Resenha: Um Teto Todo Seu, De Virginia Woolf.

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“Uma mulher precisa de um teto todo seu e 500 libras por ano se deseja escrever ficção”

“ As mulheres têm servido há séculos como espelhos, com poderes mágicos e deliciosos de refletir a figura do homem com o dobro do tamanho natural (…). É por isso que tanto Napoleão quanto Mussolini insistiam tão enfaticamente na inferioridade das mulheres, pois, se elas não fossem inferiores, eles deixariam de crescer. Isso explica, em parte, a necessidade que as mulheres representam para os homens. E serve para explicar o quanto eles ficam incomodados com as críticas delas (…) Pois se ela resolver falar a verdade, a figura refletida no espelho encolherá; sua disposição para a vida diminuirá. Como ele continuará a fazer julgamentos, civilizar nativos, criar leis, escrever livros, vestir-se bem e discursar banquetes, a menos que consiga ver a si mesmo no café da manhã e no jantar com pelo menos o dobro do tamanho que realmente tem?”

O livro “Um Teto Todo Seu”, da escritora inglesa Virginia Woolf, marcou-a como um influente símbolo feminista. O ensaio – que foi escrito para uma palestra que Virginia daria para mulheres na Universidade de Cambridge – é escrito com um toque de ficção, onde Virginia discorre sobre suas ideias sob o pseudônimo de Mary Seaton (ou Benton, ou Hamilton ou Charmichael – referindo-se a uma balada antiga sobre as damas de companhia da rainha Mary Stuart, da Escócia) e faz uma narração sobre a busca dessa personagem pela resposta ao desafio que lhe foi proposto: falar sobre mulheres e ficção.
Já no começo do livro, a autora demonstra a submissão da mulher na sociedade da época através de simples detalhes – o fato de não poderem entrar na biblioteca dos homens (apenas acompanhadas de outro estudante ou com alguma carta de recomendação), de comer uma comida diferente, mais insossa, ali na própria faculdade, enquanto os homens têm a possibilidade de desfrutar de pratos mais requintados.
Partindo da questão de que não havia muitas mulheres escrevendo ficção na época – argumento que supostamente provava que o sexo masculino era intelectualmente superior ao masculino – Virginia revisita sua própria biblioteca à procura da história da mulher, desde a Idade Média, até os dias atuais (Virginia trabalhou no livro por volta do ano de 1928). Até pouco tempo atrás as mulheres recebiam pouca ou nenhuma educação, o que as impossibilitava de criar uma obra literária de destaque. Como produzir um livro de grande teor intelectual quando desde os primórdios a mulher foi criada para cuidar da casa, parir quantos filhos o marido quisesse e viver em função deste? Como conseguir sentar, pensar, escrever, dedicar-se a uma obra sem qualquer base educacional, em um ambiente cheio de crianças e, geralmente, com tão poucos recursos? É de se admirar que Charlote Brontë e Jane Austen tenham produzido obras clássicas como Jane Eyre e Orgulho e Preconceito, respectivamente, numa sociedade onde a mulher mal vivia para si mesma.
Para exemplificar seus argumentos, Woolf faz seguinte pergunta: E se Shakespeare tivesse uma irmã com o mesmo talento e base educacional que ele? Ela teria a oportunidade de explorar este talento e ser reconhecida mundialmente através dos séculos? Virginia então começa a narrar uma fictícia história sobre essa irmã que, obviamente, encontra bastante dificuldade – principalmente pelo preconceito – de evoluir e compartilhar seu talento.
Além do mais, como diz a frase clássica do livro, para uma mulher se dedicar à ficção, ela precisa de um teto todo seu e dinheiro suficiente para se sustentar. O que, na época, era privilégio para poucas.
Apesar de ter sido chamada para falar sobre a relação direta da mulher com a ficção, Virginia não dos dá uma ideia pronta sobre o assunto. Ela convida às mulheres a arregaçarem as mangas, molhar a pena no tinteiro e escrever, verdadeiramente, sobre o que se pensa, sobre o que se sente, sempre tentando enxergar além.
O livro finaliza com uma leve previsão sobre o futuro, onde ela imagina as mulheres tendo mais liberdade profissional, social e intelectual. O que, de fato, aconteceu. Contudo, estamos em 2014 e ainda existem homens ganhando o dobro do salário do que as mulheres, mesmo ambos exercendo a mesma função. Ainda somos julgadas sobre como nos vestimos, sobre o que pensamos e se decidimos ou não ter um parceiro até o fim de nossas vidas. Ainda há muito, muito a ser feito e conquistado.
“Um Teto Todo Seu” é um livro atemporal. É indicado para qualquer mulher que queira conhecer um pouco mais sobre a história de seu sexo, não só na área da Literatura, mas também em relação à sociedade patriarcal moralista e opressora. É para qualquer menina que esteja se transformando em mulher. É para qualquer senhora idosa que sobreviveu os anos ainda sob o pensamento machista da sociedade. E é também para os homens que querem ou precisam entender, nem que seja só um pouquinho, o passado injusto e cruel entre ambos os sexos, e enxergar a mulher como um outro ser humano, com as mesmas capacidades e talentos para alcançar o que quer que seja neste mundo.

