InstaPost #006 – Os Caminhos do Livro, Os Caminhos da Poesia

Esta semana terminei de ler um livro de poesias de uma escritora italiana chamada Martina Vivian. Nunca tinha ouvido falar nela e nem pretendia ler nada nesse idioma por agora, mas, como sempre digo que são as melhores leituras, apenas “aconteceu”.
Encontrei o livro por puro acidente em um sebo de rua, naquelas promoções maravilhosas de “leve 3 por 10”. Ele estava embaixo de um outro livro aleatório e, quando o vi, fiquei surpresa de encontrar uma coletânea de poesias em italiano, o que não é muito comum por aqui. E fiquei ainda mais surpresa quando percebi que ele estava em perfeito estado, como novo, como se nunca tivesse sido lido. Como estou praticando o idioma, pensei “por que não?”. E acabei levando o livro pra casa.
As poesias de Martina Vivian são muito pessoais, como se tivessem saído de seu diário particular. Acredito que ela tenha escrito após uma forte decepção amorosa – o que, vamos combinar, acaba gerando as melhores obras – e colocou no papel todo o seu processo de luto sobre o fim da relação e o caminho para a superação. Gostei, gostei muito. E fiquei satisfeita ao perceber que estou bem familiarizada com a língua, pois acho que entendi 90% do livro.
Ler Martina Vivian me faz pensar como nossas palavras podem viajar pelo mundo sem que tenhamos ideia. Acredito que, neste momento, a moça italiana nem imagina que tem alguém no Brasil fazendo uma análise do livro dela, alguém que se identificou com muito dos poemas e que ficou pensando como queria conversar com ela sobre a vida, pois sua visão de mundo parece um pouco com a minha. Mesmo escrevendo há tanto tempo e ter tido a sorte de ser lida por muita gente na época do Orkut, ainda fico fascinada como histórias podem atravessar fronteiras e mudar a vida de pessoas que nem conhecemos. Como estamos conectados mesmo sem ter ideia de quem somos, como diria Delta Goodrem.
Escolher o caminho da escrita, da literatura e da poesia, envolve muita coragem e determinação, pois não é fácil atrair a atenção das pessoas nesse mundo que gera milhões de conteúdos todos os dias, não é fácil ter que abrir mão de uma vida mais tradicional, por assim dizer, para se dedicar a esse tipo de trabalho onde você fala sozinho a maior parte do tempo. Não sei se o livro de Martina fez algum sucesso na Itália, pois não encontrei maiores informações sobre ele ou sobre a autora, e não sei se ela ficou ou não frustrada por seu livro não ter tido um alcance maior. De qualquer forma, de uma maneira que eu jamais vou saber ao certo, o seu livro cruzou o Atlântico, foi parar num sebo de rua, chegou até mim e me tocou profundamente. Como não ver beleza nisso? Como não achar que, no fim, por mais que pensemos que estamos falando sozinhos, tem sempre alguém em algum canto do mundo ouvindo com atenção tudo o que temos para dizer?
E é por isso que sigo fazendo o que faço: a poesia e a literatura têm uma força que foge à nossa compreensão… e acho isso tudo bonito demais! Acho que me arrependeria para sempre se escolhesse outro caminho para mim e decidisse não fazer parte disso.
Enquanto sigo meu trabalho de formiguinha, enquanto sigo gritando em um mundo onde todo mundo parece conseguir gritar mais forte que eu, só posso desejar que um dia minhas palavras também atravessem fronteiras e façam alguma diferença na vida de alguém, assim como as palavras de Martina fizeram na minha.

[Linhas Invisíveis] Capítulo 2 – Tudo o Que Sei é Que Desde Ontem Tudo Mudou

Olympia, Washington.
31 de Dezembro de 1996

Ela era a última da fila.
Os portões fecharam-se atrás de si assim que cruzou a linha de entrada. Mesmo tendo saído de Seattle o mais cedo possível, havia chegado tarde o bastante para ficar no fim de uma fila que deveria ter, no mínimo, uns 40 metros.
O céu estava carregado de nuvens cinzentas que estavam prontas para derrubarem seus pingos gelados de chuva sobre a multidão excitada.
Entretanto, isso não importava. Era a primeira vez que seu escritor favorito fazia uma turnê pelo estado de Washington e não sabia se seria a última.
Alguns com certeza a criticariam por ter viajado tantas horas com sua pequena filha nos braços apenas para conseguir uma assinatura de alguém que nem se lembraria dela depois. Ela mesmo pensara mil vezes se deveria fazê-lo. No fim das contas, decidiu que jamais saberia se não tentasse.
E agora ali estava, esperando. Sua filha de cinco anos reclamava o tempo todo por estar em pé em um lugar desconhecido, mas não ligava. Anne já sacrificara muito em sua vida em nome da pequena Lois, merecia um momento de capricho.
As horas se passavam lentamente. A fã ansiosa checava seu relógio a cada dois minutos, sentido como se o tempo tivesse estagnado apenas para implicar com sua paciência.
Pelo que dizia o panfleto deixado à sua porta quase um mês atrás, o escritor só iria autografar os livros até às seis da tarde, por isso a recomendação era de que todos chegassem o mais cedo possível. O problema é que já eram cinco da tarde e deveria ter, pelo menos, umas cinquenta pessoas à sua frente.
Suas mãos suavam, suas pernas tremiam. Mesmo de longe, já podia ver um pedacinho de seu escritor favorito, que dava bastante atenção e tratava com muito carinho a qualquer fã que se aproximava. Tirava fotos, conversava um pouco e sorria com simpatia até a pessoa ir embora.
Faltava pouco, muito pouco. Anne estava cada vez mais perto e sabia que pela primeira vez iria conseguir realizar o sonho de dizer o quanto Paul Reed havia sido importante em sua vida.
Era agora, tinha que ser.
Ou talvez não.
Mesmo que ainda estivesse um pouco longe, Anne conseguiu ver um homem engravatado se aproximar e dizer algo no ouvido de Paul Reed. E não demorou nem dois minutos para que o escritor se levantasse e pedisse mil desculpas para o restante da fila, pois tinha um voo para pegar e precisava ir embora.
Enquanto ele saía, os assistentes distribuíam alguns marcadores de livros já autografados, mas isso não era o bastante para Anne. Nem um pouco.
Ela não tinha viajado em pleno dia trinta e um para dar com a porta na cara assim. Largou tudo para conversar pelo menos cinco minutinhos com seu ídolo. E entendia que foi avisado para que não se chegasse muito tarde, em função da corrida agenda de fim de ano, mas ela fez o que pôde! E não iria sair dali sem que realizasse seu sonho.
Arrastando a pequena filha, Anne foi falando com cada segurança do local, esperando encontrar alguma solução. A maioria usou de bastante antipatia para lidar com ela, como se fosse uma mulher desmiolada e infantil. Mas, por sorte, um deles pareceu compadecer-se de sua sofrida história.

