Pilares.

pilares

Era uma doce tarde de outono quando um par de olhos apaixonados a avistou.
Sentada no banco da praça coberta por folhas secas, que caíam das árvores incessantemente, ele a observou perdida em profundos pensamentos.
Hesitou em aproximar-se.
Talvez preferisse ficar sozinha.
Talvez não desejasse uma voz banal entupindo seus ouvidos com palavras desperdiçadas.
Mas foi impossível dar meia volta e se afastar. Ela estava ali, à sua frente, com um espaço vazio no banco, como se este estivesse reservado para ele. E o semblante melancólico o fez perguntar se ela realmente não precisava de uma simples companhia.
Seguindo seus instintos – aqueles irritantes, que o faziam apenas desejar estar ao lado dela, mesmo que nenhuma palavra precisasse ser dita –, ele aproximou-se e sentou-se ao seu lado.

— No que pensas? – Perguntou sem mais delongas, curiosíssimo para ler aquela mente misteriosa.
— Em buracos. – respondeu baixinho com os olhos fixos em uma árvore seminua à sua frente.
— Buracos? – franziu o cenho, pondo o cérebro para trabalhar, a fim de decifrar sua linguagem constante de enigmas e metáforas. – Como assim?
— Buracos… – repetiu. – Aquela coisa preta, profunda, vazia. Buracos e mais buracos, por todos os cantos, por todos os lugares. Apenas buracos e não sei como escapar deles.
— Onde estão?
— Aqui dentro. – a ruiva colocou a palma sobre o lado esquerdo do peito. – É grande, é oco, é vazio. Acho que sempre esteve aqui, durante toda a minha vida. Sempre consegui tapá-lo. Porém, agora… – um suspiro pesado escapou de seus lábios. – Já tentei de tudo. Ciência, Filosofia, Literatura e Arte… Desde pequena, sempre foram o bastante. Desde pequena era só recorrer a eles e pronto! A mágica estava feita, o buraco estava tapado e o mundo podia ser colorido outra vez. Mas ultimamente nada tem adiantado. E sinto medo. Sinto medo do vazio fundo e eterno. Não quero cair nele.
— Você cita Ciência, Filosofia, Literatura e Arte… – disse ele, esperando tranqüilizá-la. – São quatro pilares para a saúde mental de alguém como a gente. Mas esqueceste um. O mais especial. O mais importante.
— Qual? – os olhos melancólicos finalmente caíram sobre os dele, ansiando por uma resposta imediata.
— Amor. – disse com ternura, expressando nas pequenas quatro letras a intensidade de seus sentimentos, ainda que ela não tenha notado.
— Amor… – a palavra soou estranha em seus lábios, como um tempero desconhecido e distinto, do qual nunca antes havia provado. – Amor… Já ouvi que isso pode matar. Já ouvi que isso pode causar buracos mais ainda profundos. Buracos que Ciência, Filosofia, Literatura e Arte jamais poderão fechar.
— Não é tão ruim se for correspondido…
— Mas não é este o mais difícil? Não é este exatamente o perigo? – perguntou de forma inocente e levemente temerosa. – Não o ser?
— Talvez… – respondeu incerto, um pouco confuso com suas rápidas indagações. – Mas, quem sabe, no fim, todo o risco valha a pena?

Ele esperou longos segundos por uma resposta que jamais chegou.
Ela tornou a encarar a árvore seminua à sua frente e mergulhou no mar profundo de seus pensamentos.
O rapaz não sabia se a conversa havia terminado ali. Com ela era assim: o assunto nascia e morria com a mesma velocidade, na mesma freqüência. E tudo que restava fazer era esperá-la dar o próximo passo.
E deu.
A garota levantou-se de repente e foi caminhando a passos lentos do banco, onde o espaço vazio deixado por ela começou, pouco a pouco, a deixar buracos vazios dentro dele.

— Aonde vai? – tomou a decisão de perguntar e a viu parar de repente e virar-se para ele.