Título: Um Teto Todo Seu
Autor: Virginia Woolf
Editora: Tordesilhas
Número de Páginas: 189

Resenha 03 – Eu Sou Malala.

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“Amo Deus. Agradeço a meu Alá. Converso com Ele todo dia. É o maior. Ao me dar altura para alcançar as pessoas, Ele também me deu grandes responsabilidades. Paz em todo lar, toda rua, toda aldeia, todo país – esse é o meu sonho. Educação para toda criança do mundo. Sentar numa cadeira e ler livros com todas as minhas amigas, em uma escola, é um direito meu. Ver todo ser humano com um sorriso de felicidade é o meu desejo.”

O livro “Eu sou Malala” é a autobiografia da garota paquistanesa que foi baleada pelo Talibã em 2012 por lutar avidamente pelos direitos de educação em seu país, principalmente em relação às mulheres. Malala tem a ajuda de Christina Lamb, uma famosa repórter britânica que trabalhou como correspondente de guerra no Paquistão e Afeganistão.
A autobiografia é dividida em 5 partes que contam desde a criação de seu país, passando por sua infância e início da adolescência, passa pelo fatídico dia em que esteve entre a vida e a morte, com sua recuperação milagrosa na Inglaterra, e finaliza com um relato esplendoroso sobre a importância da educação para todas as crianças do mundo.
Um dos fatores que mais me chamaram a atenção no decorrer do livro foi o paralelo que Malala faz do que aconteceu em seu país ao longo dos anos, dede que foi criado em 1947, e como esses acontecimentos influenciaram na vida de sua família e em sua trajetória. Ela elabora temas críticos, tendo como foco a invasão do Talibã em seu belíssimo vale Swat, após o 11 de Setembro de 2001, que mudou, não só sua vida, mas a vida de toda a população que sofreu uma lavagem cerebral deste grupo. Não só o vale, geograficamente falando, foi invadido, mas as mentes das pessoas também foram controladas por obsessões religiosas, guerras infindas e descasos políticos que deixaram o país completamente na mais absurda miséria. Em muitas partes é possível fazer um paralelo com o nosso próprio país. Malala conta como o poder político se aproveita da ignorância de um povo abrangentemente analfabeto, para conseguir  ganhos próprios, sem qualquer risco de punição, deixando os pobres e necessitados à própria sorte. Com isso, a criminalidade toma conta de todo o território, aterrorizando cidadãos simples e trabalhadores. Qualquer semelhança não é mera coincidência…
Um “personagem” que ganhou minha atenção foi o pai de Malala, o senhor Ziauddin. Ao contar um pouco da história de seu pai em um pequeno capítulo, e citá-lo constantemente no decorrer de seu relato, fica completamente compreensível o motivo de tamanha bondade e elevação intelectual da garota. Malala é o exemplo vivo de como uma boa educação e base familiar podem fazer uma completa diferença na vida de um ser humano. Admirou-me toda a perseverança do homem ao tentar construir sua própria escola, mesmo quando todo o Universo parecia conspirar para que ele desistisse. Mas Ziauddin sempre usou os fracassos como lições maravilhosas, desde a superação de sua gagueira através de concursos de oratória, até a luta contra radicais religiosos que queriam a todo custo proibir o direito das mulheres ao estudo. Ele sempre incentivou sua filha a ler incessantemente (com 11 anos ela já estava lendo Anna Kariênina, de Leon Tolstói, e Oliver Twist, de Charles Dickens!) e a estudar com afinco, o que é algo admirável, vindo de um país onde a principal crença é de que as mulheres nasceram apenas para casar e servir aos seus maridos pelo resto da vida. Todo o seu amor e devoção à causa de expandir a importância da educação no Paquistão, principalmente para as mulheres, e seu tenaz espírito de luta, ganharam imensamente o meu afeto.
Meu desejo é que esse livro passe por inúmeras mãos ao redor do mundo, para que mais pessoas se inspirem em sua causa e mais “Malalas” possam aparecer por aí, principalmente em lugares tão retrógrados e obcecados com uma doutrina religiosa absurda.
Um livro tem o poder de mudar  uma vida e incentivar mentes. E a autobiografia de Malala tem a receita exata para tal propósito.
Recomendação imprescindível para quem gosta de um bom livro informativo, principalmente àqueles que entendem a importância da educação e são apaixonados pelas palavras.

