Todas as Letras Que Sonhei – Ebook

“Todas as Letras Que eu Sonhei” é um copilado dos textos, contos e poemas que postei no meu blog Sonhos de Letras nos últimos dez anos e que agora estão reunidos em um singelo livro, tanto para os novos leitores que não tiveram a oportunidade de acompanhar meu trabalho desde o começo, como para aqueles mais antigos que seguem me acompanhando e acreditando nas histórias que eu tenho para contar.
Espero que esses contos, textos e poemas possam ajudá-los a continuarem sonhando, nesse mundo onde cada vez parece haver menos espaço para o amor e para os sonhos.
São mesmo tempos difíceis para os sonhadores, mas se não sonharmos, meus amigos, quem sonhará por nós?

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Cidade do Vento [versão 2023]

Eu tive um sonho. O mais belo de todos. O mais estranho de todos. Mas principalmente, o mais verdadeiro de todos.
Andava por uma longa estrada, sem caminho e sem rumo, parecia que eu estava em busca de algo, ainda que não soubesse certamente o quê.
Uma leve brisa soprava meus cabelos, empurrando-os para frente. Era como se o vento estivesse me dizendo para continuar nos momentos em que eu tinha vontade de desistir. Estava sendo empurrado, guiado para algum lugar. Para alguém.
E então, escutei uma voz.
Um sussurro.
Era como se o vento estivesse falando comigo.
Era como se o vento estivesse me chamando.
Assim que abri os olhos ao despertar, decidi seguir esse vento. Há sonhos que não são simplesmente sonhos e sim algum aviso para mudarmos nossa forma de ser ou de viver. E estava na hora de pegar a estrada. A estrada da qual havia sonhado. E deixar que o vento me guiasse.
Com uma mochila nas costas e sem esquecer das pessoas que estava deixando para trás, dei o primeiro passo para sair de casa. Estava em busca de algum maravilhoso mundo novo ou de alguma nova canção para minha vida tocar.
A verdade é que eu estava em busca da vida. E só poderia encontrá-la se fosse atrás do movimento.
Um convite bate à nossa porta todos os dias. Um convite invisível, talvez também incompreensível, mas que está ali. Porém as pessoas não veem, viram a cara, têm medo. Elas não querem sair da rotina. Porque o desconhecido é um terreno bastante perigoso.
Eu atendi ao convite da vida. E estava à procura da felicidade. 
Durante o caminho encontrei muitas pedras. Enfrentei muitas tempestades, passei fome e sede. Lutei contra dragões perigosos e andei sobre o mar. Saltei até segurar uma nuvem em minhas mãos e, ao prová-la, vi que era mesmo feita de algodão doce.
Cumprimentei fadas, lutei ao lado dos elfos e ajudei aos duendes reestruturarem uma floresta destruída pelo fogo da ganância e do poder.
Andei mais por vários dias. Em uma noite de exaustão e desânimo, me deitei sob as estrelas, pensando que tudo tinha sido em vão. Por que eu, aquele típico ser humano que está sempre querendo mais do que pode ter, ainda não estava satisfeito? Por um momento a razão falou mais alto e pensei que talvez fosse uma completa loucura largar a minha vida para buscar algo que eu nem mesmo sabia o que podia ser. E entre pensamentos abatidos e desesperançosos, adormeci.
Sonhei com anjos. As nuvens – que eram mesmo de algodão doce – estavam repletas deles, vestidos com suas túnicas brancas e abençoados com as auréolas em suas cabeças. Todos me observavam, enquanto eu seguia deitado na relva, encarando todo aquele público que me olhava. De repente o menor dos anjos saiu detrás das nuvens, com algo em sua mão. Era uma criança, que descia dos céus para me dar um presente.
Eu não conseguia me mover. Estava entorpecido por toda aquela áurea angelical. A menina loira e de cabelos cacheados colocou algo entre minhas mãos. Mas era invisível.
Ela meu deu um beijo e me disse: “Siga a rosa branca”.
E então partiu. E eu acordei.
O vento soprou no instante em que abri meus olhos. O vento outra vez. Ele me passava as mensagens, ele me impulsionava a continuar.
Peguei novamente minha mochila e reconstruí os sonhos e as esperanças. Se eu já havia percorrido tanto, deveria ter algum propósito. Ninguém recebe tantos sinais se não for para segui-los. E eu seguiria o meu destino.
Parei de contar os dias, as horas, os minutos, pois tudo isso atrasa a vida. Deixei o sopro do vento me conduzir para o caminho certo, acompanhei seu rumo e prossegui sem medo. O que interrompe a estrada de alguém não são as tempestades ferozes ou o sol escaldante. É simplesmente o medo. E eu fiz questão de mantê-lo bem longe de mim.
Uma canção de amor sussurrava em minha mente quando pisei no primeiro paralelepípedo. Só então notei que a estrada arenosa havia acabado e que havia chegado a algum lugar. Levantei meu rosto e pude ver uma cidade à minha frente, com um arco-íris circundando-a devido à leve chuva que havia caído junto com o sol que escalava o azul do céu aos poucos.