A doce tarde de outono começava a se transformar em um maravilhoso crepúsculo jamais visto antes por simples olhos humanos.
Abrindo um sorriso singelo, digno de seus olhos doces e inocentes, que fez seu coração disparar violentamente dentro do peito, ela respondeu:

— Voltarei para a Ciência, Filosofia, Literatura e Arte. – ela deu de ombros e suspirou. – No fim, é só o que me resta.
— E o amor?
— Não é exato. – respondeu. – Eu preciso de resultados, de contas certas que sempre terminem de forma coerente. Preciso de respostas corretas, textos que tenham um início, meio e fim e paisagens prontas pintadas à tinta óleo dentro de uma bela moldura. Preciso da precisão; da lógica que apenas Ciência, Filosofia, Literatura e Arte podem me dar.
— Precisão? – enrugou a testa, pensando no absurdo que estava dizendo. – Você nunca encontrará lógica ou coerência em nenhum deles. A Ciência não consegue provar todos os mistérios do mundo; na Filosofia sempre há mais perguntas do que respostas; na Literatura sempre existe margem para inúmeras interpretações; e a Arte, mesmo que concreta e precisa, também abre espaço para infinitas indagações. Monalisa está aí para provar o meu ponto. – ele finalmente levantou-se e ficou de frente para ela, encarando-a diretamente nos olhos. – O fato é que na vida nada é preciso; nada é seguro. Nem mesmo o 2 com 2… às vezes dá 4, às vezes vira 22. Tudo depende do ponto de vista. O mesmo com o amor: às vezes correspondido, às vezes não correspondido. Às vezes tapa buracos, às vezes abre outros mais profundos. A verdade é que nunca irá saber se não tentar.
— Prefiro deixar este para os poetas. – rebateu com toda a doçura de uma criança e toda a experiência de um idoso. – Estes falam e vivem de amor. Mas o que sou eu? Quem sou eu? Como serei digna de algo tão importante, de algo tão forte? Eu não sei brincar de fazer amor. Nunca aprendi e, honestamente, nem sei se desejo aprender deste jogo sem regras. Acho lindas as palavras afetuosas, os sentimentos sem limites, toda aquela carga que parece vir de outras vidas. Mas como irei fazê-lo? Como irei vivê-lo? Não sei, não sei como lidar com ele, não sei como aceitá-lo. Não sei como acreditar nele. Tudo o que sei é viver de Ciência, Filosofia, Literatura e Arte. É tudo o que sou. É tudo o que sempre serei.

Ele abaixou os olhos e desistiu. Tirou o exército de palavras de campo e alçou a bandeira branca do silêncio.
O que haveria mais a ser dito?
Ao parecer, o par de olhos apaixonados nunca veria o outro par à sua frente olhá-lo com a mesma intensidade, com o mesmo amor.

— O buraco se foi. – ela disse de repente, fazendo-o alçar os olhos, completamente surpreso, pois acreditava que ela já tinha ido embora. – Não sei o que houve, não sei explicar. – ela sorriu de forma tímida enquanto encarava suas próprias mãos. – Você chegou e ele foi embora… O vazio. Você chegou e ele não está mais aqui.
— Fico feliz em ter ajudado. – ele bem que tentou reprimir o largo sorriso bobo que teimava em se abrir em seus lábios, mas foi impossível. Com certeza estava com o semblante mais estúpido do mundo grudado em sua face. Semblante este que refletia toda a sua excitação e alegria. Por que não é isso do que o amor é feito? Não é isso que o amor provoca? Palavras fugazes e encontros singulares que podem significar o mundo para quem ama? – Se houver mais buracos, se eles se abrirem outra vez, fazendo-a cair em todo o seu céu de escuridão e desespero… Sabe onde me encontrar.
— Você deveria sorrir mais. – ela tornou a encará-lo, agora com um brilho em sua íris. Um brilho que, por um momento, por um simples momento, ele pensou significar algo mais. – Eu sei que isso não tem nada a ver com o que estamos falando, mas achei necessário dizer. Porque gosto quando você o faz. As pessoas costumam preferir os olhos, dizem que são o espelho da alma, mas… Eu sempre vou preferir sorrisos.
— Sorrirei mais… – ele já o estava fazendo sem perceber. – Se assim desejar. Se você gosta, se você realmente se importa, o farei para deixá-la mais feliz. Mesmo quando quiser chorar.
— Ótimo, obrigada. – ela mordeu com força os pequenos lábios rosados e perguntou-se o que estava acontecendo.