Título: Eu Sou Malala
Autor: Malala Yousafzai e Christina Lamb
Editora: Companhia das Letras
Número de Páginas: 360

Resenha 02 – Métrica.

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“Nunca julguem os outros. Vocês dois sabem muito bem como acontecimentos inesperados podem mudar quem a pessoa é. Sempre pensem nisso. Nunca se sabe pelo que uma pessoa está passando em sua vida”

Métrica chegou às minhas mãos após uma boa promoção na Saraiva e muito incentivo das amigas. Insistiram para que eu o lesse (muito obrigada, Nayara!) e confesso que sua pontuação no skoob me incentivou a fazê-lo rapidamente. Achando que seria apenas uma boa historinha de amor, das quais gosto tanto de ler para relaxar, abri o livro, esperando apenas algo “mais do mesmo”.
Bem, eu não tinha ideia o que iria encontrar.
Métrica conta a história de uma garota de 18 anos chamada Lake, que tem que lidar com a recente morte de seu querido pai e o fato de ter que abandonar sua vida no Texas e se mudar para Michigan. Ainda sofrendo com o luto e com uma certa revolta por ter de abandonar a casa onde passou durante toda a sua vida, Lake dirige o caminhão de mudanças pensando apenas em sua dor e com os piores pensamentos negativos. Porém, ao chegar em sua mais nova casa, seu irmão menor, Kel, logo se torna amigo de um menininho vizinho da mesma idade, chamado Caulder. E é nessa brincadeira inocente que Lake conhece Will, irmão de Caulder, que remexe, não só com os seus sentimentos, mas também com a sua vida.
Métrica é uma história de amor, mas não pensem que é sobre um amor adolescente, amor entre um rapaz e uma garota. É uma história sobre o amor em sua mais pura forma. O amor de sacrifícios, o amor altruísta, onde as emoções e a vida de alguém são mais importantes do que seus próprios sentimentos. É sobre amor de mãe, amor de irmão, amor de amigos, amor à vida, amor à arte. E é impossível pegar o livro e não devorá-lo o quanto antes.
Um ponto que me chamou bastante atenção é como a escritora expôs bem o tema “luto”. As emoções da personagem em relação à tragédia com o pai podem ser vista até nos menores momentos. Gostei bastante dela ter mostrado a raiva, a amargura que a perda de um ente querido deixa conosco. Não é só a tristeza pela perda, muitos sentimentos envolvem uma partida repentina e creio que quem já perdeu alguém tragicamente nesta vida vai se identificar bastante com os personagens do livro.
Outro tema que Métrica também traz é a slam poetry.  É um tipo de poesia performática, onde qualquer pessoa pode subir num palco e declamar seu poema atuando de acordo com as próprias emoções. Esse tipo de poesia é incentivada em sala de aula e penso no quão interessante seria se as escolas adotassem essa ideia, tornando o ensino da poesia muito mais agradável e dinâmico para os estudantes.
É verdade que o livro pode ter alguns clichês, assuntos que já lemos em muitos outros livros. Porém eu sou da teoria de que cada história é contada de uma forma, sob um ponto de vista e é sempre bom vermos vários aspectos de um mesmo assunto. Eu não tenho nada contra clichês, desde que sejam bem contados, bem amarrados e que capturem a sua atenção. Métrica é um exemplo disso.

Título: Métrica
Autor: Colleen Hoover
Editora: Galera Record
Número de Páginas: 304

Resenha 01 – A Menina Que Fazia Nevar.

 

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“Milagres não têm que ser grandes e podem acontecer nos lugares mais improváveis. Às vezes são tão pequenos que as pessoas nem percebem. Às vezes os milagres são tímidos. Ficam puxando suas mangas, esperando você percebê-los, e depois somem. Muitas coisas começam bem pequenas. É um jeito bom de começar porque ninguém nota. Você é só uma coisinha perambulando , cuidando da própria vida. Aí você cresce.”

