Mia Couto é conhecido por fazer poesia em prosa em seus livros de ficção. Ganhador de grandes prêmios, inclusive o Prêmio Camões, o mais importante em língua portuguesa, o autor de “Terra Sonâmbula”, traz neste livro poemas selecionados, que sintetizam sua obra poética até o momento.
Aqui estão meus três poemas favoritos do livro:
Doença
O médico serenou Juca Poeira.
Que ele já não padecia da doença
Que ali o trouxera em tempos.
E o doutor disse o nome
Da falecida enfermidade:
“Arritimia paroxística supraventricular”
Juca escutou, em silêncio,
Com pesar de quem recebe condenação.
As mãos cruzadas no colo
Diziam da resignada aceitação.
Por fim, venceu o pudor
E pediu ao médico
Que lhe devolvesse a doença.
Que ele jamais tivera
Nada tão belo em toda a sua vida.
Sementes
Olhos,
vale tê-los,
se, de quando em quando,
somos cegos
e o que vemos
não é o que olhamos
mas o que o olhar semeia no mais denso escuro.
Vida
vale vivê-la
se, de quando em quando,
morremos
e o que vivemos
não é o que a vida nos dá
nem o que dela colhemos
mas o que semeamos em pleno deserto.
A espera
Aguardo-te
como o barro espera a mão.
Com a mesma saudade
que a semente sente do chão.
O tempo perde a fonte
e a manhã
nasce tão exausta
que a luz chega apenas pela noite.
O relógio tomba
E o ponteiro se crava
No centro do meu peito
Fui morto pelo tempo
No dia em que te esperei.
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