O Vento.
Queria transformar o vento.
Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto.
Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física do vento: uma costela, o olho..
Mas a forma do vento me fugia que nem as formas de uma voz.
Quando se disse que o vento empurrava a canoa do índio para o barranco
Imaginei um vento pintado de urucum a empurrar a canoa do índio para o barranco.
Mas essa imagem me pareceu imprecisa ainda.
Estava quase a desistir quando me lembrei do menino montado no cavalo do vento – que lera em Shakespeare.
Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos prados e com o menino.
Fotografei aquele vento de crinas soltas.
O Punhal
Eu vi uma cigarra atravessada pelo sol – como se um punhal atravessasse o corpo.
Um menino foi, chegou perto da cigarra, e disse que ela nem gemia.
Verifiquei com os meus olhos que o punhal estava atolado no corpo da cigarra
E que ela nem gemia!
Fotografei essa metáfora.
Ao fundo da foto aparece o punhal em brasa.
A Doença
Nunca morei longe do meu país.
Entretanto padeço de lonjuras.
Desde criança minha mãe portava essa doença.
Ela que me transmitiu.
Depois meu pai foi trabalhar num lugar que dava essa doença nas pessoas.
Era um lugar sem nome nem vizinhos.
Diziam que ali era a unha o dedão do pé do fim do mundo.
A gente crescia sem ter outra casa ao lado.
No lugar só constavam pássaros, árvores, o rio e os seus peixes.
Havia cavalos sem freios dentro dos matos cheios
de borboletas nas costas.
O resto era só distância.
A distância seria uma coisa vazia que a gente portava no olho
E que meu pai chamava exílio.
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