“Seja bem-vindo à Cidade do Vento”

A inscrição na placa de madeira fixa na entrada fez meu coração saltar.
Eu tinha seguido o vento. E ele havia me trazido até aqui.
Como mágica, o vento começou a soprar em minhas costas e eu avistei, na primeira casa onde minha visão conseguia alcançar, uma mulher sentada em um pequeno banco. Meus olhos não conseguiram desviar para outro lado e percebi quando ela me avistou também. Mesmo de longe, pude ver um lindo sorriso se abrir em seu rosto. Ela veio caminhando até a mim, com seus cabelos balançando pelos ares e, quando se aproximou, vi que tinha algo em sua mão: uma rosa branca.
Naquele momento meu peito encheu-se de um ar mais puro, de uma felicidade indescritível.
Nunca a tinha visto em minha vida. Mas a conhecia de muito antes.

— Estás aqui. Finalmente. – disse com a voz baixinha, quase como num sussurro, e sorriu em seguida.
— Estava esperando por mim? – indaguei.
— Você não faz ideia de quanto tempo te esperei.
— E você não faz ideia do que eu fiz para te achar.

E então ela segurou minha mão como se não pretendesse mais soltá-la. Mesmo não tendo se apresentado, eu a conhecia. Porque não são necessários nomes para identificar alguém. Mesmo que se passem vidas ou eras, quando se trata de um reencontro, a gente sempre sabe.
E sentindo seus dedos se entrelaçarem aos meus, me conduzindo para dentro da Cidade do Vento, percebi, com um enorme alívio e conforto no peito, que havia conseguido alcançar meu objetivo.
Tinha encontrado o meu lugar.
Finalmente.
Eu estava em casa…

O Girassol

Numa manhã de primavera, um girassol abriu-se em flor pela primeira vez.
Quando os primeiros raios do sol tocaram suas pétalas, apaixonou-se. A luz atravessou suas folhas, passou pelo caule, até tocar a raiz e fez com que o pequeno girassol transbordasse de amor em cada pedaço de sua existência. Era recém-chegado à vida, mas o girassol já sabia que havia nascido, que fora criado para amar o sol e para sempre ser-lhe fiel.
Não havia outras flores ao redor. Era uma flor solitária que tinha florescido em um vasto campo verde com vista para a montanha. “Assim seria melhor”, ele pensou. Dessa forma poderia amar sozinho o sol e ser amado por ele, sem que nenhuma outra flor entrasse no caminho para competir.
Durante todo o dia o girassol sentiu-se feliz para sempre. Seria eterno enquanto o sol existisse. O sol insistia em mudar de lugar, movimentando-se da direita para a esquerda lentamente, afastando-se cada vez mais da flor apaixonada. Mas o girassol, insistente, seguia seu rastro movendo também seu centro da direita para a esquerda, sem deixar o amado sair de vista. Entretanto, apesar das tentativas, o sol parecia escapar-lhe cada vez mais, indo em direção à montanha. Então, foi desaparecendo de pouquinho em pouquinho, até deixar somente um rastro de luz amarelada que contornava a imperiosa montanha.
A brisa gelada trouxe consigo o crepúsculo. O girassol, agora doído e desesperado, não podia mais seguir o sol. Sua luz havia desaparecido por detrás da montanha e era impossível correr até o outro lado para ver onde o seu amado havia se escondido.
O girassol tentou falar, pedir para que o sol ficasse, para que não o deixasse… mas não tinha voz. Era uma planta inútil, presa à terra, alma solitária em um terreno intocado por mãos humanas. O sol era sua única esperança de vida. Se o sol não estava ali, não poderia mais existir.
A noite apareceu por completo quando toda a luz do sol foi substituída pelo brilho das estrelas. O girassol, triste e desolado, curvou-se, encarando a terra que o aprisionava. Seu corpo não era mais preenchido de luz, de calor, de nada. Era uma flor vazia, sem propósito de existência, sem ter para quem mirar o seu centro. A tristeza do girassol arrebentou-lhe, enfraqueceu-lhe as pétalas, que caíam uma por uma sobre o campo verde, que assistia ao desespero da enamorada flor sem nada poder fazer.
Durante toda a madrugada, o girassol foi definhando aos poucos, desprendendo-se de si mesmo, desprendendo-se da vida. A cruel solidão da noite o desmanchou em fragmentos com suas mãos frias e impiedosas. Olhando uma última vez para a montanha que escondeu o seu amado para sempre, o girassol deixou-se terminar pela escuridão que o devorou.
O vento veio recolher os seus restos e os levou pelos ares, carregando sua alma em direção ao desconhecido. Agora, sobre o vasto campo verde em uma madrugada de primavera, não havia mais nenhuma flor.
Quando o sol voltou a nascer na manhã seguinte, pronto para ser adorado pelo girassol apaixonado, ele não estava mais ali para recebê-lo.

