que sou e o que minha dor é capaz de produzir através da arte, da minha arte, essa arte que negligenciei por tanto tempo, mas agora não mais.
Desejo que toda mulher tenha contato com esse livro pelo menos uma vez na vida. Mas que chegue no momento certo, na hora em que você esteja mais precisando, para que ele possa ser apreciado e compreendido como deve ser. Para que ele dialogue com seus dilemas e suas dores. Para que ele ofereça respostas quando nada mais ao seu redor fizer sentido, nem você mesma. Para que ele também seja um caminho para a sua cura.
E como saber qual é o momento certo, quando você estará pronta para desfrutar dessa magia transmutada em palavras? Apenas deixe que ele chegue até você.
Os melhores livros sabem o caminho. Eles sempre sabem.
Charlotte: Uma Biografia Poética.
“Diante das incoerências maternas, Charlotte era dócil.
Domava sua melancolia.
É assim que nos tornamos artistas?
Acostumando-nos às loucura dos outros?”
Descobri o livro “Charlotte” em mais uma daquelas minhas costumeiras andanças por livrarias da cidade. Começa sempre da mesma maneira: entro na livraria pensando “sou vou entrar para sentir o cheiro dos livros e nada mais” ou “só preciso estar perto de livros para espairecer um pouco, mas prometo que não vou comprar nada” e saio de lá com mais um (ou dois, ou três…) livros na mão. A descoberta de “Charlotte” foi um encontro parecido com o que tive com “A Condessa Cega e a Máquina de Escrever”. Apenas um livro que eu puxei de uma estante qualquer, gostei da capa, gostei da sinopse e então resolvi arriscar. E é incrível como essa minha mania de encontrar livros avulsos e desconhecidos em estantes por aí sempre se mostra bastante recompensadora.
“Charlotte’, do escritor francês David Foenkinos, é uma biografia romanceada da pintora alemã Charlotte Salomon, morta em Auschwitz ao final da Segunda Guerra Mundial. O escritor tem uma verdadeira obsessão pela história desta mulher e mistura os fatos que aconteceram à ela desde o inicio de seus dias à peregrinação pela Alemanha e França atrás dos lugares onde ela pisou e o legado que deixou. Toda sua escrita é carregada de admiração e paixão, sentimentos estes que foram expostos de maneira bem interessante através de versos e não de prosa. É a primeira vez que leio uma biografia de alguém como se estivesse lendo uma poesia e gostei bastante da experiência, apesar de sentir que muita coisa se perdeu na tradução e que, em alguns momentos, a forma com que as palavras foram organizadas não fazia muito sentido em nossa língua.
Livros que envolvem a Segunda Guerra Mundial sempre me deixam com um nó na garganta ao imaginar o que todas aquelas pessoas passaram, principalmente as mulheres. Apesar da escrita de David Foenkinos ser bem fluida, o livro em si é denso, é triste e deixa uma sensação de ressaca após o término. Contudo, é uma leitura que vale muito a pena, principalmente por apresentar a nós, brasileiros, que em geral não temos muito contato com a arte alemã, principalmente porque a biografia não fala apenas de Charlotte, mas também menciona figuras importantes como Albert Salomon, pai de Charlotte e o médico que descobriu a cura para a úlcera; Paula Salomon-Lindberg, uma famosa cantora de ópera e madrasta de Charlotte; Ludwig Bartning, artista e professor na escola alemã de Belas Artes; além de nomear famosos e intelectuais como Kurt Singer, Aby Warburg e até uma breve aparição de Hannah Arendt.
Em tempos de exaltação à tortura e retorno à barbárie, livros como a biografia Charlotte são sempre um convite à reflexão e à lembrança de tempos obscuros e carregados de derramamento de sangue que não devem, jamais, voltar a nos assombrar.
“Charlotte” é um registro em forma de poesia de tudo o que pode haver de mais belo no mundo – e também de mais cruel.
