01 – Livros

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Eu realmente não lembro qual foi o primeiro livro que li na minha vida. Muitos, muitos passaram pelas minhas mãos desde quando era bem pequena até quando pude obter uma consciência do que era ler e o que isso significava realmente. Mas eu lembro, com certeza, o primeiro livro que me fez amar outros livros: Senhora, de José de Alencar.
Eu lembro como se fosse ontem a primeira vez que toquei neste livro. Eu não estava bem naquele dia. Tinha 13 anos, estava na 8ª série e a vida já estava acontecendo para mim. Naquele dia, minha turma foi obrigada a ver o vídeo “An Inconvenient Truth”, do Al Gore, na sala de vídeo – que também era chamada de Sala de Leitura, porque estudava numa escola pública e era tudo no mesmo lugar – e fiquei sentada numa mesa perto da estante de livros. Os minutos passaram, o vídeo tava me dando nos nervos (tinha muito animal morrendo, a cena dos porquinhos se afogando me traumatiza até hoje, não agüentei olhar), eu já estava de saco cheio daquilo tudo, de todas as pessoas ao meu redor e foi nesse momento que virei a cabeça para o lado para tentar respirar fundo e manter o controle. Foi quando olhei para um livro em particular e vi o nome “Senhora”. O primeiro pensamento que veio à minha cabeça foi de realmente uma senhora de 80 anos, com um colar de pérolas e fazendo crochê em uma cadeira de balanço (sim, essa era a imagem preconceituosa e ignorante que vinha à minha cabeça cada vez que ouvia a palavra ‘senhora’). Lembro que perguntei-me porque diabos alguém escreveria sobre uma senhora de 80 anos e como aquilo daria um livro (again, perdoem o preconceito estúpido da idade). E foi entupida de curiosidade que tirei o livro da estante. Não exagero quando digo que imediatamente senti uma conexão especial com aquele livro, principalmente quando li a sinopse e vi que se tratava de um casamento arranjado e amor/ódio, que são meus tipos favoritos de histórias.
O tempo da aula acabou, coloquei o livro de volta na estante e fui para casa sem tirar ele da cabeça. No dia seguinte, assim que bateu o sinal do intervalo, eu já estava na sala de leitura com o livro na mão e com o meu nome já anotado no caderninho de empréstimos.
Vocês devem estar se perguntando porque diabos eu estou falando de um livro em particular quando o título desse primeiro pensamento se chama “LIVROS”. A resposta é simples: Senhora foi o primeiro livro que curou a dor do momento.
Eu sempre fui lerda pra ler (ainda sou!), mas li Senhora em 3 dias, se não me engano. O primeiro livro que fiquei enrolando para terminar, pois não queria que aquela história acabasse de jeito nenhum. Como iria me despedir de Aurélia e Fernando dessa forma, quando vivi 3 intensos dias todo o turbilhão de sentimentos, de amores e orgulhos extremamente feridos, dentro de uma única casa? Eu vivia  história desses dois como se estivesse ali, como se eles fossem meus parentes, onde a dor, a frustração, o amor e todos os sentimentos deles também fossem meus.
Quando digo que Senhora foi o primeiro livro que curou a minha dor, não falo num sentido figurado, mas no literal mesmo. A sensação que me arrebatou quando acabei o livro foi tão intensa que, pelo menos por um par de dias ou um pouco mais, eu ainda estava vivendo com Aurélia e Fernando e tudo o que estava vivendo na minha vida naquela época foi meio que guardado em uma caixinha e, por alguns dias, ficou mais fácil respirar.
Eu sempre gostei de ler, desde que aprendi a juntar A com B, mas os livros para mim nada mais eram do que histórias sem noção e divertidas da coleção vaga-lume. Mas Senhora foi o divisor de águas, o que me fez aprender não só a ler como se deve um livro, mas também a vivê-lo intensamente. Nem mesmo Harry Potter, que foi o divisor de águas da minha geração, conseguiu esse efeito sobre mim.
Engraçado como os momentos-chave de nossas vidas acontecem da mesma forma: apenas aquele 1 segundo, 1 objeto, 1 brevíssimo espaço de tempo que muda todo o rumo de nossa história. A moral de todo esse texto é que, se eu não tivesse virado a cabeça naquele momento, olhado para aquele livro em particular e não pensasse porque alguém faria um livro sobre uma pessoa idosa, tudo seria diferente. Eu fui uma pessoa diferente antes e depois de Senhora.
Se eu achava que as coisas estavam melancólicas em 2005 é porque minha mente inocente não fazia ideia do que me esperava nos anos seguintes. Sem entrar em mais detalhes, eu posso dizer com toda a segurança do mundo que os livros (junto com algumas pessoas incomparáveis e especiais), salvaram minha vida.
Se hoje escrevo, é por causa dos livros.
Se as melhores pessoas do mundo hoje fazem parte da minha vida, é por causa dos livros.
Se hoje estou pobre de marré, também é por causa dos livros, porque eu compro uns 5 por mês, mesmo sabendo que nem duas vidas serão o bastante para ler tudo o que eu tenho aqui.
Existem pessoas que dizem que eu não vivo, que só sei ficar agarrada a uma ilusão e que isso não vai me levar a lugar algum. Pessoas que nunca leram um livro, claro, que nunca tiveram a oportunidade de pegar em um “Senhora” da vida e passar a ver o mundo sob uma nova perspectiva. Elas dizem que sou louca, mas loucas são elas, que vivem na entediante e insuportável realidade como se fosse a coisa mais sábia e sadia do mundo.
Quem me conhece pelo menos um pouquinho sabe que meu livro favorito de todos os tempos é A Menina Que Roubava Livros. Este foi outro que mudou a minha percepção sobre certos fatos da vida e, como costuma dizer uma das pessoas mais perfeitas do mundo, depois dele nunca mais vou sorrir. Mas ele só foi importante assim porque foi Senhora quem me ensinou a ler diferente, quem me ensinou a ler com outros olhos. Entendem esse rolo todo que eu falei aqui?
A verdade, a mais pura verdade é  que livros, palavras e histórias, têm o poder de transformar uma vida, de fazer-te olhar o mundo com outros olhos e até mesmo permitir que você seja uma pessoa muito, muito melhor.
Tenho a plena certeza de que quem diz que não gosta de ler é porque ainda não achou um “Senhora”, ou seja, não achou o livro certo.
Eu espero realmente que você encontre um livro assim e possa entender com plenitude cada palavra escrita aqui.