#4 – O Cachorro e o Prego, um conto por Amanda Palmer [Youtube]

Hoje trago uma pequena história retirada de um livro que me marcou muito, chamado “A Arte de Pedir”, escrito pela cantora e escritora Amanda Palmer.

É uma história para se fazer uma profunda reflexão sobre as decisões que tomamos (ou deixamos de tomar) em nossas vidas.

Espero que gostem desse pequeno conto tanto quanto eu gosto!

Laila e a Primavera

É dito que a primavera vem vindo e Laila sai correndo pela grama.
Pequena moça de cabelos cacheados, loiros, até a cintura, Laila sorri para o vento fresco trajando um vestido branco, tão branco quanto os lírios que idolatra.
É dito que a primavera vem vindo e Laila acredita. Não tem noção de muita coisa, mas reconhece quando a brisa toca a sua pele de forma diferente, quando o ar gélido já não lhe oprime os pulmões e quando a esperança torna a brilhar em seus olhos castanhos.
“É primavera!” – grita a menina com a voz jovem de seus dezoito anos de idade. – “É primavera, olhem! A felicidade está voltando!”
Laila é seguida por suas cuidadoras, por moças dez anos mais velhas que ela e que sempre estão ao seu lado. Até hoje não sabe, não entende por que estão ali, por que cismam em lhe seguir, mas não importa, não importa nem um pouco!
“É primavera!”, segue gritando, enquanto rodopia com as borboletas multicoloridas ao seu redor.
É dito que a primavera vem vindo e que ele está voltando!
Laila senta-se sobre a grama, descansa de seus rodopios e olha o delicado relógio em seu pulso. Falta muito para o meio-dia e ela nem sabe ao certo porque está esperando o meio-dia. Ele não disse hora, não precisou muita coisa, só fez promessas, disse que pediria ao seu pai sua mão em casamento, como toda dama de boa família merecia, e Laila acreditava que pontualmente ali ele estaria.
É verdade, ele viria, com seu terno marrom, o cabelo engomado, com um porte de lorde inglês, coluna ereta e voz grave. Laila nunca havia visto um lorde inglês, raramente saía de casa depois de seus quinze anos completos, mas imaginava que ele parecesse um.
É dito que a primavera vem vindo e Laila gargalha de felicidade junto ao canto dos pássaros que vieram cantar com a menina uma canção de alegria e amor. Primavera significa muitas coisas, significa botões dando flor, o fim de um inverno gelado, o renascimento do sol por detrás da colina, o regresso dele, o pedido de casamento e seu final feliz!
É dito que a primavera vem vindo e ali estava ele, finalmente!
“Olhem, olhem, ele voltou!” – berrava a menina aos saltos, apontando para a imagem que via atrás dos portões de ferro que protegiam o terreno da enorme propriedade de seu pai. – “Ali está, não estão vendo? Ali vem ele, meu amor, meu amor voltou!”. Não era ainda meio-dia, pensou Laila, nem sabia que horas eram, não tinha noção das coisas, nunca teve e isso nunca importou.
A felicidade fez flores brotarem em seu peito, flores brancas, lírios, os mais belos lírios que os olhos de Laila haviam visto!
“Vamos, abram os portões! Abram os portões, ele chegou! Ele chegou!”
A menina continuava a rir com os pássaros, a rodopiar com as borboletas e a colher lírios de seu peito. Ele lhe sorria por detrás do portão e acenava, estava ali e era chegado o momento! Pediria a sua mão e Laila, a pequena e sonhadora Laila, teria seu tão esperado final feliz!


**


É dito que a primavera vem vindo, mas ela não chega, ela nunca chega para o mundo fora de Laila.
Suas cuidadoras se entreolham, tristes, esperando que o pico de euforia acabe, que um dia esse pesadelo termine, em algum momento dos anos, em algum espaço do tempo, como que por um milagre.
Suas cuidadoras esperam, como sempre esperam todos os dias, há três anos, o despertar do sonho, esperam os lírios destroçados caírem do peito de Laila para então se levantarem, colherem suas pétalas e regressarem com a menina catatônica à casa, num ciclo que não termina e não tem previsão de terminar.
Laila sonha e sorri, canta e se declara para o vento, apenas para o vento, que passa e passa invisível do outro lado do portão.

