Macacos, Aranhas e Calangos.

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Sua atenção me faz querer voltar.
Minha solidão é labirinto e só em círculos consigo andar.
É desejo torpe.
Você, meu anseio, seu olhar.
É só a tal da atenção. Eu juro.
Quem dirá o primeiro ‘olá’?

Somos evoluídos, os mais evoluídos dos vivos.
Mas quando se trata de mistura
Todos nos pomos a dançar, a gritar
A mostrar nossas melhores cores
Tudo para uma mínima atenção conquistar.
Não somos diferentes dos macacos, das aranhas, dos calangos…
Sabemos falar, mas isso alguma vantagem nos dá?
É sempre o silêncio que escolhemos
E como bichos insanos
Investimos nos corpos para nos comunicar.

A verdade é que o quero e o quero mais do que posso explicar.

Mas como todo animal iniciante
Basta a ameaça de um olhar penetrante
Para dar meia volta e passar toda uma vida
Apenas desejando regressar.

Sonhos De Espuma.

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Quando criança, tinha sonhos de espuma.
Sua pequena mente criava grandes coisas.

O algodão doce era uma nuvem que se podia tocar.
As borboletas eram flores renascidas que aprenderam a voar.
Árvores eram as avós que morriam e se recusavam a abandonar seus netos.
E uma moeda de chocolate era privilégio de quem tinha fortuna.
Quando criança, o mundo era o seu lugar.
Cantava com os pássaros na primeira hora da manhã.
E um dia até casou um sapo com uma rã!
Folhas caídas do outono eram presentes do vento
Que largavam qualquer ventania para vê-la desfilar.
Quando era criança acreditava ser dona do mar.
Acreditava ser dona de tudo, até a mocidade chegar.

Então eles entraram.
Chamaram-na de boba, estúpida, imatura, cheia de muitos sonhos, sem noção de espaço e tempo.
Afinal, como pessoas poderiam falar com o vento?
Teve que aprender com os grandes a conviver, a grudar os pés no chão, a estourar as mais belas bolhas de sabão, a abrir tantos buracos em si até só sobrar espaço para a solidão.
Deram-lhe a receita de como matar-se para renascer, mas nenhuma asa de borboleta em suas costas esboçou crescer.
Quando criança, tinha grandes sonhos de espuma.

Agora era apenas adulta.

 

O Balão.

o balão

 

O fitilho escorrega da mão
Vai subindo
Vai subindo
Vai subindo o balão.

A menina grita
Chora
Briga
Deita no chão
Enquanto vai subindo
Vai subindo o balão.

Pequenas pernas não conseguem pular
Por mais que tente, o balão
Não consegue alcançar
Foi apenas um segundo
Um segundo a brincar
E agora o balão sobe
Sobe
Sobe sem parar.

Ela sabia
Não seria para sempre
Balões minguam,
Murcham
Morrem
Sobre o chão a esvaziar.
Balões viram ar
Quando deixam o ar entrar.

Isso muito não poderia durar
Mas todos pecamos pela mania de sonhar.
Ela e o balão, lado a lado
Juntos deveriam estar.
Em poucos ou longos dias
O veria acabar
Gradativamente
Numa despedida comovente
Até o tempo os separar.

Mas o fitilho escorregou
Antes que uma história de amor
Pudesse começar.

Bonitas esperanças
Flutuando pelo ar
Sonhos de criança
Sempre tem prazo pra acabar.

Ela ainda permanece
Exatamente no mesmo lugar
Enquanto o balão sobe
Para nunca mais voltar.

Claridade.

claridade

A claridade me cansa
Me vence
Me avança.
A luz me adoenta
Me enche
Me entope
De barulhos divergentes
À gritos de crianças.

A claridade nunca está sozinha.
Vem acompanhada de sons
De dores
De fortes tons de cores.
É tudo muito brilhante
Muito gritante
Muito excruciante
A claridade parece sorrir a todo instante.

Tenho olhos grandes, mas não possuo cortina.
Sou invadida
Quebrada
Arrebentada
Cada vez que tento olhar o mundo
Nas primeira horas da matina.

Como as pessoas conseguem
Viver
Crescer
Vencer
E morrer
Sem sentir nenhuma dor na retina?

A claridade me derruba
Antes mesmo que eu levante
Coisa de gente
Sem qualquer lógica restante:
Morro de medo do escuro
E acho a luz extremamente irritante.

3 Relógios.

clocks

3 relógios parados
3 relógios a serem reparados.
Já faz muito
Os ponteiros aposentaram o seu bailado.
Já faz muito
Os relógios continuam ali
Completamente largados.

3 relógios parados
Sobre uma prateleira esquecida.
Mas ela jura
Jura que irá consertá-los
Um dia, quem sabe,
Numa tarde de maio
Numa noite de estrelas caídas
Um dia, quem sabe, talvez
Assim que conseguir consertar sua própria vida.

A Criação.

criação

Hoje só quero sentir a caneta
Sem palavras certas ou frases coesas
Desejo apenas sentar e observar
Uma linha de tinta transformar-se em letra.

Pelo mundo admiram-se
Diversos tipos de arte
A pintura, a música, a literatura
Este último do qual faço parte.

Enaltecem coisas completas
O quadro pronto, a canção composta, o livro escrito
Mas para mim nada é mais perfeito
Do que criar uma base para o infinito.

Da casinha do A
À sinuosa estrada do Z
O caminho de criar
E o que mais amo percorrer.

Uma por uma, lado a lado
As letras se unem, dando início ao seu bailado
E dançam uma perfeita valsa no salão
Que pavimentará o caminho da criação.

Bom ou ruim
Isso não importa
Não importa agora
A ponta fina segue
Segue escrevendo a sua história.

A tinta azul deslizando
Sobre o papel em branco
É o regozijo profundo
Que me salva do pranto.

 

Amor Baixinho.

shh

Amor para mim
Tem que ser amado assim
Baixinho, baixinho…

Amor para mim
É trocado em silêncio
Shh! Shh!
Quietinho, quietinho…

Amor gritado aos 4 ventos
Se transforma em tormento
E sempre acaba em lamento.

Esse amor de momento
Chave estranha
Que abre, torce e retorce
Todas as entranhas.

Amor bom é o baixinho.
Chega com calma e destreza
Tudo vira, revira e anima
Sem que você perceba.

Quero um amor baixinho
Que saiba à minha alma chegar
Aos pouquinhos, devagarinho e quietinho
Para baixinho me amar.