Buracos… Buracos profundos, vazios, cheios de escuridão e desespero, onde estavam agora?
Procurou por eles em pouquíssimos segundos dentro de si, mas não os encontrou.
Eles não haviam desaparecido, sabia disso. Não haviam se fechado; de fato, não sabia se esse milagre poderia acontecer algum dia.
Mas agora, eles já não mais incomodavam.
Agora, ao invés de buracos, havia letras. Letras que navegavam junto à sua corrente sanguínea, fazendo com que esta esquentasse de repente. Letras embaralhadas, misturadas, que, pelo menos por agora, não faziam sentido algum.
Que palavra formariam essas letras? Ciência? Filosofia? Literatura? Arte?
Que palavra era tão poderosa que havia fechado tão rapidamente seus buracos, como se estes nunca houvessem existido?

— Café… – escutou a palavra escapulir dos lábios à sua frente, arrancando-a de seus pensamentos confusos. – Literário. – completou. – A duas quadras aqui, no espaço Ernest Hemingway. Sei que não gosta de café, mas misturado com livros… Acho que não terá problema nenhum. Você quer ir? – indagou, tremendo como uma folha empurrada pelo vento. Uma resposta negativa iria matá-lo.

Ah, se ela soubesse! Se soubesse o quanto era importante, o quanto apenas uma palavrinha saída daqueles lábios finos e perfeitos, poderiam fazer toda a diferença em sua medíocre e sem graça vida…

— Café Literário? Claro! – ela quase berrou devido à excitação. E estava tão animada e feliz que nem notou quando os dedos dele envolveram-se sutilmente ao redor de suas mãos, conduzindo-a para fora do parque. – Deus, como eu não fiquei sabendo? Acho que fiquei tão obcecada pelo especial sobre Nostradamus que está passando a semana inteira no History Channel que fiquei totalmente por fora das novidades literárias! Gosh, eu queria não ter de escolher entre Ciência, Filosofia, Literatura e Arte, mas sinto que o Nostradamus terá que viver sem mim hoje.
— E o que faremos em relação ao café? – sentiu seu corpo enrijecer após a pergunta, pois a ruiva entrelaçou seus dedos ao redor dos dele também, deixando todo o seu corpo completamente em êxtase com o toque.
— Bem… – ela torceu os lábios ao pensar na resposta que rapidamente encontrou. – Na companhia certa ele pode se tornar agradável. Você estará lá, não é?
— Sempre. – soprou as letras bem devagar, esperando que ela entendesse os inúmeros significados daquela palavra.

Ela era inocente demais e ingênua demais em assuntos amorosos para entender toda a sinceridade que poderia haver em um sempre, mas confiava que um dia iria descobrir.
Talvez a pequena ruivinha nerd apenas não tinha encontrado a pessoa certa. E… Oh! Ele rezava, ele clamava, implorava para todos os deuses que pudessem existir atrás do céu sobre suas cabeças, que pudesse ser ele. Que pudesse ser ele o escolhido, o certo, o único.
Pois foi o que sempre desejou desde a primeira vez em que seus olhos se cruzaram.

— Para Nostradamus não sentir muito a sua falta, conte-me sobre o que você aprendeu nesse especial.
— Você realmente quer saber? – ela parecia realmente chocada com a pergunta.
— Por que não iria?
— Não sei… – ela deu de ombros e deixou que um suspiro solitário atravessasse seus lábios. – Pessoas acham chato. Pessoas não querem saber de Nostradamus ou Ciência, Filosofia, Literatura e Arte. É tudo sobre o que sei falar. E é tudo o que elas não querem ouvir. Talvez seja por isso que sou a eterna solitária: Sempre quero falar do que as pessoas não querem ouvir.
— Bem, estou aqui agora, não estou? – o aperto sutil que deu em sua mão a fez arrepiar-se de cima a baixo. E foi impossível não franzir o cenho ante essa sensação tão estranha, tão nova. – Estou aqui e quero escutar-te. Então, fale sobre Nostradamus! Fale sobre Ciência, Filosofia, Literatura e Arte. Eu gosto de ouvir. Eu gosto de aprender. Principalmente quando vem de você.
— Eu acho que você pode se arrepender disso…
— Eu tenho certeza que não.