Uma leitura imprescindível em qualquer época.
Título: Charlotte
Autor: David Foenkinos
Editora: Bertrand Brasil
Número de Páginas: 238
Vidas Secas E A Questão Da Identidade
Como todo livro clássico, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, pode ser lido por diferentes aspectos. É possível abordar a seca nordestina e o sofrimento dos retirantes, a relação do homem com os animais ao seu redor, a inteligência de Sinhá Vitória, que mesmo não tendo estudo sabia contar e mantinha a estrutura da família, entre tantos outros temas. Eu abordarei Vidas Secas pela perspectiva da identidade – ou a falta dela – de Fabiano, o protagonista do livro.
Fabiano é nordestino, analfabeto, homem do campo. “Um bruto”, como costuma referir a si próprio inúmeras vezes. Ele e a família – a mulher, dois filhos e a cachorra Baleia – são retirantes, obrigados a se deslocarem a pé por terras e terras para fugirem da seca. Depois de muita luta na estrada, a família de Fabiano se abriga em uma parte abandonada de uma fazenda. Alguns dias depois, o dono aparece e, após uma conversa, acaba contratando Fabiano como vaqueiro.
Na página 18 podemos observar o seguinte trecho: “Ele não era um homem. (…) Encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra”.
Na página 36: “Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos… Nunca viu uma escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus lugares.”
Na página 55: “Tinha um vocabulário quase tão minguado como o do papagaio que morrera no tempo da seca.”
Os três trechos apontam a falta de identidade de Fabiano. Por não saber ler, nem escrever, não sabia se expressar. Seu vocabulário era limitado, falava através de murmúrios, onomatopeias, o que o reduzia quase a um animal. Se um homem não pode ser identificar como homem, então o que é? Qual o seu papel no mundo? Para onde poderá ir, o que poderá alcançar?
No caso de Fabiano era mais fácil saber-se uno com os bichos, já que, assim como ele, também murmuravam, existiam através de ruídos e eram jogados para lá e para cá dependendo da condição do ambiente. Os homens brancos, como seu patrão, não se assemelhavam a ele: tinham terras, sabiam mandar, sabiam ler e contar, tinham estudo, eram gente. Apesar da biologia, eles não eram iguais e o nunca o seriam perante a sociedade.
É perturbador refletir que uma pessoa de carne e osso, que pensa, que – mal ou bem – fala e vive se sinta mais parecido com uma cabra do que com um ser humano. E é mais perturbador ainda saber que, como Fabiano, existem milhões por aí, principalmente em nosso país, em nossa esquina, que se sentem e vivem da mesma forma.
Um outro trecho, na página 76, diz: “Como ele era manipulado por não saber nada. E como ele temia saber e ser obrigado a sair de sua situação de bicho.”
Fabiano não sabia de nada desde que nascera. Seu conhecimento era de terras, de vida dura, do sertão. Não conhecia-se nem como gente e o reconhecer-se bicho já fazia tanto parte de sua personalidade – talvez a única identidade que possuía – que ele temia sair dessa condição. Se por acaso viesse a aprender a ler, escrever e ganhar algum saber, ele seria obrigado a perder essa identidade de animal e adquiriria uma identidade de homem. E então, o que seria dele? Pode ser apavorante para uma pessoa que não tem nada imaginar-se num mundo onde se tem tudo.