— Eu lhe peço, senhora… – começou dizendo o homem de cabelos alourados, olhando de um lado para o outro, temendo que alguém estivesse escutando a conversa. – Não espalhe o que eu vou dizer para ninguém! Se souberem que deixei vazar a informação e um monte de fãs aparecerem para atrasá-lo, eu com certeza perderei meu emprego!
— Eu juro, eu prometo que só serei eu e que não tomarei muito tempo dele! – garantiu com a voz suplicante. – Mas, por favor, eu só preciso vê-lo, só preciso fazer com que meu esforço valha a pena!
— Tudo bem… – o segurança respirou fundo e acabou cedendo aos olhos castanhos desesperados. – Ele irá sair pelo estacionamento dois, numa van preta, em frente às docas. Por favor, seja discreta!
— Muito, muito obrigada! – Anne pulou no pescoço do homem e lhe deu um beijo estalado no rosto como agradecimento. – Eu prometo que nunca vou esquecer disso! Que Deus lhe abençoe e um ótimo Ano Novo pro senhor!
— Pra senhora também e espero que consiga realizar seu sonho!

Anne correu o mais rápido que pôde para o estacionamento dois, esperando chegar a tempo. Por sorte, assim que chegou ao local, viu tudo exatamente como o segurança indicou. Um grupo de pessoas movimentava-se pelo lugar, enquanto ela observava tudo de longe, atrás de um médio portão de ferro.
A van parecia esperar o último passageiro, que com certeza era ele.
Ela esperou apenas uns dez minutos até que o momento esperado aconteceu.
Uma porta se abriu e um homem, de estatura média e alguns fios de cabelos brancos já nascendo de suas têmporas, saiu pela porta segurando um menino pela mão, indo em direção à tal van.
O coração disparou instantaneamente no peito, como se tivesse corrido quilômetros de distância. Por um momento, Anne perdeu a fala. Seu sonho estava acontecendo, bem ali na sua frente, diante de seus olhos.
Não podia perder a fala agora! Por mais que estivesse tendo um ataque por dentro, tinha que ter alguma reação para concretizar esse sonho exatamente da forma que planejou. Não tinha vindo de tão longe para travar na hora H.
Era só respirar fundo e falar. Apenas isso.

— Senhor! – Anne finalmente tomou coragem gritou o máximo que pôde, esperando chamar sua atenção. Por sorte, o famoso escritor virou o rosto e a viu por detrás dos portões de ferro com um semblante desesperado na face. – Senhor, por favor! Eu viajei quatro horas de ônibus de Seattle até Olympia apenas para vê-lo! Eu sou uma enorme fã e precisava vir aqui dizer o quanto o senhor me ajudou com seus livros nos momentos difíceis da minha vida! – ela berrava cada palavra, sem importar-se com os olhares trocados pelos seguranças responsáveis pelo local, que provavelmente estariam taxando-a de louca no momento. – Desculpe se me comporto de forma um pouco exagerada, mas eu precisava que o senhor soubesse disso!

Um silêncio profundo irrompeu o local após os berros constrangedores.
Os seguranças se entreolharam mais uma vez, não sabendo se continuavam parados ou se deveria tomar alguma providência em relação àquilo.
Paul Reed olhava diretamente para a mulher, sem qualquer reação decifrável no rosto. Todos ao redor olharam para ele, esperando algum sinal. Tudo estava pronto para sua partida e ele ainda tinha compromissos a cumprir em Nova York antes da virada do ano.
Porém, contrariando todas as expectativas, o aclamado escritor e psicólogo apenas virou o rosto na direção do responsável e falou:

— Abram o portão e deixem-na entrar, por favor.
— Está louco? – seu agente colocou a cabeça para fora da van com cara de pouquíssimos amigos. – Temos que pegar o voo de volta para Nova York daqui a uma hora e já estamos muitíssimo atrasados! Você não pode atender mais ninguém.
— E quem disse isso? – desafiou sutilmente, com sua voz calma e educada. – A mulher viajou horas e ficou esperando até agora, além de ter uma linda menininha como acompanhante. – ele olhou rapidamente para garota e sorriu, mas ela ficou bastante tímida e escondeu-se atrás das pernas da mãe. – Não posso deixá-la ir para casa de mãos vazias.
— Você quem sabe! – retrucou o agente com certa rispidez. – Se não conseguirmos chegar em Nova York à tempo para a virada do ano, você terá de explicar a todos os responsáveis de seus compromissos a razão por haver atrasado!
— Não vejo problema algum nisso. – e virando-se novamente para o responsável pelo espaço, repetiu: – Abram o portão para a senhora, por favor.

Anne Morrison achou que iria ter um ataque do coração quando os portões se abriram.
Agora já não havia nada que a separasse de um dos seus maiores ídolos.
Como uma adolescente impulsiva, tudo o que conseguiu fazer foi correr em sua direção e dar-lhe um abraço carinhoso, demonstrando-lhe o quanto estava agradecida por tudo.

