Ricardo e Carolina.

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Carolina está sofrendo por um amor não correspondido. É a segunda vez que isso acontece. Ela se sente rejeitada, desprezada e se pergunta o tempo todo o que há de errado consigo mesma. Carolina nunca se sentiu verdadeiramente amada por um homem e não sabe mais o que fazer para chamar a atenção de quem nunca poderá dá-la. Ela já está perdendo todos os seus sonhos e esperanças.
Ricardo foi traído. É a segunda vez que isso acontece. Mais um relacionamento foi por água abaixo mesmo depois de todas as tentativas desesperadas para mantê-lo. Ele se sente desprezado, rejeitado e se pergunta o tempo todo o que há de errado consigo. Pergunta-se porque nenhuma namorada, nenhuma mulher não pode ser fiel e amá-lo de volta. Ele já está cansado de ter o coração partido e está perdendo todos os seus sonhos e esperanças.

Carolina e Ricardo trabalham no mesmo prédio há pouco mais de um ano. Já se cruzaram inúmeras vezes, almoçaram na mesma lanchonete em frente ao prédio, mas nunca enxergaram um ao outro. Eles ainda não sabem que exatamente daqui a dois meses Carolina acordará atrasada para o trabalho. Seu relógio irá parar de repente de madrugada e o alarme do despertador não irá soar. Tomará milagrosamente um banho de 5 minutos, pensando que só conseguirá chegar no trabalho meia hora mais tarde.
Exatamente no mesmo horário que Ricardo costuma chegar de forma pontual todos os dias.
Estará chovendo.
Perto do prédio, um ônibus passará correndo por uma enorme poça d’água e irá molhá-la da cabeça aos pés. Carolina tropeçará devido a susto e irá ao chão. Será ajudada por uma velhinha logo em seguida e prenderá o choro ao pensar que aquele seria um dos piores dias de sua vida. Pensará em voltar para casa antes que um vaso caia sobre sua cabeça ou que um carro a atropele na calçada. Mas resolverá seguir em frente. Sua situação estava crítica, não poderia faltar um dia de trabalho, por mais que o mundo estivesse conspirando para que tudo desse errado.
Ricardo achará que aquele é apenas mais um dia entediante de trabalho. Ele pensará naquela manhã que não aguenta mais um emprego que não gosta, onde faz diariamente a mesma coisa inúmeras vezes, e obedecendo a um patrão sem escrúpulos do qual ele nem aguenta olhar nos olhos.
Chegará no prédio onde trabalha arrastando os pés, desejando que o dia passe o mais rápido possível. Cumprimentará a todos na portaria de forma educada, como de costume, e parará em frente à porta do elevador pensando seriamente em jogar tudo para o alto e desistir do emprego.
Preocupada com o estado de sua roupa e de seus cabelos, Carolina não reparará no homem parado à sua frente. Por estar torcendo a barra de sua camisa enquanto caminha, seu corpo se chocará com o de uma pessoa em frente à porta do elevador. Os pedidos de desculpas soarão ao mesmo tempo e só neste momento irão olhar-se nos olhos pela primeira vez.
O tempo irá parar por alguns segundos exclusivamente para eles. Afinal, ele faz isso de vez em quando. É um favor ao Universo desde o início dos tempos: Quando duas pessoas destinadas uma à outra se encontrarem, tudo deve parar. Não é todo dia que acontece. Não é sempre, não é frequente. O tempo é meio impaciente, meio preguiçoso. Sempre tem coisa melhor a fazer, gosta de trabalho, da correria da vida, do movimento do Espaço. Mas para certas ocasiões especiais, ele abria uma exceção. E essa seria uma delas.
Carolina colocará instintivamente uma mecha de cabelo atrás da orelha, sentindo-se muito constrangida por seu estado deplorável. Algo dentro de sua memória reconhecerá aquele rosto, mas sem muita nitidez e certeza. Ela apenas saberá que conhece aquele homem de algum lugar, que já o viu algumas vezes, talvez ali mesmo, naquele prédio, mesmo sem saber quando e sob quais circunstâncias.
Ricardo não conseguirá esconder o sorriso involuntário que se desenhará em seu rosto ao perguntar-se em silêncio como alguém consegue ficar tão bonita mesmo ensopada e com a roupa um pouco suja. Ele lhe dará um simples “bom dia”, perguntando-se porque se sentia tão animado ao ver aquela mulher, mesmo depois de suas decepções amorosas recentes.
Carolina irá responder ao cumprimento, querendo morrer por estar vislumbrando um sorriso tão lindo, vestida com trajes deploráveis. Isso não costuma acontecer nos romances de época que lê às três da manhã.
Geralmente, naquele prédio, o elevador está lotado de gente, seja para sair, seja para entrar. Mas não naquele dia. Não naquele dia chuvoso.
O elevador virá completamente vazio e não haverá mais ninguém ali no térreo para entrar com eles também. Afinal, o tempo parou. As pessoas estão congeladas, o trânsito não segue, os ponteiros do relógio não giram. Seus olhos estarão atentos um ao outro. Nem irão perceber o mundo paralisado ao redor deles.
Ricardo segurará a porta do elevador para Carolina entrar e ela agradecerá com um sorriso tímido.
Carolina apertará o sexto andar.
Ricardo apertará o sétimo.
Os olhares tímidos e medrosos se afastarão naquele elevador e o tempo voltará a girar. Subirão apenas dois andares antes da energia acabar devido a um curto-circuito graças à tempestade lá fora.
Carolina detesta escuridão e lugares fechados. Com o susto, pegará espontaneamente na mão de Ricardo.
Ele a segurará com carinho ao sentir o seu pânico, passando através do aperto em sua mão uma segurança reconfortante.
Nenhum dos dois conseguirá ver, mas ambos estarão sorrindo.
Nenhum dos dois poderá saber, mas ambos os corações baterão rapidamente em uníssono.
Nenhum dos dois sequer desconfiará que aquele seria um dos melhores dias de suas vidas.

Mas isso só acontecerá lá na frente, daqui a sessenta dias.
Ainda precisam derramar algumas lágrimas, cicatrizarem antigas feridas e resolverem conflitos internos antes que seja a hora do grande encontro acontecer.
Neste momento, Carolina chora debruçada em sua janela, contando estrelas no céu.
Neste momento, Ricardo está sentado em sua mesa de vime, desenhando figuras e cenários que traduzem seus sentimentos desesperados e confusos.
Ah, se soubessem! Se apenas soubessem…
Mas não sabem. Pelo menos não ainda.
Só daqui a dois meses.

Evelyn Marques

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