“Se aprendesse qualquer coisa…”, relata o narrador na página 22, “necessitaria aprender mais, e nunca ficaria satisfeito.” Como em Fabiano, o saber causa medo a muita gente. Não é difícil ouvir dizer por aí que ler muito pode enlouquecer as pessoas, que livros manipulam a cabeça dos jovens e alguns mais radicais colocam até o diabo na questão. Mas Graciliano mostra que é justamente o contrário: quanto mais se lê, quanto mais se sabe, mais um homem pode fazer cargo da própria vida. Quanto mais se aprende, mais um homem, pode evitar ser manipulado, mais um homem pode expressar suas ideias, sentir-se dono de seu próprio ser e ser livre para pensar e criticar tudo ao seu redor. Não à toa a primeira atitude de governos totalitários é queimar livros que ofereçam “perigo” ao poder instituído. Porque não há arma mais forte e mais poderosa que o saber. E junto com o saber vem a crítica, a luta por um mundo melhor e uma humanidade mais justa. Entretanto, o saber crítico dá trabalho e como dá! É necessário muita leitura, direcionamento por parte de professores preparados, força de vontade para sair de sua bolha, de sua zona de conforto e olhar o mundo como algo que vai muito além de você e do seu quadrado. Muitas pessoas não querem – ou não foram ensinadas – ir além de sua ignorância.
Ninguém nunca disse a Fabiano que ele poderia ser homem. Que ele tinha direito a ser homem, não biologicamente falando, mas sociologicamente. Por isso, ele nunca se sentiu e nem sabia que era possível se sentir como homem.
Um personagem que se mostra diferente devido a seu saber e costuma aparecer freqüentemente no livro, apesar de ser apenas na fala e na lembrança de Fabiano, é o Tomás da bolandeira, um homem do sertão como ele. Porém, segundo o protagonista, Tomás da bolandeira “falava bem, estragava os olhos em cima de jornais e livros” e Fabiano sentia uma certa inveja de como o velho se expressava com eloqüência. Ele tentava imitar o respeitado senhor versado em livros, mas nunca dava certo, sempre se atrapalhava com as palavras, pois “um sujeito como ele não havia nascido para falar certo.” (pág. 22) Como não conseguia ir além de um par de palavras ditas, Fabiano encolhia-se como bicho e retornava à toca da ignorância. Para ele, não poderia haver nada além disso.
Graças à sua rudeza, Fabiano era constantemente enganado pelas pessoas ao seu redor, principalmente pelo patrão, que lhe pagava menos do que o merecido, o que foi descoberto por sua astuta esposa, Sinhá Vitória. Quando Fabiano foi questioná-lo, este usou de seu poder para lhe dizer que procurasse trabalho em outro lugar, tendo a perfeita ciência de que o maior medo daqueles que têm pouco é terminar sem nada. Diante da ameaça, o protagonista encolhe-se outra vez e pede desculpas, alegando que sua esposa deve ter feito algum cálculo errado. Fabiano sai do encontro ainda empregado, porém, ainda mais ciente de sua inexistência como homem.
Graciliano Ramos é considerado um dos maiores autores da literatura brasileira e Vidas Secas exemplifica bem o porquê disso. O livro é carregado de denúncias sobre a injustiça das classes sócias, do abuso de poder, e da miséria física e psicológica que sofre a maior parte da população brasileira. Lançado 1938, o autor escreve sobre um Brasil que ainda conhecemos em 2018. O que mudou de lá pra cá? Quantos milhões de Fabianos, que não tem nem o direito de saber assinar o nome, existem por aí? Quantos mais continuarão a existir nos anos que se seguirem?
Parafraseando o narrador, o povo brasileiro trabalha como um negro e nunca arranja a carta de alforria. E há muitos donos de escravos – sejam eles de barro nas calças ou de terno e gravata – que querem que tudo continue assim.
Livro: Vidas Secas
Autor: Graciliano Ramos
Editora: Record
Número de Páginas: 155
Sejamos Todos Feministas – O Livro Que Toda Pessoa Deveria Ler
“A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura.”
“Sejamos Todos Feministas”, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, é um ensaio derivado de uma palestra que a escritora ofereceu em uma conferência Ted em dezembro de 2012. Chimamanda foi aplaudida de pé e a palestra fez tanto sucesso que a autora reescreveu alguns trechos e lançou uma nova versão em livro.