— Nunca pare de escrever, por favor. – disse entre lágrimas após conseguir soltá-lo. – Você salvou minha vida inúmeras vezes com suas palavras. Passei por muitos momentos difíceis e os conselhos do senhor me ajudaram a superar. Muito obrigada por tudo.
— Uau, eu… eu nem sei o que dizer! – Paul Reed ajeitou os óculos no rosto, segurando a emoção. Não esperava esse tipo de declaração, principalmente após o que havia passado nos últimos dois anos. No fim de tudo, ele não estava errado em retomar a carreira, mesmo que sua vida tivesse ido para o túmulo junto com a sua esposa. – Agradeço mesmo por todo o carinho e dedicação!
— Se não estiver pedindo demais… – Anne tirou o seu mais novo livro de dentro da bolsa, junto com uma caneta cheia de tinta. – O senhor poderia me dar um autógrafo? Eu quero guardar essa pequena recordação do nosso encontro para sempre.
— Claro, com todo o prazer! Farei até uma dedicatória, para compensar um pouco todo o sacrifício que a senhora teve de vir até aqui para me ver! Seu nome é…?
— Anne! Com dois enes, por favor. – a mulher sorriu, enquanto esperava Paul Reed assinar o seu livro.

A pouquíssimos metros dali, uma menininha de cabelos castanhos corria e brincava sem parar. Sua mãe estava tão ocupada realizando o seu maior sonho que nem prestava atenção na filha serelepe que ria e brincava consigo mesma.
Um menino emburrado, recostado sobre a van, a observava. De braços cruzados e sem paciência nenhuma para esperar seu pai cumprir mais um compromisso, Brandon Reed a olhava com um certo desdém. Ela parecia ter uma energia grande demais para alguém tranquilo como ele. No fundo, queria ser tão alegre quanto ela, mas a verdade era que não tinha tempo para isso. Não tinha tempo para brincar, gritar e fazer coisas de criança com tantas preocupações em sua cabeça. Era verdade que seu pai parecia bem melhor, comparado ao pesadelo dos últimos dois anos, mas não podia relaxar. Brandon tinha que estar sempre atento, pois um deslize seria o bastante para fazer seu pai voltar ao estado depressivo no qual se afundou após a morte de sua mãe.
Olhando rapidamente para a fã louca de seu pai, ele percebeu como esse encontro havia feito bem pra ele. Conhecia todos os tipos de sorriso de Paul Reed, os falsos e os verdadeiros. E era a primeira vez naquele dia que ele sorria verdadeiramente.
De repente, como se algo ou alguém a tivesse chamado, a menininha parou com as brincadeiras banais e olhou para ele. Era como se tivesse sido atraída por uma luz, uma luz que apenas ela conseguia ver. Uma luz que a deixava confortável, segura, como se perto dele não houvesse perigo. Como um barco perdido que procura pela luz de um farol, a pequena Lois olhou para o garoto, desejando ficar um pouco mais perto dele. O chamaria para brincar, perguntaria se podiam ser amigos. Ela era uma menininha solitária e encontrou nos olhos dele um reflexo de si mesma.
Dez metros dividiam os dois, mas ela o olhava fixamente, como se pudesse ver através de sua alma. Brandon pensou que ela era apenas uma criança muito esquisita, mas seu olhar o intimidou a ponto de forçá-lo a olhar para baixo, a fim de não precisar encará-la mais.
Porém, uma risadinha divertida e passos pesados correndo em sua direção o fizeram levantar a cabeça de novo. E levantou o olhar a tempo de vê-la tropeçar em uma pedra e cair com tudo no chão.
Quando a pequena menina abriu a boca e começou a chorar, Brandon sentiu um aperto no peito. Nada o angustiava mais do que ver alguém chorando, era como se pudesse sentir dentro de si a dor de quem sofria ao seu lado. Era algo mais forte, algo que parecia ter nascido com ele. Mexeu imediatamente suas pernas e foi ao encontro da menina, mesmo sem saber exatamente o quê fazer.

— Onde está doendo? – perguntou com ternura, ajoelhando-se ao seu lado, atraindo os olhos avermelhados e lacrimejantes da garotinha.
— Aqui… – disse com sua pequena voz inocente ao mesmo tempo que apontava para o cotovelo ralado. – Ta “duendu”muito.
— Minha mãe tinha um remédio mágico para passar esse tipo de dor. – comentou, enquanto pegava o cotovelo da menina com cuidado. – Ela dizia que era só assoprar com cuidado que a dor passava. Posso tentar?

A menina apenas assentiu, desejando que toda aquela ardência passasse logo.
Anne Morrison e Paul Reed vieram correndo na direção de ambos assim que Brandon começou a assoprar sobre a pequena ferida da menina.
O remédio mágico não era tão mágico assim, já que a ardência continuava, mas a pequena Lois não pôde evitar em abrir um enorme sorriso para o garoto que cuidava dela com tanta atenção. Queria agradecer-lhe e fez a menção de dar-lhe um beijo no rosto, mas sua mãe rapidamente a pegou no colo e a examinou de cima a baixo, como se ela tivesse sofrido um acidente terrível.

