3 Poemas De Mia Couto, Do Livro “Poemas Escolhidos”

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Mia Couto é conhecido por fazer poesia em prosa em seus livros de ficção. Ganhador de grandes prêmios, inclusive o Prêmio Camões, o mais importante em língua portuguesa, o autor de “Terra Sonâmbula”, traz neste livro poemas selecionados, que sintetizam sua obra poética até o momento.
Aqui estão meus três poemas favoritos do livro:

Doença

O médico serenou Juca Poeira.
Que ele já não padecia da doença
Que ali o trouxera em tempos.

E o doutor disse o nome
Da falecida enfermidade:
“Arritimia paroxística supraventricular”

Juca escutou, em silêncio,
Com pesar de quem recebe condenação.

As mãos cruzadas no colo
Diziam da resignada aceitação.

Por fim, venceu o pudor
E pediu ao médico
Que lhe devolvesse a doença.

Que ele jamais tivera
Nada tão belo em toda a sua vida.

Sementes

Olhos,
vale tê-los,
se, de quando em quando,
somos cegos
e o que vemos
não é o que olhamos
mas o que o olhar semeia no mais denso escuro.

Vida
vale vivê-la
se, de quando em quando,
morremos
e o que vivemos
não é o que a vida nos dá
nem o que dela colhemos
mas o que semeamos em pleno deserto.

A espera

Aguardo-te
como o barro espera a mão.

Com a mesma saudade
que a semente sente do chão.

O tempo perde a fonte
e a manhã
nasce tão exausta
que a luz chega apenas pela noite.

O relógio tomba
E o ponteiro se crava
No centro do meu peito

Fui morto pelo tempo
No dia em que te esperei.

 

 

3 Poemas De Florbela Espanca, Do Livro “O Livro D’ele”

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Doce Certeza

Por essa vida fora hás de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d’oiro fulgindo em muita boca!

Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d’oiro e risos de mulher,
Muito beijo d’amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer!..

Hás de tecer uns sonhos delicados…
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos !

Mas nunca encontrarás p’ la vida fora,
Amor assim como este amor que chora
Neste beijo d’amor que são meus versos

Aonde?

Ando a chamar por ti, demente, alucinada,
Aonde estás, amor? Aonde… aonde… aonde?…
O eco ao pé de mim segreda… desgraçada…
E só a voz do eco, irônica, responde!

Estendo os braços meus! Chamo por ti ainda!
O vento, aos meus ouvidos, soluça a murmurar;
Parece a tua voz, a tua voz tão linda

Cantando como um rio banhado de luar!
Eu grito a minha dor, a minha dor intensa!
Esta saudade enorme, esta saudade imensa!
E Só a voz do eco à minha voz responde…

Em gritos, a chorar, soluço o nome teu
E grito ao mar, à terra, ao puro azul do céu:
Aonde estás, amor? Aonde… aonde… aonde?…

Versos
Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz. cantos dispersos,
Ou pétalas que caem uma a uma.

Versos!… Sei lá! Um verso é teu olhar,
Um verso é teu sorriso e os de Dante
Eram o seu amor a soluçar
Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!… Sei eu lá também que são…
Sei lá! Sei lá!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços são talvez…

Versos! Versos! Sei lá o que são versos..
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!…

 

3 Poemas de Paulo Leminski, Do Livro “Toda Poesia”.

paulo 2

O livro “Toda Poesia”, do escritor curitibano Paulo Leminski, ficou durante várias semanas no topo da lista de best-sellers no Brasil. Algo raro para a nossa poesia, que geralmente não é lida pela grande massa. Mas a mensagem direta e as palavras ágeis de Leminski permitem que o leitor imediatamente se identifique com o seu modo de ver o mundo.
É definitivamente um dos meus livros de poemas favoritos.
Aqui separo 3  deles. Não digo que esses são os melhores poemas do livro, porque quando se trata de Leminski é impossível falar de “alguns melhores”. Mas escolhi esses três, pois foram o que mais falaram a mim como leitora, como pessoa, e como escritora também.
São eles:

1.    Razão de Ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter porquê?

2.    olinda wischral

pessoas deviam poder evaporar
quando quisessem
não deixar por aí
lembranças pedaços carcaças
gotas de sangue caveiras esqueletos
e esses apertos no coração
que não me deixam mentir

3. 

por mais que eu ande
nada em mim imagina
o que é que menina
tão pequena esta fazendo
numa cidade tão grande