Essas Mulheres – Ebook

Mulheres fortes e ao mesmo tempo vulneráveis; mulheres que sonham voar mesmo se escondendo atrás de grades; pequenas mulheres que desejam ser grande; grandes mulheres que por dentro ainda são pequenas; mulheres que foram apagadas, mulheres que foram demonizadas; mulheres que lutam contra a própria mente, mulheres que sentem tudo intensamente; mulheres que buscam encontrar um amor, não apenas nos outros, mas principalmente dentro de si.

“Essas Mulheres” traz 14 pequenos contos sobre diversos tipos de mulheres que moram dentro de você, que moram dentro de todas nós, mulheres que desejam ter sua história contada e validada em um mundo controlado para não ouvir a voz de uma mulher.

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Sobre Palavras, Músicas e Despedidas.

piano

Os olhos cor de mel encontram os meus numa sala vazia e sombria.
O silêncio nos consome, o medo nos corrompe e palavras nos constrangem.
O que há mais a ser dito?
Depois de todos esses anos, depois de todos esses danos, o que há mais a ser dito?
Não há nada. Não há uma única sílaba, uma única letra, uma única saída.
O ponto final em nossa história já foi posto.
Se fui eu quem colocou, se foi você quem colocou, se foram os dois, exatamente ao mesmo tempo… Isso não importa.
Nossa história acabou.
Mas quem será o primeiro a cruzar a porta?
Quisera fazer-te uma canção de despedida, escrever-te uma letra de amor perdido, mas nem isso.
As palavras nos abandonaram de vez.
O que faremos? Como sobreviveremos?
Se não podemos usá-las, então toquemos.
Toquemos uma doce melodia qualquer. Seja de Mozart, Beethoven ou Chopin.
Toquemos, ainda que seja simples, fugaz, feita em um quarto escuro às duas da manhã.
Toquemos e evitemos o constrangimento.
Evitemos o desejo errôneo de insistir em estarmos um com o outro.
Dois artistas jamais poderão tocar juntos se não estiverem afinados. Se não estiverem na mesma freqüência, no mesmo tom. Do contrário, a música não acontece, as melodias não se cruzam e tudo o que resta são duas pessoas frustradas, que fizeram de tudo para conseguirem absolutamente nada.
Não é melhor evitarmos?
Oh, não é melhor deixarmos?
Devolvam-me meu piano e me deixem respirar. Por favor, vá para o seu quarto, toque sua música, enquanto eu ficarei aqui, sozinha, largada, deixada, tentando fazer a mesma coisa com a minha alma quase apagada.
O desejo gritante e agonizante de sua companhia nunca foi o bastante para mantê-la.
Talvez você tenha desejado a minha também ou talvez apenas tenha fingido por educação.
O fato é que nenhuma canção foi composta por esta dupla fracassada, por mais que nossas mentes criativas tenham adorado o processo de criação.
Devolvam-me meu piano e me deixem tocar. Deixem-me sentir os dedos flutuarem pelas teclas brancas e negras outra vez. Deixem-me sentir ser levada pela música, por aquele toque sutil que nenhum outro instrumento é capaz de executar.
Façam com que minha alma voe para longe, para tomar um descanso, deixando corpo pesado e cansado descansar de uma vez por todas.
Deixem-me viver de música.
Devolvam-me meu piano e deixem-me viver de música.
Eu não quero mais palavras; cansei delas.
Cansei de toda a sua repetição constante, das linhas ambíguas que dizem tudo e nada ao mesmo tempo. Cansei das inúmeras rimas, do barulho seco e vazio que produzem quando são criadas.
Quero o tom úmido do dó, ré, mi e o toque sutil e anestesiante do fa, sol, la, si.
Quero viver de música.
Da música que não mente, que não engana, que não esconde.
Que não mata, que não decepciona, como as palavras fazem com maestria.
Quero viver de música e me perder em toda sua melodia.
Pois já cansei de ser a garota estúpida que ainda escreve sobre contos de fadas e acredita em magia.

Os olhos cor de mel encontram novamente os meus numa sala vazia e sombria.
O silêncio ainda nos consome, o medo ainda nos corrompe e palavras ainda nos constrangem.
Nossas almas já sabem, já entendem que nossa história já está morta.
E no fim de tudo, eu sou a primeira a cruzar a porta.