Charlotte: Uma Biografia Poética.

“Diante das incoerências maternas, Charlotte era dócil.
Domava sua melancolia.
É assim que nos tornamos artistas?
Acostumando-nos às loucura dos outros?”

Descobri o livro “Charlotte” em mais uma daquelas minhas costumeiras andanças por livrarias da cidade. Começa sempre da mesma maneira: entro na livraria pensando “sou vou entrar para sentir o cheiro dos livros e nada mais” ou “só preciso estar perto de livros para espairecer um pouco, mas prometo que não vou comprar nada” e saio de lá com mais um (ou dois, ou três…) livros na mão. A descoberta de “Charlotte” foi um encontro parecido com o que tive com “A Condessa Cega e a Máquina de Escrever”. Apenas um livro que eu puxei de uma estante qualquer, gostei da capa, gostei da sinopse e então resolvi arriscar. E é incrível como essa minha mania de encontrar livros avulsos e desconhecidos em estantes por aí sempre se mostra bastante recompensadora.
“Charlotte’, do escritor francês David Foenkinos, é uma biografia romanceada da pintora alemã Charlotte Salomon, morta em Auschwitz ao final da Segunda Guerra Mundial. O escritor tem uma verdadeira obsessão pela história desta mulher e mistura os fatos que aconteceram à ela desde o inicio de seus dias à peregrinação pela Alemanha e França atrás dos lugares onde ela pisou e o legado que deixou. Toda sua escrita é carregada de admiração e paixão, sentimentos estes que foram expostos de maneira bem interessante através de versos e não de prosa. É a primeira vez que leio uma biografia de alguém como se estivesse lendo uma poesia e gostei bastante da experiência, apesar de sentir que muita coisa se perdeu na tradução e que, em alguns momentos, a forma com que as palavras foram organizadas não fazia muito sentido em nossa língua.
Livros que envolvem a Segunda Guerra Mundial sempre me deixam com um nó na garganta ao imaginar o que todas aquelas pessoas passaram, principalmente as mulheres. Apesar da escrita de David Foenkinos ser bem fluida, o livro em si é denso, é triste e deixa uma sensação de ressaca após o término. Contudo, é uma leitura que vale muito a pena, principalmente por apresentar a nós, brasileiros, que em geral não temos muito contato com a arte alemã, principalmente porque a biografia não fala apenas de Charlotte, mas também menciona figuras importantes como Albert Salomon, pai de Charlotte e o médico que descobriu a cura para a úlcera; Paula Salomon-Lindberg, uma famosa cantora de ópera e madrasta de Charlotte; Ludwig Bartning, artista e professor na escola alemã de Belas Artes; além de nomear famosos e intelectuais como Kurt Singer, Aby Warburg e até uma breve aparição de Hannah Arendt.
Em tempos de exaltação à tortura e retorno à barbárie, livros como a biografia Charlotte são sempre um convite à reflexão e à lembrança de tempos obscuros e carregados de derramamento de sangue que não devem, jamais, voltar a nos assombrar.
“Charlotte” é um registro em forma de poesia de tudo o que pode haver de mais belo no mundo – e também de mais cruel.
Uma leitura imprescindível em qualquer época.

Título: Charlotte
Autor: David Foenkinos
Editora: Bertrand Brasil
Número de Páginas: 238

11 – Futebol: Amor Que Não Se Explica.