 

Judith é uma menina de dez anos e muito sonhadora. Não conheceu sua mãe e vive apenas com o seu pai em uma casa simples localizada em um bairro pobre. Cheia de imaginação, a garota tem em seu quarto uma enorme maquete, a qual chama de “Terra Gloriosa”. A maquete é bem simples, feita de sucata, mas, aos olhos da menina, é um lugar maravilhoso para se viver. Seu pai é um fanático religioso, do tipo que vive mais para a igreja do que para a própria família. Mas como julgá-lo? Ele perdeu a mulher um pouco depois da menina ter nascido. Encontrou na religião um alento, um refúgio. Foi em Deus e por Deus que ele continuou a viver, já que olhar para sua filha era doloroso o bastante, pois via a imagem de sua falecida esposa no rosto dela. Porém, isso não é fácil para uma menina de dez anos entender. Judith tem a certeza de que o pai não a ama. Ele quase não abraça ou toca nela. E também não presta atenção nas palavras que saem de sua boca, o que é doloroso para a menina, pois ela tem muito a dizer. Muito mesmo. Talvez se o pai a escutasse, se demonstrasse um pouquinho mais de afeto, ela poderia dizer todo o bullying que vem sofrendo há tempos de seu colega de classe, Neil Lewis. Ao contrário, ela esconde acontecimentos importantes e vive uma vida própria em sua Terra Gloriosa, o único lugar onde pode agir como verdadeiramente é, sem repreensões ou críticas de pessoas que não entendem como aquela cabecinha especial funciona.
Um certo dia, Neil Lewis faz-lhe uma ameaça tão assustadora que a deixa em pânico de retornar à escola. Trancando-se em seu quarto e brincando em sua Terra Gloriosa, que é uma réplica de sua cidade e das coisas que vivem ao seu redor, ela deseja ardentemente e reza com toda a sua fé que neve bastante no dia seguinte, para poder não voltar à escola e ser espancada por Neil. Brincando, ela até derrama espuma de barbear sobre a cidade, simulando a nevasca. E adivinhem? O seu desejo se realizou. A cidade amanhece coberta por uma neve espessa e a garota não pode ir à escola. Judith operou um pequeno milagre. O mesmo milagre que escuta nos cultos ou na leitura da bíblia à noite com seu pai. Se foi milagre mesmo ou não, isso fica por conta do leitor. Mas a menina acredita que Deus lhe concedeu poderes especiais, capaz de mudar o rumo do mundo e a vida das pessoas, e desde então toda a sua existência gira em torno desta premissa.
Eu diria que esse é um livro carregado de emoções. Tanto dos personagens quanto às do leitor. Você pode odiar ou amar o livro, mas você com certeza vai sentir algo. Ela é uma garota tão inocente e pura que sofre tanto, que não percebe como as coisas ao redor estão abundantemente erradas, e dá vontade de entrar no livro e arrancá-la de lá. A história te deixa com um nó na garganta, principalmente com o desenrolar ao longo das páginas, já no final do livro. Tinha horas em que eu tinha que parar de ler de tanta agonia que me dava, porque ninguém parecia enxergar a menina. Ninguém parecia se importar pois, como a maioria das pessoas, todo mundo está muito preocupado com suas próprias vidas para enxergar os problemas de uma criança. Afinal, quantos problemas podem ter alguém dessa idade? Muitos!
Outra coisa que achei bastante interessante a autora expressar no livro foi a linha tênue entre a fé o fanatismo. Fé é fundamental, não importa no que você acredite. Todo ser humano precisa acreditar em alguma coisa, nem que seja acreditar em si mesmo. O fanatismo é perigoso demais. Nunca vi um caso de fanatismo que acabasse bem. A pessoa fica realmente cega e vive em função daquilo. O pai de Judith é um fanático, não importa quais questões o levaram até este extremo. E como todo pai é um exemplo para seus filhos, ao longo do livro, começamos a ver esse traço se formando na personalidade da garota também.
A Menina Que Fazia Nevar é realmente um presente divino para quem se apega à história. Acho que um ateu ou agnóstico vai ter uma dificuldade maior de entender certas questões, pois o livro fala o tempo inteiro de fé e religião, ainda que em nenhum momento a autora tome partido de nenhuma. Ao contrário, em alguns momentos da narração, é notável a crítica que ela faz às atitudes extremamente religiosas e, para nós, sem sentido de alguns personagens. Ainda assim, pra quem não curte muito o assunto e não acredita mesmo, a leitura pode se tornar um pouco chata e sem noção.
Entretanto, creio que se o leitor mantiver a cabeça bem aberta, independente no que acredita, vai poder se deliciar e se questionar sobre várias questões do aspecto humano.

Título: A Menina Que Fazia Nevar
Autor: Grace McCleen
Editora: Paralela
Número de Páginas: 312