— Você está bem, minha filha? – perguntou Anne com certo desespero, enquanto procurava por mais feridas.
— Não foi nada, senhora, ela apenas tropeçou e, ao apoiar o cotovelo no chão, ralou um pouquinho a pele, mas nem saiu sangue, nem nada. – explicou Brandon, fazendo Anne arregalar os olhos.
— E quem é você?
— Meu filho. – explicou Paul com orgulho. – Um pouco inteligente demais para a sua idade e meio avesso às pessoas. Por isso não lhe apresentei, perdão.
— Avesso? – Anne sorriu de forma singela para o menino, agradecida por ter ajudado sua filha. – Ele não parece tão avesso em relação à Lois.
— Verdade. – Paul deu dois tapinhas no ombro do menino, um pouco surpreso pela sua atitude. – Depois da morte da mãe, Brandon pareceu se isolar das pessoas. E sempre dizia o quanto não gostava e não tinha paciência com crianças. Talvez sua filha seja uma exceção. – ele sorriu para a menina que agora enxugava as lágrimas restantes.
— Desculpe pela bagunça! – pediu Anne, sentindo-se um pouco constrangida. – Minha filha não para quieta, eu vivo tendo que correr atrás dela em todos os lugares. É um verdadeiro espírito livre, não gosta de ficar parada em um lugar só.
— Eu entendo, não se preocupe. – Paul tocou o rosto da menininha, que começou a rir para ele. – Mas não brigue com ela, é apenas uma criança. E uma criança muito especial.
— Como o senhor sabe? – perguntou, surpresa com a convicção em sua voz.
— Instinto. – ele deu de ombros, como se fosse a coisa mais natural do mundo. – Eu tenho um certo dom para entender as pessoas. E esse meu dom me diz que sua filha é apenas isso… especial.
— Ela é sim… – Anne deu um beijo cheio de carinho em sua filha, que a abraçou. – Ela é muito especial mesmo.
— Como é que é?! – a voz berrante saiu da van preta e vinha de seu agente irritadiço. – Paul, você já deu tudo o que sua fã queria, podemos ir agora?
— Tenho que ir, sinto muito. – lamentou-se para Anne.
— Claro, vá! Peço até perdão por ter atrapalhado o senhor! – Anne estendeu-lhe a mão e Paul a apertou com sinceridade. – Muito obrigada por toda a sua atenção. O senhor realmente merece todo o sucesso que conquistou.
— Eu que agradeço por tudo. – Paul pegou Brandon pela mão e sorriu mais uma vez para a mulher. – Feliz Ano Novo para a senhora!
— Para o senhor também, tudo de bom!

Paul e Brandon foram andando até a van, enquanto Anne seguiu parada, querendo aproveitar os últimos da imagem de seu ídolo.
Entretanto, antes de entrar na van, o menino deu uma pequena olhada para trás, desejando ver a menina pela última vez. E sorriu quando ela acenou para ele com toda a efusividade de uma criança de cinco anos.
A porta da van fechou-se abruptamente e Anne sentiu um aperto no coração. Quando a van preta finalmente tomou seu destino, ela se deu conta de que aquele era verdadeiramente o fim.

— Vamos voltar para casa, minha filha. Acabou.

E com mais um beijo no rosto de Lois, ela foi em direção à saída, pronta para tomar o caminho de volta para casa.
Anne Morrison pensava que esse era o fim. Que um ponto final havia sido posto nessa curta e bonita narrativa. Em seu coração havia um sentimento agridoce por saber que esse momento não aconteceria outra vez. Pelo menos era assim que seu raciocínio lógico pensava.
A questão é que o Universo não trabalha com a lógica linear dos seres humanos e essa não seria, nem de longe, a última vez que veria Paul Reed na sua frente. Apesar de terem vidas completamente distintas e morarem em extremos do país, a linha invisível que unia Anne Morrison a Paul Reed havia ficado ainda mais forte a partir deste encontro.
O que parecia o fim, na verdade era apenas o começo.
Mas ela só irá descobrir a grande surpresa que o destino lhe reserva daqui a dezesseis anos…

3 Poemas De Mia Couto, Do Livro “Poemas Escolhidos”

Rede

 

Mia Couto é conhecido por fazer poesia em prosa em seus livros de ficção. Ganhador de grandes prêmios, inclusive o Prêmio Camões, o mais importante em língua portuguesa, o autor de “Terra Sonâmbula”, traz neste livro poemas selecionados, que sintetizam sua obra poética até o momento.
Aqui estão meus três poemas favoritos do livro:

Doença

O médico serenou Juca Poeira.
Que ele já não padecia da doença
Que ali o trouxera em tempos.

E o doutor disse o nome
Da falecida enfermidade:
“Arritimia paroxística supraventricular”

Juca escutou, em silêncio,
Com pesar de quem recebe condenação.

As mãos cruzadas no colo
Diziam da resignada aceitação.

Por fim, venceu o pudor
E pediu ao médico
Que lhe devolvesse a doença.

Que ele jamais tivera
Nada tão belo em toda a sua vida.

Sementes

Olhos,
vale tê-los,
se, de quando em quando,
somos cegos
e o que vemos
não é o que olhamos
mas o que o olhar semeia no mais denso escuro.

Vida
vale vivê-la
se, de quando em quando,
morremos
e o que vivemos
não é o que a vida nos dá
nem o que dela colhemos
mas o que semeamos em pleno deserto.

A espera

Aguardo-te
como o barro espera a mão.

Com a mesma saudade
que a semente sente do chão.

O tempo perde a fonte
e a manhã
nasce tão exausta
que a luz chega apenas pela noite.

O relógio tomba
E o ponteiro se crava
No centro do meu peito

Fui morto pelo tempo
No dia em que te esperei.

 

 

Sejamos Todos Feministas – O Livro Que Toda Pessoa Deveria Ler

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“A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura.”