amor que não se explica

A primeira Copa do Mundo que acompanhei foi a da França, em 1998. Eu tinha apenas 6 anos de idade. Lembro das ruas sendo enfeitadas e o nervosismo de meus pais nos primeiros jogos, ainda sem muito entender o significado de tudo aquilo. Fiquei chateada com a derrota do Brasil porque meus pais ficaram e tomei nojo da França porque meus pais tomaram.
A segunda Copa do Mundo que acompanhei foi a de 2002, sediada na Coreia do Sul e no Japão. Não lembro de nenhuma partida em especial da época, a não ser a final contra a seleção – até então pra mim desconhecida – da Alemanha. Tudo o que eu sabia sobre a Alemanha era que eles tinham um goleiro que era chamado de “muito feito” por quase todas as pessoas ao meu redor, como se feiura ou beleza realmente fizessem alguma diferença em uma partida de futebol. Eu tinha 10 anos de idade e começava a flertar com este esporte que andava me chamando muita atenção nos campeonatos brasileiros que meu avô via na televisão a todo momento. Fiquei feliz com a vitória do Brasil porque todos ao meu redor ficaram. Novamente, eu não entendia a importância de tudo aquilo.
A terceira Copa do Mundo que acompanhei foi a de 2006. Eu tinha 14 anos de idade. E um pouco antes dessa Copa, conheci alguém que iria mudar tudo, de diversas formas, na minha vida.
Flávia era uma garota cheia de personalidade e que não se importava com que os outros achavam dela. Dentre as 1001 coisas que a destacavam entre as pessoas, ela me disse um dia, em uma de nossas inúmeras conversas sobre futebol, que torcia pela Alemanha. “Como alguém pode torcer por alguma seleção de outro país?”, pensei naquele momento. Mesmo verbalizando a pergunta, ela não me deu qualquer resposta que fizesse sentido, mas mandou que eu visse uma partida da Alemanha e prestasse atenção num tal de Michael Ballack. Além de ser o melhor jogador do time, ele era o mais bonito também (palavras dela!). Fiz o que minha amiga me pediu e vi um jogo da Alemanha antes que começasse a tão esperada Copa daquele ano. Prestei muita atenção no tal Michael Ballack, mas meus olhos também acharam um tal de Lukas Podolski, e foi amor à primeira vista. A Alemanha tinha um jeito diferente de jogar, uma força, um empenho diferente, um estilo singular que nunca antes tinha visto em qualquer outra seleção. Poucos dias antes de começar a Copa que, coincidentemente – ou não – seria na Alemanha, falei para Flávia o quanto tinha gostado daquele time e que iria torcer para eles, caso o Brasil fosse eliminado.
Acho que não preciso relembrar o quão apático o Brasil estava em quase todos os jogos. O descaso em campo e o churrasco realizado na casa do Ronaldinho Gaúcho após de, mais uma vez, a seleção ter sido eliminada pela França, me fizeram pegar birra pela Seleção Brasileira. Como prometido, após a queda vergonhosa do Brasil, passei a torcer pela Alemanha. Infelizmente a seleção foi eliminada na semi-final pela Itália e eu só me lembro do choro da torcida na arquibancada e as lágrimas rolando pelo rosto do Ballack em campo. Naquele dia, aconteceu comigo algo que nunca antes havia acontecido em uma Copa do Mundo: eu havia sentido algo, não porque minha família e amigos sentiram, mas porque eu havia sentido. Desde aquele dia, eu passei a ver todos os jogos da Alemanha que consegui, mesmo que isso significasse negligenciar qualquer dever que me impedisse de sentar frente à televisão. Minha amiga singular e cheia de personalidade veio a falecer um ano e meio depois. Mas deixou comigo esse amor e essa torcida que eu não consigo explicar com palavras. Minha birra para com o Brasil passou (mais ou menos), mas meus sentimentos por essa seleção estrangeira, não.
Muitos hoje me fazem a mesma pergunta (com direito à nariz enrugado e olhares tortos) que eu fiz para minha amiga anos atrás: “Como você pode torcer por uma seleção de outro país que não o seu?”. E, assim como ela, eu não tenho qualquer resposta plausível para dar.
Futebol é mesmo um bando de homem correndo atrás de uma bola, se você quiser enxergar através da razão. Assim como Tênis são duas pessoas batendo bolinha por um tempo interminável sobre uma pequena rede, assim como Basquete é bater uma bola grande no chão até arremessá-la numa cesta. Mas o esporte é puro sentimento, é puro coração, ele salva vidas. Quem possui uma visão mais limitada acerca de esportes, seja ele qual for, nunca vai entender qual é a emoção de torcer para alguém em especial ou para um time. Como a alegria daquela pessoa, daquelas pessoas, de alguma forma mágica, se torna a sua, não importa em que parte do mundo você esteja.
O futebol não é o esporte mais popular do mundo à toa. À princípio pode parecer estranho e sem sentido, mas a partir do momento em que você começa a entendê-lo e se identifica com um grupo, com um time, é impossível não se deleitar (e sofrer também!) com este jogo tão sensacional e arrebatador. E não tem, não tem mesmo explicação. Por mais que um intelectual faça todo um estudo crítico e minucioso acerca do esporte, ele nunca vai conseguir capturar tudo o que este representa. Se fosse algo lógico, assim como 2+2 dá 4, não existiriam pais Flamenguistas com um filho Vascaíno ou pais com filhos Atleticanos e Cruzeirenses. Todos estes foram criados na mesma casa, com as mesmas regras, com a mesma educação e, assim como tudo na vida, têm opções diferentes, têm sensações diferentes. Talvez essa seja a resposta que mais chegue perto da pergunta “Como você pode torcer para uma seleção de outro país que não o seu?”, porém ainda não abarca todo o sentimento que eu e, acredito que muitas pessoas, possuem dentro de si.
Amor, sob qualquer forma, realmente não se explica. Por isso, nesta Copa do Mundo, torça para quem quiser, para a seleção que faça você realmente sentir alguma coisa por você mesmo, um sentimento do qual nunca conseguirá explicar exatamente o que é e de como surgiu. Essa é toda a magia do futebol, essa é a graça da coisa.
Que todos possamos torcer para nossas seleções do coração, sem julgarmos, criticarmos ou brigarmos com o outro, só por termos opiniões e sentimentos diferentes. Esse é o verdadeiro espírito e finalidade do esporte.
E que vença o melhor!