Após abaixar por alguns momentos o rosto e sentir que suas bochechas começavam a queimar, a pequena garota tomou coragem e desandou a falar sobre Nostradamus e tudo que pudesse envolvê-lo.
Ela adorava falar. E ele adorava escutá-la.
Porque no fim, pelo menos para eles, este casal estranho que adorava discutir sobre coisas que a maioria das pessoas normais detestava ouvir, tudo se resumisse mesmo à Ciência, Filosofia, Literatura e Arte.
Mas… Ah! Quem poderá negar? Quem poderá evitar?
A palavra de 4 letras cresce e cresce sem parar, a cada toque, a cada olhar.
Ela cresce, cresce, cresce e continua crescendo, sem que possam fazer nada para impedir.
Porque, mesmo que a ruivinha ainda não saiba, mesmo que negue, mesmo que não fale, ela precisa de cinco palavras para tapar buracos, cinco pilares sustentando-a, para poder passar por esta vida sentindo-se como um todo, não apenas a metade deste:
Ciência.
Filosofia.
Literatura.
Arte e…
Ah! De amor!
Sempre de amor.
Porque, no fim, é só do que todas as pessoas que passam por este planeta necessitam.
E ele sempre estaria ali para oferecê-lo a ela.

Cidade do Vento.

cidade do vento

“Você não faz ideia de quanto tempo te esperei”