“Sejamos Todos Feministas”, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, é um ensaio derivado de uma palestra que a escritora ofereceu em uma conferência Ted em dezembro de 2012. Chimamanda foi aplaudida de pé e a palestra fez tanto sucesso que a autora reescreveu alguns trechos e lançou uma nova versão em livro.
No ensaio, a autora aborda o tema da desigualdade de gêneros e nos mostra alguns exemplos que ela, amigas e conhecidas (com as quais todas as mulheres seguramente vão se identificar!) sofreram por causa do machismo que povoa quase todas as culturas desde o início dos tempos. Chimamanda também conta casos de amigos homens que, apesar de serem boas pessoas, também mantinham atitudes e pensamentos machistas e excludentes, devido a uma educação que ensina, tanto aos meninos quanto às meninas, que os homens devem escolher e mandar e as mulheres apenas obedecer. Esse tipo de educação não pode mais ser perpetuada nos dias de hoje.
“Precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente”, diz a autora em um dos trechos do livro. Não podemos querer que o conceito de uma sociedade mude se continuamos a educar as nossas crianças da mesma forma com que nossos pais nos criaram. Se ninguém diz a uma menina que ela não deve se sentir inferior por causa de seu gênero ou se ninguém explica a um menino que uma garota tem os mesmos direitos e poderes que ele, não podemos esperar que eles se tornem adultos bem resolvidos e realizados.
“Sejamos Todos Feministas” é uma introdução do que é realmente o pensamento feminista. É um livro que pode e deve ser livro por qualquer pessoa, de qualquer idade, quer você se sinta homem ou se sinta mulher, quer você seja quem seja. O livro possui apenas 63 páginas de linguagem fácil e clara, seus olhos não irão ficar cansados e seu cérebro irá agradecer por poder absorver grandiosas informações.
O livro é apenas um ensaio pequeno e por isso não entra em questões mais profundas, que devemos procurar futuramente para nos inteirarmos mais sobre o assunto. Mas é uma enriquecedora introdução, principalmente para aqueles que ainda possuem ideias tão tortas e desinformadas sobre o que é o feminismo.
O feminismo não é o contrário do machismo, não é pregar uma troca de papéis onde as mulheres devem mandar e controlar o mundo enquanto os homens apenas precisam obedecer. Feminismo é libertar-se da ideia de que somos um gênero mais fraco, menor e incapaz de fazer e realizar as mesmas coisas. É ouvir o outro lado, é se interessar e admirar as diferenças entre os sexos e respeitar-nos acima de tudo como iguais. Somos todos seres humanos e queremos um mundo melhor para nossos descendentes. Comecemos por dar o exemplo.
O livro físico não custa mais do que quinze reais e a cópia digital grátis pode ser encontrada na Amazon.
Leia o livro, absorva as palavras, reflita e então permita que este pequeno livro chegue às mãos do maior número de pessoas possível. Espalhar palavras e ideias que abram a cabeça das pessoas é nosso dever como individuo em uma sociedade. Se queremos mesmo um mundo melhor, façamos por onde.
Parafraseando Mário Quintana, livros são capazes de mudar pessoas e pessoas são capazes de mudar o mundo. Acredito que “Sejamos Todos Feministas” seja um destes livros.

5 Conselhos de Rainer Maria Rilke Para Jovens Escritores

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“Cartas A Um Jovem Poeta” é um livro muito amado entre grandes escritores. Em sua carta ao  então jovem poeta alemão Franz Xaver Kappus, Rainer Maria Rilke oferece não apenas conselhos preciosos para quem quer se tornar poeta ou escritor, mas também conselhos para a vida, que ajuda a acalmar um coração jovem, inseguro e desesperado por respostas prontas à duvidas angustiantes.
Nosso grande poeta Manuel Bandeira, em entrevista a Homero Senna no livro “República das Letras”, disse que costumava recomendar o livro de Maria Rilke aos jovens poetas que iam até ele em busca de uma opinião experiente sobre sua própria poesia.
Após a leitura do livro compreendi porque esta pequena obra é sempre tão citada como essencial no meio literário. Vale a pena cada linha, seja você um aspirante das letras ou não.
Aqui estão meus cinco trechos favoritos:

1. “Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto, acima de tudo, pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: ‘Sou mesmo forçado a escrever?’. Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples ‘sou’, então construa sua vida de acordo com essa necessidade.”

2. “Relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza – relate tudo isto com intima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas de seu ambiente, as imagens de seus sonhos e os objetos de suas lembranças. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre na infância, essa esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela.”

3. “Leia o menos possível trabalhos de estética e crítica. Ou são opiniões partidárias petrificadas e tornadas sem sentido em sua rigidez morta, ou hábeis jogos de palavras inspirados hoje numa opinião, amanhã noutra.”

4. “Ser artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta tranqüila as tempestades da primavera, sem medo de que depois dela não venha nenhum verão. O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num grande silêncio intrépido, como se diante deles estivesse a eternidade. Aprendo-o diariamente, no meio de dores a que sou agradecido: a paciência é tudo.”

5. Não busque por enquanto respostas que não podem ser dadas, porque não as poderia viver. Pois trata-se precisamente de viver tudo. Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois, aos poucos, sem que o perceba, num dia longínquo, consiga viver a resposta.

E um conselho extra, que serve não só para escritores, como para qualquer ser humano:

“Como esquecer os mitos antigos que se encontram no começo de cada povo: os dos dragões que num momento supremo se transformam em princesas? Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas que aguardam apenas o momento de nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todo o horror, em ultima análise, não passe de um desamparo que implora o nosso auxílio.”

Livros Desconhecidos: A Condessa Cega E A Máquina De Escrever

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“Eu vagava pela floresta havia dias. Você era, pelo que me lembro, um pequeno córrego que não constava de nenhum mapa. Eu mesmo não a marquei no meu, pensando em mantê-la como um segredo, mas, por outro lado, nunca consegui achar o meu caminho de volta.”