No ensaio, a autora aborda o tema da desigualdade de gêneros e nos mostra alguns exemplos que ela, amigas e conhecidas (com as quais todas as mulheres seguramente vão se identificar!) sofreram por causa do machismo que povoa quase todas as culturas desde o início dos tempos. Chimamanda também conta casos de amigos homens que, apesar de serem boas pessoas, também mantinham atitudes e pensamentos machistas e excludentes, devido a uma educação que ensina, tanto aos meninos quanto às meninas, que os homens devem escolher e mandar e as mulheres apenas obedecer. Esse tipo de educação não pode mais ser perpetuada nos dias de hoje.
“Precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente”, diz a autora em um dos trechos do livro. Não podemos querer que o conceito de uma sociedade mude se continuamos a educar as nossas crianças da mesma forma com que nossos pais nos criaram. Se ninguém diz a uma menina que ela não deve se sentir inferior por causa de seu gênero ou se ninguém explica a um menino que uma garota tem os mesmos direitos e poderes que ele, não podemos esperar que eles se tornem adultos bem resolvidos e realizados.
“Sejamos Todos Feministas” é uma introdução do que é realmente o pensamento feminista. É um livro que pode e deve ser livro por qualquer pessoa, de qualquer idade, quer você se sinta homem ou se sinta mulher, quer você seja quem seja. O livro possui apenas 63 páginas de linguagem fácil e clara, seus olhos não irão ficar cansados e seu cérebro irá agradecer por poder absorver grandiosas informações.
O livro é apenas um ensaio pequeno e por isso não entra em questões mais profundas, que devemos procurar futuramente para nos inteirarmos mais sobre o assunto. Mas é uma enriquecedora introdução, principalmente para aqueles que ainda possuem ideias tão tortas e desinformadas sobre o que é o feminismo.
O feminismo não é o contrário do machismo, não é pregar uma troca de papéis onde as mulheres devem mandar e controlar o mundo enquanto os homens apenas precisam obedecer. Feminismo é libertar-se da ideia de que somos um gênero mais fraco, menor e incapaz de fazer e realizar as mesmas coisas. É ouvir o outro lado, é se interessar e admirar as diferenças entre os sexos e respeitar-nos acima de tudo como iguais. Somos todos seres humanos e queremos um mundo melhor para nossos descendentes. Comecemos por dar o exemplo.
O livro físico não custa mais do que quinze reais e a cópia digital grátis pode ser encontrada na Amazon.
Leia o livro, absorva as palavras, reflita e então permita que este pequeno livro chegue às mãos do maior número de pessoas possível. Espalhar palavras e ideias que abram a cabeça das pessoas é nosso dever como individuo em uma sociedade. Se queremos mesmo um mundo melhor, façamos por onde.
Parafraseando Mário Quintana, livros são capazes de mudar pessoas e pessoas são capazes de mudar o mundo. Acredito que “Sejamos Todos Feministas” seja um destes livros.
Livros Desconhecidos: A Condessa Cega E A Máquina De Escrever
“Eu vagava pela floresta havia dias. Você era, pelo que me lembro, um pequeno córrego que não constava de nenhum mapa. Eu mesmo não a marquei no meu, pensando em mantê-la como um segredo, mas, por outro lado, nunca consegui achar o meu caminho de volta.”
Sou apaixonada por descobrir livros desconhecidos. Livros dos quais você nunca ouviu falar e nem sequer conhece o seu autor. Todos nós (espero!) já nos deparamos com um livro assim: aquele que você encontra no cantinho das enormes prateleiras de uma livraria e sente uma imediata conexão com a capa e com a sinopse. É uma compra arriscada, de fato, pois é complicado gastar dinheiro em algo tão desconhecido para depois, quem sabe, odiar. Mas em todas as minhas compras “arriscadas”, até o presente momento, fui muito feliz. E o livro “A Condessa Cega e a Máquina de Escrever” foi mais um que entrou para essa lista de descobertas magníficas.