Eu tive um sonho. O mais belo de todos. O mais estranho de todos. Mas principalmente, o mais verdadeiro de todos.
Andava por uma longa estrada, sem caminho, seu rumo, parecia que eu estava em busca de algo, ainda que não soubesse certamente o quê.
Uma leve brisa soprava meus cabelos, empurrando-os para frente. Era como se o vento estivesse me dizendo para continuar nos momentos em que eu tinha vontade de desistir. Estava sendo empurrado, guiado para algum lugar. Para alguém.
E então, escutei uma voz.
Um sussurro.
Era como se o vento estivesse falando comigo.
Era como se o vento estivesse me chamando.
Assim que abri os olhos ao despertar, decidir seguir esse vento. Há sonhos que não são simplesmente sonhos e sim algum aviso para mudarmos nossa forma de ser ou de viver. E estava na hora de pegar a estrada. A estrada da qual havia sonhado. E deixar que o vento me guiasse.
Com uma mochila nas costas e sem esquecer das pessoas que estava deixando para trás, dei o primeiro passo para sair de casa. Estava em busca de algum maravilhoso mundo novo ou de alguma nova canção para minha vida tocar.
A verdade é que eu estava em busca da vida. E só poderia encontrá-la se fosse atrás do movimento.
Um convite bate à nossa porta todos os dias. Um convite invisível, talvez também incompreensível, mas que está ali. Porém as pessoas não vêem, viram a cara, têm medo. Elas não querem sair da rotina. Porque o desconhecido é um terreno bastante perigoso.
Eu atendi ao convite da vida. E estava à procura da felicidade.
Mas como tudo na vida, a felicidade é algo desconhecido. O ser humano luta e às vezes pode matar por ela, mas quando a alcançamos verdadeiramente, parece que ainda falta algo. Oh, que bicho egoísta e mesquinho é o ser humano! Sempre à procura de algo mais… Mesmo quando ele já encontrou tudo.
Durante o caminho encontrei muitas pedras. Enfrentei muitas tempestades, passei fome e sede. Lutei contra dragões perigosos e andei sobre o mar. Saltei até segurar uma nuvem em minhas mãos e, ao prová-la, vi que era mesmo feita de algodão doce.
O mundo pode ser cheio de magia se passarmos a vê-lo com outros olhos. Se o enxergarmos com os olhos de nossa alma, poderemos ver aquilo que o ser humano, com sua visão superficial tapada pela grande nuvem negra e suja da maldade, não consegue ver com sua inteligência mal aplicada.
Cumprimentei fadas, lutei ao lado dos elfos e ajudei aos duendes reestruturarem uma floresta destruída pelo fogo da ganância e do poder.
Andei mais por vários dias. Em uma noite de exaustão e desânimo, me deitei sob as estrelas, pensando que tudo tinha sido em vão. Por que eu, aquele típico ser humano que está sempre querendo mais do que pode ter, ainda não estava satisfeito. Por um momento a razão falou mais alto e pensei que talvez fosse uma completa loucura largar a minha vida para buscar algo que eu nem mesmo sabia o que podia ser. E entre pensamentos abatidos e desesperançosos, adormeci.
Sonhei com anjos. As nuvens – que eram mesmo de algodão doce – estavam repletas deles, vestidos com suas túnicas brancas e abençoados com as auréolas em suas cabeças. Todos me observavam, enquanto eu seguia deitado na relva, encarando todo aquele público que me olhava. De repente o menor dos anjos saiu detrás das nuvens, com algo em sua mão. Era uma criança, que descia dos céus para me dar um presente.
Eu não conseguia me mover. Estava entorpecido por toda aquela áurea angelical. A menina loira e de cabelos cacheados colocou algo sobre minha mão. Mas era invisível.
E ela meu deu um beijo e me disse : “Siga a rosa branca”.
E então partiu.
E eu acordei.
O vento soprou no momento em que abri meus olhos. O vento outra vez. Ele me passava as mensagens, ele me impulsionava a continuar. Eu só tinha que seguir meu caminho, pois estava me tornando igual aos outros seres humanos: alguém com medo do desconhecido e que desistia por não encontrar o caminho em linha reta e fácil, apenas o sinuoso e complicado.
Peguei novamente minha mochila e reconstruí os sonhos e as esperanças. Se eu já havia percorrido tanto, deveria ter algum propósito. Ninguém recebe tantos sinais se não for para segui-los. E eu seguiria o meu destino.
Parei de contar os dias, as horas, os minutos, pois tudo isso atrasa a vida de alguém. Deixei o sopro do vento me conduzir para o caminho certo, acompanhei seu rumo e prossegui sem medo. O que interrompe a estrada de alguém não são as tempestades ferozes ou o sol escaldante. É simplesmente o medo. E eu fiz questão de mantê-lo bem longe de mim.
Uma canção de amor sussurrava em minha mente quando pisei no primeiro paralelepípedo. Só então notei que a estrada arenosa havia acabado e que havia chegado a algum lugar. Levantei meu rosto e pude ver uma cidade à minha frente, com um arco-íris circundando-a devido à leve chuva que havia caído junto com o sol que escalava o azul do céu aos poucos.

“Seja bem-vindo à Cidade do Vento”  

A inscrição na placa de madeira fixa na entrada fez meu coração saltar.
Eu tinha seguido o vento. E ele havia me trazido até aqui.
Como mágica, o vento começou a soprar em minhas costas e eu avistei na primeira casa, uma mulher sentada em um pequeno banco. Meus olhos não conseguiram desviar-se para outro lugar e ela me avistou também. Mesmo de longe, pude ver um lindo sorriso inundar o seu belo rosto. Ela veio caminhando até a mim, com seus cabelos vermelhos balançando no ar e, quando se aproximou, vi que tinha algo em sua mão: uma rosa branca.
Naquele momento meu peito encheu-se de um ar mais puro, de uma felicidade indescritível.
Nunca a tinha visto em minha vida. Mas a conhecia de muito antes.

— Estás aqui. Finalmente. – disse com a voz baixinha, quase como num sussurro e sorriu em seguida.
— Estava esperando por mim? – indaguei, completamente hipnotizado por seu sorriso.
— Você não faz ideia de quanto tempo te esperei.
— E você não faz ideia do que eu fiz para te achar.

