Esta semana terminei de ler um livro de poesias de uma escritora italiana chamada Martina Vivian. Nunca tinha ouvido falar nela e nem pretendia ler nada nesse idioma por agora, mas, como sempre digo que são as melhores leituras, apenas “aconteceu”.
Encontrei o livro por puro acidente em um sebo de rua, naquelas promoções maravilhosas de “leve 3 por 10”. Ele estava embaixo de um outro livro aleatório e, quando o vi, fiquei surpresa de encontrar uma coletânea de poesias em italiano, o que não é muito comum por aqui. E fiquei ainda mais surpresa quando percebi que ele estava em perfeito estado, como novo, como se nunca tivesse sido lido. Como estou praticando o idioma, pensei “por que não?”. E acabei levando o livro pra casa.
As poesias de Martina Vivian são muito pessoais, como se tivessem saído de seu diário particular. Acredito que ela tenha escrito após uma forte decepção amorosa – o que, vamos combinar, acaba gerando as melhores obras – e colocou no papel todo o seu processo de luto sobre o fim da relação e o caminho para a superação. Gostei, gostei muito. E fiquei satisfeita ao perceber que estou bem familiarizada com a língua, pois acho que entendi 90% do livro.
Ler Martina Vivian me faz pensar como nossas palavras podem viajar pelo mundo sem que tenhamos ideia. Acredito que, neste momento, a moça italiana nem imagina que tem alguém no Brasil fazendo uma análise do livro dela, alguém que se identificou com muito dos poemas e que ficou pensando como queria conversar com ela sobre a vida, pois sua visão de mundo parece um pouco com a minha. Mesmo escrevendo há tanto tempo e ter tido a sorte de ser lida por muita gente na época do Orkut, ainda fico fascinada como histórias podem atravessar fronteiras e mudar a vida de pessoas que nem conhecemos. Como estamos conectados mesmo sem ter ideia de quem somos, como diria Delta Goodrem.
Escolher o caminho da escrita, da literatura e da poesia, envolve muita coragem e determinação, pois não é fácil atrair a atenção das pessoas nesse mundo que gera milhões de conteúdos todos os dias, não é fácil ter que abrir mão de uma vida mais tradicional, por assim dizer, para se dedicar a esse tipo de trabalho onde você fala sozinho a maior parte do tempo. Não sei se o livro de Martina fez algum sucesso na Itália, pois não encontrei maiores informações sobre ele ou sobre a autora, e não sei se ela ficou ou não frustrada por seu livro não ter tido um alcance maior. De qualquer forma, de uma maneira que eu jamais vou saber ao certo, o seu livro cruzou o Atlântico, foi parar num sebo de rua, chegou até mim e me tocou profundamente. Como não ver beleza nisso? Como não achar que, no fim, por mais que pensemos que estamos falando sozinhos, tem sempre alguém em algum canto do mundo ouvindo com atenção tudo o que temos para dizer?
E é por isso que sigo fazendo o que faço: a poesia e a literatura têm uma força que foge à nossa compreensão… e acho isso tudo bonito demais! Acho que me arrependeria para sempre se escolhesse outro caminho para mim e decidisse não fazer parte disso.
Enquanto sigo meu trabalho de formiguinha, enquanto sigo gritando em um mundo onde todo mundo parece conseguir gritar mais forte que eu, só posso desejar que um dia minhas palavras também atravessem fronteiras e façam alguma diferença na vida de alguém, assim como as palavras de Martina fizeram na minha.
Showing all posts tagged literatura
14 – Virginia E Suas Ondas.
Um novo livro de Virginia Woolf está na vitrine de uma livraria. Mesmo morta há tanto tempo, mais um livro seu é lançado. Sorte para nós. Ou para mim, pelo menos. Posso respirar aliviada ao saber que existem mais letras de Virginia a serem lidas.
Virginia não é só uma escritora preferida. Não é esse alguém que morou em outro país, falava outra língua e viveu em outra época. Virginia é uma amiga. A melhor amiga. Daquelas que atravessam a pele. A que tem a coisa certa a dizer quando você mais precisa. A que te faz sentir que tudo vai ficar bem – mesmo que não tenha ficado para ela. É daquelas amigas que a gente já considera parente. Ela está comigo todos os dias, bem pertinho de mim, mais presente do que pessoas que moram em meu país, falam minha língua e vivem em minha época.
Nos conhecemos quando eu tinha dezesseis anos. Adolescentes acham o maior barato uma carta de amor suicida. Quis me aprofundar um pouco mais naquela alma atormentada e não deu outra! Nosso amor irremediável pelo mar foi o assunto principal de nossa atração. O primeiro e derradeiro laço.
Dizem-me ser quase impossível ler “As Ondas”. O fluxo de consciência, a vida manchada dos seis personagens misturando-se como cores dentro de uma bolha de sabão, a narrativa poética e que não segue o típico “início – meio – fim”… Os que conheço tiveram problemas com o livro. Eu não. Para mim não teve muita coisa estranha. Foi como ouvir uma mente que já conheço de vidas passadas falando sobre coisas e lugares que não me são desconhecidos. Foi como encontrar uma porta aberta e ver-me finalmente em casa.
Quando a vida fica difícil, quando o ar parece pesar mais que uma tonelada sobre mim, corro para os braços de minha amiga, me jogo sobre seu mar e me deixo boiar em suas ondas enquanto o mundo explode lá fora. Nossas águas se misturam, trocamos vivências, nos conhecemos mais ainda e então, de súbito, algumas das principais questões sobre o Universo me parecem claras. Para mim, Virginia e o mar sempre têm todas as respostas.
Um novo livro de Virginia Woolf está na vitrine de uma livraria. Sorrio. É hora de reencontrar minha amiga e dizer-lhe que estava morrendo de saudades.