Apesar da escritora Carey Wallace ser americana, a história se passa na Itália do século XIX. Carolina, uma jovem e bonita condessa, vai perdendo a visão gradativamente. Ela tenta alertar aos pais e ao noivo sobre o que está acontecendo, porém ninguém acredita em suas palavras. Só quem lhe dá algum crédito é Turri, seu vizinho e melhor amigo. Conforme vai vendo o mundo se apagando com o passar dos dias, Carolina abre os olhos para o mundo mágico dos sonhos, muitas vezes ajudada pela imaginação irrefreável de Turri. Quando toda a luz se vai para sempre, ela ainda consegue se enxergar em sonhos e é isso que a mantém viva.
A protagonista da história é Carolina, mas Turri rouba as cenas nos poucos (talvez nem tão poucos assim, eu é que queria Turri presente em todas as páginas mesmo!) capítulos em que aparece. Dono de uma personalidade única e que vai na contramão do estilo da sociedade em que vive, Turri é marginalizado por suas invenções mirabolantes. Se tivesse recursos e oportunidades maiores, seguramente entraria para a História como algum cientista que mudou para sempre a forma como as pessoas vêem o mundo. Mas como está preso a um pequeno vilarejo na Itália, ele é apenas considerado louco, pois suas experiências nem sempre dão certo. Sua curiosidade é tão grande que Turri vive para descobrir respostas às coisas mais simples, como por que a chuva cai do jeito que cai ou por que jogar uma pedra sobre a água provoca sobre a mesma movimentos circulares. Ninguém tem paciência para as experiências de Turri, apenas Carolina, que muitas vezes também participa de suas invenções.
Carolina e Turri se complementam e se entendem, se enxergam além das aparências e se cuidam com tanta ternura que acaba sendo difícil para ambos manter tanto amor apenas mascarado de amizade, ainda que ambos sejam comprometidos. E é a partir de um presente especial de Turri que a vida de Carolina muda para sempre.
“A Condessa Cega e a Máquina de Escrever” vai muito além de uma clichê história fofa de amor, pois traz um final que alguns leitores acostumados com o mesmo enredo “príncipe-encontra-princesa-e-chega-o-final-feliz” podem não gostar muito. Apesar da escrita da autora ser carregada de poesias e metáforas que nos transportam ao mundo de sonhos de Carolina e Turri, é uma história bem verdadeira, onde todos os personagens que compõem o enredo parecem ser de carne e osso. E nada no nosso feio mundo real é preto no branco, a gente desliza mesmo por várias camadas de cinzas e imagino que o final do livro tenha de fato acontecido com muitos apaixonados do passado, que não puderam viver sua história de amor do jeito que sonharam devido às circunstâncias. Mas se olharmos o livro sob a perspectiva de que o verdadeiro amor é dar ao outro o poder de sonhar e de nos devolver a vontade de estar vivos, talvez consigamos ficar um pouco menos melancólicos.
Ame ou odeie o final, a verdade é que “A Condessa Cega e a Máquina de Escrever” é um livro que fica em você. Faz mais de duas semanas que acabei de lê-lo e ainda estou relendo alguns trechos para matar as saudades de Turri. Confesso que ainda estou numa ressaca literária com este livro e tenho certeza de que falarei sobre a ternura deste livro por muito e muito tempo…
Título: A Condessa Cega e a Máquina de Escrever
Autor: Carey Wallace
Editora: Rocco
Número de Páginas: 256
Resenha: Se Você Me Chamar Eu Largo Tudo… Mas Por Favor, Me Chame, de Albert Espinosa
“Em plena madrugada, olhe para os edifícios altos e vai ver que há poucas luzes acesas, pouquíssimas. Quase todo mundo dorme, só há uns poucos que estão acordados… E esses são os que procuram e os que encontram. Nessas altas horas da noite, quando todo mundo dorme, eles estão amando ou desfrutando de conversas intensas… E esse sentimento e essas palavras mudam a vida deles.”