Então ela segurou minha mão. Mesmo não tendo se apresentado, eu a conhecia. Porque não é necessário nomes para identificar alguém. Quando essa pessoa está dentro do seu coração, podem se passar vidas ou eras, ela nunca perderá a verdadeira identidade para àquela que ama.
E sentindo seus dedos finos e calorosos entrelaçados com os meus, me conduzindo para dentro da Cidade do Vento, pude perceber, com um enorme alívio e conforto no peito, que havia conseguido alcançar meu objetivo.
Tinha encontrado o meu lugar.
Finalmente.
Eu estava em casa.

 

Fim.

Quase 21.

quase 21

 A mesma cena se repetia diariamente: uma menina sentada no banco da praça.
Sem ninguém.
Sem alguém.
Sem a si própria.
Uma menina sentada, com as mãos sobre o colo e um olhar perdido no nada.
Faça chuva ou faça sol.
Todos os dias.
Na mesma hora.
No mesmo lugar.
Uma menina de cabelos bagunçados e de alma apagada.
E ninguém que parasse para ajudar.

— Olhe quem está ali outra vez! – uma velhinha cutucou a outra enquanto passavam, como todos os dias, frente àquela praça.
— Quem? – a segunda velhinha ajeitou os pequenos óculos sobre os olhos para poder enxergar melhor. – Ah! De novo ela ali?
— Não é triste? – a primeira sussurrou no ouvido da outra, sem tirar os olhos da melancólica menina sentada no banco. – Tão jovem! Ela deve ter quase 21 anos e, ainda assim, não sente qualquer apelo pela vida. Olhe nos olhos dela! É visível, é visível pra quem quiser ver. Ela se comporta como se tudo tivesse terminado quando apenas começou a viver! É tão, tão triste!
— Sim, é mesmo triste… Mas o que podemos fazer, não é verdade?
— O que ela está esperando? – a primeira velhinha ignorou a amiga e continuou analisando a pobre menina solitária. – Faz dias que está ali, imóvel, como se fosse uma estátua de pedra congelada pela vida. – observou com a voz triste e recheada de piedade.
— Quem sabe? – a segunda velhinha soltou um suspiro, pensando no assunto. – Talvez esteja esperando um ônibus que irá levá-la para longe ou alguém capaz de curar seu coração. Ou talvez esteja apenas esperando que alguém lhe estenda a mão e lhe dê atenção. Vai saber! Esses adolescentes de hoje em dia!
— Ela não é mais adolescente, Martha! Ela já tem quase 21!
— Como se isso fosse atestado de maturidade! Ora, essa! – falou com certo desprezo a segunda senhora. – Aliás, por que você está se importando tanto? Ela não é nenhum parente, nenhuma vizinha, você só a conhece por ficar sentada todo santo dia no banco desta praça!
— Pra falar a verdade, nem eu sei… – respondeu, mordendo sutilmente os lábios. – Talvez ela precise de ajuda. Talvez ela precise de alguma cura. Acha que devemos ir até lá?
— E fazer o quê?
— Não sei… Falar algo, fazer algo. Convidá-la para um café, talvez. Ou… cupcakes! Todo mundo ama cupcakes!
— Não, melhor não. Ela só deve estar querendo atenção, você sabe, a carência da idade. Afinal, que dores verdadeiras pode possuir uma garota que tem tudo na vida e apenas quase 21? Oh, não, deixemos pra lá! Deixemos pra lá e vamos embora, pois o chá das cinco está para começar!

Calando-se finalmente, a primeira velhinha apenas concordou.
Ambas abriram a sombrinha e, juntas, seguiram seu caminho, deixando, como todos, todos os dias, a menina melancólica de quase 21 anos, de alma apagada, sentada no banco da praça, sem qualquer apelo pela vida e com o olhar perdido no nada.