Sou apaixonada por descobrir livros desconhecidos. Livros dos quais você nunca ouviu falar e nem sequer conhece o seu autor. Todos nós (espero!) já nos deparamos com um livro assim: aquele que você encontra no cantinho das enormes prateleiras de uma livraria e sente uma imediata conexão com a capa e com a sinopse. É uma compra arriscada, de fato, pois é complicado gastar dinheiro em algo tão desconhecido para depois, quem sabe, odiar. Mas em todas as minhas compras “arriscadas”, até o presente momento, fui muito feliz. E o livro  “A Condessa Cega e a Máquina de Escrever” foi mais um que entrou para essa lista de descobertas magníficas.
Apesar da escritora Carey Wallace ser americana, a história se passa na Itália do século XIX. Carolina, uma jovem e bonita condessa, vai perdendo a visão gradativamente. Ela tenta alertar aos pais e ao noivo sobre o que está acontecendo, porém ninguém acredita em suas palavras. Só quem lhe dá algum crédito é Turri, seu vizinho e melhor amigo. Conforme vai vendo o mundo se apagando com o passar dos dias, Carolina abre os olhos para o mundo mágico dos sonhos, muitas vezes ajudada pela imaginação irrefreável de Turri. Quando toda a luz se vai para sempre, ela ainda consegue se enxergar em sonhos e é isso que a mantém viva.
A protagonista da história é Carolina, mas Turri rouba as cenas nos poucos (talvez nem tão poucos assim, eu é que queria Turri presente em todas as páginas mesmo!) capítulos em que aparece. Dono de uma personalidade única e que vai na contramão do estilo da sociedade em que vive, Turri é marginalizado por suas invenções mirabolantes. Se tivesse recursos e oportunidades maiores, seguramente entraria para a História como algum cientista que mudou para sempre a forma como as pessoas vêem o mundo. Mas como está preso a um pequeno vilarejo na Itália, ele é apenas considerado louco, pois suas experiências nem sempre dão certo. Sua curiosidade é tão grande que Turri vive para descobrir respostas às coisas mais simples, como por que a chuva cai do jeito que cai ou por que jogar uma pedra sobre a água provoca sobre a mesma movimentos circulares. Ninguém tem paciência para as experiências de Turri, apenas Carolina, que muitas vezes também participa de suas invenções.
Carolina e Turri se complementam e se entendem, se enxergam além das aparências e se cuidam com tanta ternura que acaba sendo difícil para ambos manter tanto amor apenas mascarado de amizade, ainda que ambos sejam comprometidos. E é a partir de um presente especial de Turri que a vida de Carolina muda para sempre.
“A Condessa Cega e a Máquina de Escrever” vai muito além de uma clichê história fofa de amor, pois traz um final que alguns leitores acostumados com o mesmo enredo “príncipe-encontra-princesa-e-chega-o-final-feliz” podem não gostar muito. Apesar da escrita da autora ser carregada de poesias e metáforas que nos transportam ao mundo de sonhos de Carolina e Turri, é uma história bem verdadeira, onde todos os personagens que compõem o enredo parecem ser de carne e osso. E nada no nosso feio mundo real é preto no branco, a gente desliza mesmo por várias camadas de cinzas e imagino que o final do livro tenha de fato acontecido com muitos apaixonados do passado, que não puderam viver sua história de amor do jeito que sonharam devido às circunstâncias. Mas se olharmos o livro sob a perspectiva de que o verdadeiro amor é dar ao outro o poder de sonhar e de nos devolver a vontade de estar vivos, talvez consigamos ficar um pouco menos melancólicos.
Ame ou odeie o final, a verdade é que “A Condessa Cega e a Máquina de Escrever” é um livro que fica em você. Faz mais de duas semanas que acabei de lê-lo e ainda estou relendo alguns trechos para matar as saudades de Turri. Confesso que ainda estou numa ressaca literária com este livro e tenho certeza de que falarei sobre a ternura deste livro por muito e muito tempo…

Título: A Condessa Cega e a Máquina de Escrever
Autor: Carey Wallace
Editora: Rocco
Número de Páginas: 256

Meus 9 Trechos Favoritos Do Livro “E Se Obama Fosse Africano”, De Mia Couto.

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Mia Couto é um dos mais importantes escritores de Moçambique. Ele é conhecido pelos seus incríveis romances, contos e poesias. Mas no livro “E Se Obama Fosse Africano”, uma coletânea de palestras que proferiu em diversos lugares do mundo, Mia também se mostra espetacular como um pensador contemporâneo. Suas visões sobre política, desigualdades sociais e raciais, cultura e literatura deixam qualquer leitor, seja este fã ou apenas um novo conhecedor de seu trabalho, maravilhado com as ideias do escritor.
Foi muito difícil escolher apenas nove trechos – uma vez que eu marquei o livro quase todo – mas aqui estão os que, para mim, tiveram mais importância:

1)    “O único segredo, a única sabedoria é sermos verdadeiros, não termos medo de partilhar publicamente as nossas fragilidades.”

2)    “Estamos dispostos a denunciar injustiças quando são cometidas contra a nossa pessoa, o nosso grupo, a nossa etnia, a nossa religião. Estamos menos dispostos quando a injustiça é praticada contra os ‘outros’.”

3)    “Fala-se muito dos jovens. Fala-se pouco com os jovens. Ou melhor, fala-se com eles quando se convertem num problema. A juventude vive essa condição ambígua, dançando entre a visão romantizada (ela é a seiva da Nação) e uma condição maligna, um ninho de riscos e preocupações (a Sida, a droga, o desemprego).”

4)    “A escola é um meio para querermos o que não temos. A vida, depois, ensina-nos a termos aquilo que não queremos. Entre a escola e a vida resta-nos sermos verdadeiros e confessar aos mais jovens que nós também não sabemos e que, nós, professores e pais, também estamos à procura de respostas.”

5)    “A verdade é que nós somos sempre não uma mas várias pessoas e deveria ser norma que a nossa assinatura acabasse sempre por não conferir. Todos nós convivemos com diversos eu, diversas pessoas reclamando a nossa identidade. O segredo é permitir que as escolhas que a vida nos impõe não nos obriguem a matar a nossa diversidade interior. O melhor nesta vida é poder escolher, mas o mais triste é ter mesmo que escolher.”

6)    “Quanto mais pobre é um país maior é a capacidade de se destruir a si mesmo.”

7)    “A cilada maior é acreditarmos que as armadilhas estão sempre fora de nós, num mundo que temos por cruel e desumano. Ora, por mais que nos custe, nós somos também esse mundo. E as armadilhas que pensávamos exteriores residem profundamente dentro de nós. Quebrar as armadilhas do mundo é, antes de mais, quebrar o mundo de armadilhas em que se converteu nosso próprio olhar.”

8)    “Tenho escrito repetidamente que o nosso maior inimigo somos nós mesmos. O adversário do nosso progresso esta dentro de cada um de nós, mora na nossa atitude, vive no nosso pensamento.”

9)    “Cada um de nós corre o risco de ficar sepultado no seu próprio passado. Todos temos de resistir para não ficarmos aprisionados numa memória simplificada que é o retrato que outros fizeram de nós. Todos trazemos escrito um livro e esse texto quer-se impor como nossa nascente e como nosso destino. Se existe uma guerra em cada um de nós é a de nos opormos a este fardo de estarmos condenados a uma única e previsível narrativa.”

Bônus: “Um país em que as mulheres só podem ser a sua metade está condenado a ter apenas metade do seu futuro.”