Foi ano passado que achei este livro numa livraria. O nome me chamou muito a atenção com um titulo que é mais uma frase e uma frase muito bem formulada. Aliada à ótima sinopse da contracapa, não resisti e resolvi levá-lo. Como faço com a maioria dos meus livros, o coloquei em minha estante e esperei que chegasse a hora de lê-lo. O último fim de semana me fez redescobrir este livro entre tantos outros, pois queria algo pequeno (o livro tem apenas 150 páginas!) e leve para ler em um final de semana e descansar um pouco dos estudos e leituras literárias que ando fazendo.
“Se Você Me Chamar Eu Largo Tudo… Mas Por Favor, Me Chame” foi escrito pelo espanhol Albert Espinosa. A história também se passa na Espanha e conta a vida de Dani, um homem que se dedica a buscar crianças desaparecidas e está separando de sua mulher. Enquanto a esposa arruma as malas e vai embora, Dani recebe a ligação de um pai desesperado atrás do filho desaparecido, que foi levado pelo sequestrador até a ilha de Capri, na Itália. Por ter vivido momentos mágicos nessa ilha, Dani aceita o caso e retorna à ilha tendo como missão encontrar o menino e reencontrar em suas próprias lembranças o menino que um dia foi.
A história tem uma premissa muito boa, mas não foi bem executada. A narrativa – que é sempre feita em primeira pessoa – me pareceu pobre e preguiçosa. Os parágrafos são curtíssimos e a história é mesmo explicada através dos diálogos. Deu a impressão que o autor tinha algum prazo curto pra terminar a história e fez um rascunho em forma de livro.
Outro ponto que me incomodou foi a falta de perguntas respondidas. O autor criou toda uma trama interessante, onde o passado do protagonista parece ter algo a ver com o menino que desapareceu, mas Albert Espinosa resolveu deixar todas as questões em aberto. Eu adoro finais abertos quando são bem feitos e tem um propósito, o que não foi o caso. Outra vez, me pareceu tudo muito corrido e no fim a justificativa para todas as questões se reduzem simplesmente no bordão “a vida é assim, cheia de mistérios” e fica por isso mesmo.
Entretanto, existem pontos positivos, como os personagens com quem Dani se encontra no passado e mudam sua vida completamente. As conversas do protagonista com duas pessoas bem mais velhas, em diferentes fases da vida, nos coloca para refletir sobre diversos aspectos sobre a paixão de estar vivo e fazer nosso tempo aqui valer a pena.
Também me agradou uma certa característica física do personagem principal que achei bem original e não costumo ver em livros. A sinopse não fala nada sobre isso, então é muito legal descobrir de repente que Dani é diferente.
“Se você me chamar…” é um livro bom e só. Ótimo pra ser lido em um dia e para relaxar a mente, que era meu objetivo. Mas não é um livro que marca ou que vá fazer muita diferença em nossas vidas. Com um nome atrativo desses e uma capa muito bem feita, é uma pena.
Resenha: Ninguém Escreve Ao Coronel
Em toda a vida há uma espera. Seja uma pessoa ou um objeto, cada um de nós já perseguiu algo que parecia nunca chegar – e que, talvez, não tenha chegado mesmo.
Este é o tema central do livro “Ninguém Escreve Ao Coronel”, do escritor colombiano e vencedor do Nobel de Literatura do ano de 1982, Gabriel García Márquez.
Um coronel aposentado espera toda sexta-feira, há anos, pelo pagamento da aposentadoria. Mas, ao invés da carta, tudo o que recebe é uma frase irônica e desdenhosa do carteiro, que diz “ninguém escreve ao coronel”, quando chega outra vez de mãos vazias. A história se desenvolve e o leitor vai esperando também a tal carta e, quando ela não chega, vai desanimando junto com o personagem principal. García Márquez consegue criar uma relação profunda entre personagem-leitor, onde acabamos sendo um amigo invisível do coronel quando este vai até o cais esperar o carteiro e sentimos o ímpeto de dar-lhe um tapinha de consolação em suas costas quando a carta não vem.