Rosa e Eucalipto, parte 2.

parte 2

Meus olhos correm pela multidão à sua procura.
Caço seu par de olhos castanhos, seu sorriso sublime, sua presença adorável.
Procuro, caço, perscruto, mas você não está lá.
Olho o relógio pela milésima vez, observando que você está atrasado. Muito atrasado.
Meu coração palpita no peito em uma ansiedade irritante que não consigo arrancar daqui.
Ele bate, bate, bate; e cada batida é uma letra do seu nome que está tatuado bem dentro de mim.
Ele está gritando por você.
Será que não está ouvindo? Onde quer que esteja, não o está ouvindo? Não está me ouvindo?
Ele grita alto (com uma grande ajuda dos pulmões), esperando que você finalmente o escute e venha mais depressa.
Oh, como se atreve?
Como se atreve a apontar-me o dedo e dizer, com todas as letras, que não te amo?
Como se atreve me olhar nos olhos e duvidar do sabor mais doce que já provei nesta vida?
Estamos apenas algumas horas apartados e a falta do seu sorriso já começa a me enlouquecer.  Apenas horas, espaços medíocres de sessenta minutos, que parecem sessenta anos.
Minhas pernas tremem, batem contra o chão, contando os microssegundos que ainda restam para eu poder visualizar seu rosto outra vez.
Por que demoras tanto?
É algum tipo de castigo? É uma punição por ainda dividir meu coração?
O que você está fazendo comigo?
Não seja como o outro.
Não me faça entrar em desespero. Não comece a provocar espasmos espinhentos por todo o meu corpo que me fazem sangrar absurdamente.
Você é a única cura para o meu vício mortal e impiedoso.
Você é sanidade para a minha loucura, a luz para a minha enorme escuridão.
E, cima de tudo e de todas as coisas, você é aquela explosiva vontade de viver, quando desejo mais do que nunca desaparecer deste mundo.
Oh, como se atreve?
Como se atreve a dizer que não te amo o bastante?
Ainda estou aqui, esperando, roendo o último que sobrou de minhas unhas e com um coração latente que continua a berrar seu nome sem cessar.
As pessoas falam comigo, puxam assuntos banais e tudo o que eu consigo fazer é presenteá-las com um sorriso amarelo e sem graça.
Eu não quero estar com elas.
Não quero conversar com elas, não quero ouvi-las ou ter de fingir uma tranqüilidade que estou longe de sentir.
Eu quero estar com você.
Viver você, respirar você, amar você.
Eu quero estar por cima de você, por baixo de você, dentro de você.
Eu quero você e todo o seu amor que corre por entre minhas veias, deixando o rastro hipnotizante de  Rosa com Eucalipto.
E a sensação de frescor e doçura arrebata-me por inteiro quando vejo sua silhueta ao longe. Você é apenas mais um ponto na multidão, quase como um fantasma do próprio corpo, mas é o bastante.
Oh, Deus, como é o bastante!
Seu andar, seu jeito, todo você.
Suas mãos, seu olhar, seu sorriso, todo você.
Seu cabelo perfeito, a cor de sua pele, todo você.
Oh, como se atreve?
Como se atreve a duvidar de toda essa carga que me atinge com tão só vê-lo?
Se isso não é amor, o que é, então?
Explique-me, diga-me… O que é?
Se eu tivesse de escolher uma cor para este sentimento, escolheria o azul.
Isso mesmo…  azul.
Porque o que sinto nada se assemelha ao rosa melado dos amores juvenis ou ao vermelho sangue da paixão carnal dos adultos.
É azul. Azul celeste, como o céu claro que vive sobre nossas cabeças.
É azul perfeito como a cor dos oceanos. É azul reluzente como uma flor exótica, raramente encontrada em lugares simplórios.
É o azul da morada dos anjos. A mesma morada onde possui uma piscina de rosas por toda a água límpida. Uma piscina de rosas e com cheiro de eucalipto.
Azul da morada para onde iremos após partirmos deste mundo. Juntos.
O fantasma de você se transforma em sua forma de carne e osso conforme vai se aproximando.
Olho para as minhas mãos e percebo que estou tremendo. Fecho os dedos, respiro fundo, tento manter o controle, mas é impossível. Meu corpo inteiro está reagindo ante à presença eminente do seu. Meus dedos tremem tanto que mal consigo pegar a alça da minha bolsa e colocá-la sobre o ombro.
Já estou de pé; já estou com os braços ansiosos para abraçar sua figura como se não houvesse amanhã.
Seu sorriso cai como uma cachoeira sobre meu corpo, como gotas cristalizadas de chuva após um longo período de sol escaldante.
Oh, como se atreve?
Como se atreve dizer que não é amor?