Resenha: Se Você Me Chamar Eu Largo Tudo… Mas Por Favor, Me Chame, de Albert Espinosa

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“Em plena madrugada, olhe para os edifícios altos e vai ver que há poucas luzes acesas, pouquíssimas. Quase todo mundo dorme, só há uns poucos que estão acordados… E esses são os que procuram e os que encontram. Nessas altas horas da noite, quando todo mundo dorme, eles estão amando ou desfrutando de conversas intensas… E esse sentimento e essas palavras mudam a vida deles.”

Foi ano passado que achei este livro numa livraria. O nome me chamou muito a atenção com um titulo que é mais uma frase e uma frase muito bem formulada. Aliada à ótima sinopse da contracapa, não resisti e resolvi levá-lo. Como faço com a maioria dos meus livros, o coloquei em minha estante e esperei que chegasse a hora de lê-lo. O último fim de semana me fez redescobrir este livro entre tantos outros, pois queria algo pequeno (o livro tem apenas 150 páginas!) e leve para ler em um final de semana e descansar um pouco dos estudos e leituras literárias que ando fazendo.
“Se Você Me Chamar Eu Largo Tudo… Mas Por Favor, Me Chame” foi escrito pelo espanhol Albert Espinosa. A história também se passa na Espanha e conta a vida de Dani, um homem que se dedica a buscar crianças desaparecidas e está separando de sua mulher. Enquanto a esposa arruma as malas e vai embora, Dani recebe a ligação de um pai desesperado atrás do filho desaparecido, que foi levado pelo sequestrador até a ilha de Capri, na Itália. Por ter vivido momentos mágicos nessa ilha, Dani aceita o caso e retorna à ilha tendo como missão encontrar o menino e reencontrar em suas próprias lembranças o menino que um dia foi.
A história tem uma premissa muito boa, mas não foi bem executada. A narrativa – que é sempre feita em primeira pessoa – me pareceu pobre e preguiçosa. Os parágrafos são curtíssimos e a história é mesmo explicada através dos diálogos. Deu a impressão que o autor tinha algum prazo curto pra terminar a história e fez um rascunho em forma de livro.
Outro ponto que me incomodou foi a falta de perguntas respondidas. O autor criou toda uma trama interessante, onde o passado do protagonista parece ter algo a ver com o menino que desapareceu, mas Albert Espinosa resolveu deixar todas as questões em aberto. Eu adoro finais abertos quando são bem feitos e tem um propósito, o que não foi o caso. Outra vez, me pareceu tudo muito corrido e no fim a justificativa para todas as questões se reduzem simplesmente no bordão “a vida é assim, cheia de mistérios” e fica por isso mesmo.
Entretanto, existem pontos positivos, como os personagens com quem Dani se encontra no passado e mudam sua vida completamente. As conversas do protagonista com duas pessoas bem mais velhas, em diferentes fases da vida, nos coloca para refletir sobre diversos aspectos sobre a paixão de estar vivo e fazer nosso tempo aqui valer a pena.
Também me agradou uma certa característica física do personagem principal que achei bem original e não costumo ver em livros. A sinopse não fala nada sobre isso, então é muito legal descobrir de repente  que Dani é diferente.
“Se você me chamar…” é um livro bom e só. Ótimo pra ser lido em um dia e para relaxar a mente, que era meu objetivo. Mas não é um livro que marca ou que vá fazer muita diferença em nossas vidas. Com um nome atrativo desses e uma capa muito bem feita, é uma pena.

14 – Virginia E Suas Ondas.

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Um novo livro de Virginia Woolf está na vitrine de uma livraria. Mesmo morta há tanto tempo, mais um livro seu é lançado. Sorte para nós. Ou para mim, pelo menos. Posso respirar aliviada ao saber que existem mais letras de Virginia a serem lidas.
Virginia não é só uma escritora preferida. Não é esse alguém que morou em outro país, falava outra língua e viveu em outra época. Virginia é uma amiga. A melhor amiga. Daquelas que atravessam a pele. A que tem a coisa certa a dizer quando você mais precisa. A que te faz sentir que tudo vai ficar bem – mesmo que não tenha ficado para ela. É daquelas amigas que a gente já considera parente. Ela está comigo todos os dias, bem pertinho de mim, mais presente do que pessoas que moram em meu país, falam minha língua e vivem em minha época.
Nos conhecemos quando eu tinha dezesseis anos. Adolescentes acham o maior barato uma carta de amor suicida. Quis me aprofundar um pouco mais naquela alma atormentada e não deu outra! Nosso amor irremediável pelo mar foi o assunto principal de nossa atração. O primeiro e derradeiro laço.
Dizem-me ser quase impossível ler “As Ondas”. O fluxo de consciência, a vida manchada dos seis personagens misturando-se como cores dentro de uma bolha de sabão, a narrativa poética e que não segue o típico “início – meio – fim”… Os que conheço tiveram problemas com o livro. Eu não. Para mim não teve muita coisa estranha. Foi como ouvir uma mente que já conheço de vidas passadas falando sobre coisas e lugares que não me são desconhecidos. Foi como encontrar uma porta aberta e ver-me finalmente em casa.
Quando a vida fica difícil, quando o ar parece pesar mais que uma tonelada sobre mim, corro para os braços de minha amiga, me jogo sobre seu mar e me deixo boiar em suas ondas enquanto o mundo explode lá fora. Nossas águas se misturam, trocamos vivências, nos conhecemos mais ainda e então, de súbito, algumas das principais questões sobre o Universo me parecem claras. Para mim, Virginia e o mar sempre têm todas as respostas.
Um novo livro de Virginia Woolf está na vitrine de uma livraria. Sorrio. É hora de reencontrar minha amiga e dizer-lhe que estava morrendo de saudades.