Contudo, nem só de esperas conta o livro. Aliás, é apenas um tema em evidência que é seguido por duras críticas sociais e políticas, muito bem colocadas através de ironias e cenas até cômicas pelo autor.
García Márquez também aponta sutilmente para o talento que o povo latino-americano possui para rir da própria desgraça. Mesmo à beira da fome e do desespero, as conversas entre o coronel e sua mulher acerca da própria situação são capazes de arrancar algumas risadas do leitor.
Ninguém Escreve Ao Coronel é um livro curto e bastante crítico, além de ser uma ótima oportunidade para quem deseja ter um primeiro contato com o vasto mundo que é a literatura de Gabriel García Márquez.
O fim nos dá aquele gostinho de quero mais, principalmente para aqueles que se apegaram ao Coronel e à sua mulher como eu; mas nos deixa com a reflexão sobre por quê o cenário político e social latino-americano mudou muito pouco desde que o livro foi publicado em 1968 até os dias de hoje.
Infelizmente, sabemos que ainda existem muitos “coronéis” por aí que esperam algo que, no fundo, sabem que nunca vai chegar.
Título: Ninguém Escreve Ao Coronel
Autor: Gabriel García Márquez
Editora: Record
Páginas: 96
Resenha: A Casa Das Estrelas.
“A distância é alguém que se vai de alguém.” – Juan Camilo Osório, 8 anos.
“A eternidade é esperar uma pessoa.” – Weimar Grisales, 9 anos.
O lugar é um pequeno colégio, no estado de Antioquia, na Colômbia. O professor Javier Naranjo, num despretensioso desafio, pede que seus alunos do curso primário definam a palavra “criança”. O que é criança para uma criança? Para Luis Gabriel Mesa, de 7 anos, uma criança é “um amigo, que tem o cabelo curtinho, joga bola, pode brincar e ir ao circo”. Para Johanna Villa, de 8 anos, uma criança é “algo que não é cachorro, é um humano que todos temos que apreciar bem”. A partir dessas definições curiosas, o professor – abismado, impressionado com a descrição curiosa de pessoas tão pequeninas – passou a propor esse desafio em todas suas aulas, onde seus alunos descreviam a sua visão do mundo através de uma única palavra proposta.
O livro “A Casa das Estrelas” é uma reunião de todas essas interpretações únicas, resultado de anos de trabalho. Javier Naranjo colheu o que de melhor foi descrito e nos proporciona uma visão totalmente nova desse mundo em que um dia vivemos tão intensamente e que hoje, no mundo dos adultos, parecemos ter esquecido com extrema facilidade.
Acredito que subestimamos as mentes das crianças. Nos chamamos de “adultos”, somos estudados, vividos e desenvolvidos (em tese), e queremos ter sempre todas as respostas. Mas o mundo não funciona dessa forma. Se tivermos dispostos a descer de nosso pedestal de arrogância, poderemos enxergar nossa existência de outra forma. E muitas vezes essa lição pode vir da mente de uma criança.
“A Casa das Estrelas” é um livro simples, pequeno, entretanto, bastante enriquecedor. Nos faz refletir um pouco mais sobre a inteligência das crianças e todo o seu enorme poder de observação. É um livro bem leve, cheio de gravuras apaixonantes, e pode ser lido em um único dia.
Indicação imprescindível para todos os educadores e para aquela criança adormecida que ainda vive dentro de nós.
Nome: A Casa Das Estrelas – O Universo Contado Pelas Crianças
Autor/Seleção: Javier Naranjo
Editora: Foz Editora
Número de Páginas: 125