— Desculpe o atraso. – você diz baixinho, com sua voz carinhosa e arrependida, antes de beijar meus lábios, pondo um fim em toda esta agonia.
— Não tem problema. – repliquei ao mesmo tempo que passei o braço esquerdo ao redor de sua cintura. – O que importa é que está aqui agora. Desde que sempre esteja, desde que sempre chegue… Não tem problema.
— Vamos para casa? – perguntou enquanto começávamos a caminhar por toda a multidão de pessoas como se estivéssemos completamente sozinhos.
— Será que não vê? Será que não entende? – encarei seus olhos confusos antes de terminar a sentença e sorri. – Eu já estou em casa.

Rosa e Eucalipto.

parte 1

— Você me cura. – ela sussurrou num quarto escuro, enquanto sua mão deslizava delicadamente pela bochecha do rapaz. – Sempre que me sinto doente, sempre que acho que vou perecer ante o olhar que tanto me faz mal, você chega e me segura. Você chega e me cura. E eu te amo por isso.
— Não da forma como o ama. Não da forma como eu te amo. – respondeu com certa amargura, deixando que as garras do ciúme penetrassem em seu puro coração. – Eu não consigo fazer sua cabeça girar. Eu não faço você sentir tonturas ou chorar de agonia. Eu não tenho o mesmo efeito sobre você que ele tem. Eu não te faço passar mal de amor, não faço sua pele queimar dolorosamente. Como ousa dizer me amar? Eu não sou ele. E jamais poderei ser.
— Você é melhor. – respondeu com meiguice, bloqueando as palavras enegrecidas que saíam dos lábios de alguém tão especial. – Será que você não sabe? Esse é o melhor tipo de amor. O amor que acalma ao invés de rasgar o coração. O amor que canta suavemente lindas melodias ao invés daquele que berra em seus ouvidos, ao ponto de deixar-lhe louco. O amor que faz você sentir estar no lugar certo. O amor que parece uma bênção, como gotas cristalizadas de chuva após um longo período de sol escaldante. O amor que acende uma alma, não aquele que a martiriza com pensamentos enlouquecedores e suicidas. – ela pegou com cuidado a mão rija sobre o lençol branco e depositou um singelo beijo sobre sua palma. O beijo lhe causou uma sensação extasiante, fazendo um caminho fresco por sua pele, que sabia a uma mistura de rosa com eucalipto. – Será que não vê? O melhor amor é o que faz viver, não o que mata. E o seu amor me faz querer viver mil encarnações ao seu lado, não importa quantas vezes o mundo queira cair ao meu redor.
— Ainda assim… – insistiu, mesmo tendo de lutar contra o efeito anestésico de seu beijo. – Você sempre irá amá-lo também.
— Isso não significa que eu não tenha feito uma escolha. E eu escolho você. Eu sempre vou escolher você.

Os braços carinhosos envolveram seu pescoço, calando-o de uma vez.
O silêncio pesou sobre o quarto escuro enquanto aquela sensação refrescante ainda tomava-o por inteiro, como um feitiço mágico que o impedia de ir embora.
Que o impedia de sair para procurar um coração que pudesse vir a ser inteiramente dele.
Porque ele não conseguia, ele não podia largar a rosa e o eucalipto que sempre navegavam por suas veias cada vez que ambos se roçavam.
Mas quando ela o tocava assim, quando o fazia sentir-se especial, despido de todos os pesadelos, em sua máxima vulnerabilidade, ele entendia o que era a calmaria de um amor puro e sincero do qual ela falava.
Entendia perfeitamente o que era o refresco de gotas cristalizadas de chuva após um longo período de sol escaldante.
Sentia a alma acendida, viva, desejando viver mil encarnações ao lado dela, não importava quantas vezes o mundo desejasse cair ao seu redor.
Porque – ainda que dividido – o amor dela o curava.
E – infelizmente ou não – era disso, somente disso que ele precisava para continuar respirando neste mundo.