01 – Livros

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Eu realmente não lembro qual foi o primeiro livro que li na minha vida. Muitos, muitos passaram pelas minhas mãos desde quando era bem pequena até quando pude obter uma consciência do que era ler e o que isso significava realmente. Mas eu lembro, com certeza, o primeiro livro que me fez amar outros livros: Senhora, de José de Alencar.
Eu lembro como se fosse ontem a primeira vez que toquei neste livro. Eu não estava bem naquele dia. Tinha 13 anos, estava na 8ª série e a vida já estava acontecendo para mim. Naquele dia, minha turma foi obrigada a ver o vídeo “An Inconvenient Truth”, do Al Gore, na sala de vídeo – que também era chamada de Sala de Leitura, porque estudava numa escola pública e era tudo no mesmo lugar – e fiquei sentada numa mesa perto da estante de livros. Os minutos passaram, o vídeo tava me dando nos nervos (tinha muito animal morrendo, a cena dos porquinhos se afogando me traumatiza até hoje, não agüentei olhar), eu já estava de saco cheio daquilo tudo, de todas as pessoas ao meu redor e foi nesse momento que virei a cabeça para o lado para tentar respirar fundo e manter o controle. Foi quando olhei para um livro em particular e vi o nome “Senhora”. O primeiro pensamento que veio à minha cabeça foi de realmente uma senhora de 80 anos, com um colar de pérolas e fazendo crochê em uma cadeira de balanço (sim, essa era a imagem preconceituosa e ignorante que vinha à minha cabeça cada vez que ouvia a palavra ‘senhora’). Lembro que perguntei-me porque diabos alguém escreveria sobre uma senhora de 80 anos e como aquilo daria um livro (again, perdoem o preconceito estúpido da idade). E foi entupida de curiosidade que tirei o livro da estante. Não exagero quando digo que imediatamente senti uma conexão especial com aquele livro, principalmente quando li a sinopse e vi que se tratava de um casamento arranjado e amor/ódio, que são meus tipos favoritos de histórias.
O tempo da aula acabou, coloquei o livro de volta na estante e fui para casa sem tirar ele da cabeça. No dia seguinte, assim que bateu o sinal do intervalo, eu já estava na sala de leitura com o livro na mão e com o meu nome já anotado no caderninho de empréstimos.
Vocês devem estar se perguntando porque diabos eu estou falando de um livro em particular quando o título desse primeiro pensamento se chama “LIVROS”. A resposta é simples: Senhora foi o primeiro livro que curou a dor do momento.
Eu sempre fui lerda pra ler (ainda sou!), mas li Senhora em 3 dias, se não me engano. O primeiro livro que fiquei enrolando para terminar, pois não queria que aquela história acabasse de jeito nenhum. Como iria me despedir de Aurélia e Fernando dessa forma, quando vivi 3 intensos dias todo o turbilhão de sentimentos, de amores e orgulhos extremamente feridos, dentro de uma única casa? Eu vivia  história desses dois como se estivesse ali, como se eles fossem meus parentes, onde a dor, a frustração, o amor e todos os sentimentos deles também fossem meus.
Quando digo que Senhora foi o primeiro livro que curou a minha dor, não falo num sentido figurado, mas no literal mesmo. A sensação que me arrebatou quando acabei o livro foi tão intensa que, pelo menos por um par de dias ou um pouco mais, eu ainda estava vivendo com Aurélia e Fernando e tudo o que estava vivendo na minha vida naquela época foi meio que guardado em uma caixinha e, por alguns dias, ficou mais fácil respirar.
Eu sempre gostei de ler, desde que aprendi a juntar A com B, mas os livros para mim nada mais eram do que histórias sem noção e divertidas da coleção vaga-lume. Mas Senhora foi o divisor de águas, o que me fez aprender não só a ler como se deve um livro, mas também a vivê-lo intensamente. Nem mesmo Harry Potter, que foi o divisor de águas da minha geração, conseguiu esse efeito sobre mim.
Engraçado como os momentos-chave de nossas vidas acontecem da mesma forma: apenas aquele 1 segundo, 1 objeto, 1 brevíssimo espaço de tempo que muda todo o rumo de nossa história. A moral de todo esse texto é que, se eu não tivesse virado a cabeça naquele momento, olhado para aquele livro em particular e não pensasse porque alguém faria um livro sobre uma pessoa idosa, tudo seria diferente. Eu fui uma pessoa diferente antes e depois de Senhora.
Se eu achava que as coisas estavam melancólicas em 2005 é porque minha mente inocente não fazia ideia do que me esperava nos anos seguintes. Sem entrar em mais detalhes, eu posso dizer com toda a segurança do mundo que os livros (junto com algumas pessoas incomparáveis e especiais), salvaram minha vida.
Se hoje escrevo, é por causa dos livros.
Se as melhores pessoas do mundo hoje fazem parte da minha vida, é por causa dos livros.
Se hoje estou pobre de marré, também é por causa dos livros, porque eu compro uns 5 por mês, mesmo sabendo que nem duas vidas serão o bastante para ler tudo o que eu tenho aqui.
Existem pessoas que dizem que eu não vivo, que só sei ficar agarrada a uma ilusão e que isso não vai me levar a lugar algum. Pessoas que nunca leram um livro, claro, que nunca tiveram a oportunidade de pegar em um “Senhora” da vida e passar a ver o mundo sob uma nova perspectiva. Elas dizem que sou louca, mas loucas são elas, que vivem na entediante e insuportável realidade como se fosse a coisa mais sábia e sadia do mundo.
Quem me conhece pelo menos um pouquinho sabe que meu livro favorito de todos os tempos é A Menina Que Roubava Livros. Este foi outro que mudou a minha percepção sobre certos fatos da vida e, como costuma dizer uma das pessoas mais perfeitas do mundo, depois dele nunca mais vou sorrir. Mas ele só foi importante assim porque foi Senhora quem me ensinou a ler diferente, quem me ensinou a ler com outros olhos. Entendem esse rolo todo que eu falei aqui?
A verdade, a mais pura verdade é  que livros, palavras e histórias, têm o poder de transformar uma vida, de fazer-te olhar o mundo com outros olhos e até mesmo permitir que você seja uma pessoa muito, muito melhor.
Tenho a plena certeza de que quem diz que não gosta de ler é porque ainda não achou um “Senhora”, ou seja, não achou o livro certo.
Eu espero realmente que você encontre um livro assim e possa entender com plenitude cada palavra escrita aqui.